
(Foto: CoWomen/Pexels)
A generalização do uso da inteligência artificial está impondo a necessidade dos pesquisadores universitários e dos jornalistas passarem a ter uma relação estrutural permanente para dar conta da complexidade crescente dos ecossistemas informativos que envolvem todos nós.
É o que se constata observando como evolui a produção de informações a partir do momento em que os algoritmos da chamada inteligência artificial (IA) assumiram um papel-chave na seleção das notícias publicadas na imprensa e nas plataformas digitais. A velocidade, complexidade e intensidade de atualização na produção de notícias superam a capacidade da maioria esmagadora das redações e geram uma enorme diversificação na oferta informativa de profissionais e de não profissionais.
Esta nova realidade torna compulsória uma revisão profunda nas funções desempenhadas até agora tanto pelos acadêmicos como pelos jornalistas. Ambas as partes desenvolveram posturas corporativas que as levaram a um distanciamento rompido apenas em função de conveniências mútuas. Quando os acadêmicos precisavam de visibilidade pública para demandas especificas, a imprensa era contactada. Por seu lado, jornais batiam às portas da universidade quando dependiam de endosso teórico para normas e valores empresariais. Era um distanciamento mutuamente conveniente.
A situação começou a mudar no final do século passado quando na área da tecnologia as inovações alimentadas pela digitalização e pela internet passaram a ser desenvolvidas por pesquisadores autônomos. A universidade perdeu terreno porque foi muito lenta na adaptação aos novos tempos. Ela perdeu espaços no campo das inovações e atividades como produção de chips, de hardware e de softwares como buscas na internet, plataformas digitais, realidade virtual, inteligência artificial e agora também a computação quântica, acabaram acontecendo fora dos laboratórios acadêmicos.
Este processo de integração entre teoria e prática na produção de inovações tecnológicas já está operacional no campo dos aplicativos tecnológicos, como pode ser visto pela multiplicação de informes, pesquisas e discussões publicados diariamente na internet. Se na área tecnológica a integração dá seus primeiros passos, no campo da informação ela começa a se tornar uma necessidade, especialmente porque a IA maximiza de forma perturbadora os efeitos da avalanche informativa deflagrada desde o final do século passado.
Isto tende a criar a necessidade de jornalistas e desenvolvedores de softwares estabelecerem uma relação orgânica por meio de estruturas permanentes de criação conjunta de novos conteúdos informativos. Espaços institucionais onde a pesquisa teórica esteja integrada à pratica como parte do processo de produção de notícias. É o que já está sendo feito em muitas empresas com o uso das chamadas Comunidades de Prática, criadas nos anos 90 pelo pesquisador suíço Etienne Wenger.
A IA como ferramenta de marketing
A chamada inteligência artificial é um desdobramento do crescimento imparável no volume de dados inseridos na internet e do desenvolvimento de algoritmos mais sofisticados para buscar, selecionar e processar os dados digitalizados em arquivos físicos ou na nuvem. É uma evolução quantitativa transformada em eficiente marketing para vender softwares como ChatGTP, Gemini, DeepSeek, CoPilot e muitos outros. Um marketing que a imprensa comprou e ajudou a criar o mito de uma inteligência não humana.
Todos estes projetos da IA começam agora a produzir uma massa enorme de informações que passam a influir na vida das pessoas em todo o mundo. É aí que entra a relação entre a universidade e as redações, incluindo os profissionais autônomos. Os pesquisadores e desenvolvedores de IA, não vinculados a empresas de marketing, sabem que algoritmos alimentados por dados equivocados ou falsos produzem fake news. O pesquisador espanhol Ignacio de Gregorio, por exemplo, publicou um artigo onde mostra que se pedirmos que os algoritmos de IA expliquem porque 1 +1 = 5 o software tentará encontrar razões para o pedido, mas será incapaz de dizer que o pedido é equivocado.
É apenas um exemplo bem simples de um processo que se for aplicado no campo do noticiário gera inevitavelmente fake news. Se levarmos em conta que os bancos de dados de notícias são hoje cada vez mais complexos, é humanamente impossível checar a veracidade de cada dado processado por um algoritmo de IA. Logo, estamos diante de um problema seríssimo, cuja solução está além da capacidade dos jornalistas. Há necessidade de aplicativos que reduzam a possibilidade de produção equivocada de notícias, algo que já é generalizado na comunicação pública entre políticos, governos e corporações.
Distinguir notícia de marketing comercial
A produção de aplicativos para separar notícia de marketing comercial ou político tende a tornar-se parte da atividade jornalística daqui por diante. Um profissional comprometido com a função social do jornalismo só pode formatar uma notícia quando tem uma mínima certeza da confiabilidade das informações que publica. Mas esta confiabilidade só é possível agora, na era da IA, com a ajuda da tecnologia, ou seja, aplicativos que façam a triagem dos dados a serem processados.
Esta preocupação é especialmente válida quando as empresas de tecnologia passam a usar intensamente o chamado marketing da inovação. Empresas com a Apple e Meta, para citar só dois casos, promovem regularmente lançamentos espetaculares de novos produtos com o objetivo de valorizar suas ações em bolsa, com as quais pagam funcionários e compram outras empresas menores. É um mecanismo de marketing financeiro baseado na expectativa de que as inovações anunciadas valorizem as ações gerando ganhos de capital. A dificuldade do jornalismo está em identificar quando um lançamento é realmente inovador, que beneficia os consumidores, e quando é apenas um recurso de marketing, que beneficia apenas a empresa lançadora do produto.
Não tenhamos dúvidas, o jornalismo vai usar a IA no seu dia a dia daqui por diante. E precisará fazer uma distinção clara entre o que é marketing de Big Techs, ou de políticos, e o que é informação socialmente relevante. Quanto mais detalhada for esta diferenciação, maior será o grau de confiabilidade. O desenvolvedor de um software ou algoritmo de triagem terá que lidar com contextos socioeconômicos e políticos definidos pelo jornalismo, o que torna indispensável uma estrutura permanente de troca de dados entre pesquisadores acadêmicos e profissionais da notícia.
Não é uma meta fácil e nem rápida de alcançar. Mas os acadêmicos e jornalistas estão condenados, pela dinâmica digital, a aceitar a integração orgânica como uma imposição da realidade.
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