Como alguns dos maiores portais de notícias dão espaços para bets terem destaques em SEO

(magem: Pete Linforth/Pixabay)

A discussão sobre modelos de monetização de portais de conteúdo nunca esteve tão em evidência. Com a iminente redução de tráfego orgânico causada pela implementação de recursos como o AI Overviews e o AI Mode, que oferecem respostas instantâneas nas buscas e diminuem a necessidade de cliques, muitos veículos jornalísticos se veem diante de um cenário desafiador e incerto.

Nesse contexto, a busca por novas fontes de receita tem levado diversos portais de notícia a apostar — literalmente — em parcerias com casas de apostas esportivas. O movimento, embora compreensível do ponto de vista econômico, tem se dado muitas vezes de maneira pouco convencional, com conteúdos que misturam informação, ranqueamento e recomendação, sem sempre deixar claro ao leitor os interesses comerciais por trás dessas publicações.

Este artigo propõe uma reflexão sobre esse fenômeno, analisando a utilidade e os riscos desse tipo de conteúdo, as questões éticas que ele suscita, e o futuro do jornalismo diante da dupla pressão: a tecnológica, imposta pelas mudanças no ambiente digital, e a econômica, impulsionada pela necessidade de sobrevivência financeira.

Veículos que divulgam bets

Veja quais são os portais de notícias que divulgam casas de apostas, dentre os 30 principais domínios brasileiros.

Portal Divulga Bets
Globo/O Globo Não*
UOL/Folha Não
Terra  Sim
MSN Não
CNN Brasil Não
Metrópoles Sim
ESPN Não
IG Não
Estadão Não
R7 Não
EHGomes Não
Tudo Gostoso Não
EM Sim
Brasil247 Sim
Correio Braziliense Sim
Lance Sim
Meu Timão Sim
BBC  Não
Diario do Centro do Mundo Não
CLCC RBS Não
O Tempo Não
NSC Total Não
Poder360 Não
Coluna do Fla Não
Verdes Mares Não
Exame Não
Itatiaia Não
UAI Sim

*O Globo possui uma página ativa para explicar as bets, mas nunca utilizou com fins de monetização.

De todos os 29 maiores portais de notícias, 8 deles se utilizam de bets como forma de monetização. Dos 5 maiores, apenas o Terra adota a estratégia.

Como são essas páginas?

Via de regra, as páginas são microportais, com conteúdo segmentado para bets.

Estado de Minas

(Imagem: Divulgação)

Existente desde 2023, o portal consegue atingir em torno de 300 mil cliques mensais, de acordo com SEMRush:

Tráfego estimado para a parte de bets do Estado de Minas (Imagem: Divulgação)

Autodenominado EM Apostas, diz ser um “grupo de pessoas que compra e avalia os melhores sites”, sem informar quem são, de fato, essas pessoas. 

Footer do Estado de Minas Apostas (Imagem: Divulgação)

Terra

O portal Terra também tem um minisite para divulgar as bets:

Minisite do Terra destinado às bets. (Imagem: divulgação)

Tráfego Estimado com bets para Terra (Imagem: Divulgação)

O portal Terra já obteve um tráfego estimado superior aos 3 milhões. Hoje, é superior a 1 milhão.

Embora o autor das publicações seja “Terra Apostas”, ao final avisa que o conteúdo é comercial e com links de afiliados. Entretanto, isso “não afeta nossas avaliações e críticas imparciais”.

Aviso nas páginas de apostas do Terra. (Imagem: Divulgação)

Metrópoles

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Embora o site do Metrópoles para bets seja mais simples, ele conta até com códigos exclusivos:

Miniportal do Metrópoles para bets (Imagem: Divulgação)

Código promocional Metrópoles (Imagem: Divulgação)

Tráfego Estimado – Metrópoles. (Imagem: Divulgação)

As páginas do site conseguem atrair algo próximo aos 700 mil cliques mensais.

Embora o próprio Metrópoles não descreva, como os demais, o que é esse conteúdo de apostas, a página de autor informa que “nossa equipe editorial é composta por especialistas apaixonados por esportes e cassinos, que têm como missão trazer análises detalhadas, dicas valiosas e as últimas notícias do mundo das apostas”.

Página de autor do Metrópoles Apostas (Imagem: Divulgação)

Otimização para mecanismos de busca

A maior parte das páginas desses miniportais são pensadas para serem otimizadas aos mecanismos de busca.

Vejam que ao buscar por “melhores casas de apostas”, aparecem portais de notícias na aba de News:

(Imagem: Divulgação)

Para piorar, ao buscar por uma casa de aposta específica, todas as respostas são de portais de notícias:

(Imagem: Divulgação)

Abuso de reputação de site

Outro aspecto preocupante desse cenário é o fenômeno conhecido como “SEO parasita”, que ocorre quando sites de autoridade — tradicionalmente reconhecidos pela credibilidade jornalística — passam a publicar ou hospedar conteúdos otimizados exclusivamente para ranquear bem nos mecanismos de busca, mas com pouca ou nenhuma conexão editorial com sua linha jornalística original. Em muitos casos, essas páginas são terceirizadas ou mesmo vendidas a terceiros que exploram a reputação da marca para direcionar tráfego a setores altamente lucrativos, como apostas, saúde ou finanças de risco.

Um caso recente envolvendo a Forbes é um dos mais emblemáticos: a marca foi acusada de permitir, ou ao menos não impedir, que terceiros utilizassem seu domínio para publicar conteúdos que promoviam casas de apostas e esquemas financeiros duvidosos, sem qualquer supervisão editorial efetiva. Essa prática resultou em uma crise de reputação e levantou dúvidas sobre a real autonomia editorial de veículos tradicionais na era da monetização agressiva via SEO.

No Brasil, o portal IstoÉ também se viu envolvida em uma situação semelhante. O portal passou a hospedar artigos de baixa qualidade, criados por outras empresas com o único objetivo de monetização, sem curadoria jornalística e com foco exclusivo na captação de tráfego através de técnicas de ranqueamento e links afiliados. Esses conteúdos, frequentemente sobre apostas esportivas ou serviços financeiros, utilizavam a autoridade e a confiança associadas à marca IstoÉ para atrair leitores, mesmo sem o respaldo editorial do veículo. Assim como no caso da Forbes, trata-se de um exemplo clássico de SEO parasita, que pode ser enquadrado como abuso de autoridade ao explorar indevidamente a credibilidade construída ao longo de décadas.

Esses casos evidenciam como a busca por monetização rápida pode comprometer seriamente a integridade editorial, afetar a confiança do público e degradar o ecossistema de informação online, que passa a ser contaminado por conteúdos produzidos sem rigor, sem responsabilidade e com interesses ocultos.

Nesses casos específicos, as empresas estão usando portais reconhecidos de notícias para veicular conteúdo e, principalmente, usar a reputação deles.

Casas de Apostas ainda são polêmicas no país (Imagem: Divulgação)

Problema também em mídia paga

Vários portais de notícias também veiculam conteúdo de bets a partir de mídia paga, como informou Aos Fatos, que analisou cerca de 50 mil anúncios nativos publicados em sites de notícias no Brasil. O levantamento identificou que 73,8% desses anúncios continham promessas de ganhos extraordinários, apelos emocionais ou vantagens exclusivas para apostadores.

Especialistas alertam que esse tipo de publicidade pode ativar gatilhos psicológicos, especialmente em pessoas com predisposição ao vício em jogos.

Além disso, a reportagem detectou que 4.551 anúncios (9,1%) promoviam plataformas que posteriormente não solicitaram regularização junto ao Ministério da Fazenda, atuando de forma irregular no mercado.

Principais sites brasileiros que mais veicularam anúncios de apostas

A investigação apontou os veículos que mais publicaram esse tipo de conteúdo:

  • Metrópoles: 17.833 anúncios
  • IG: 15.751 anúncios
  • ClicRBS: 6.312 anúncios
  • Portal R7: 5.571 anúncios

Juntos, esses quatro sites concentram 91% de todos os anúncios de apostas identificados na análise. Vale lembrar que Metrópoles também é um dos principais portais no orgânico.

Questão de utilidade da marca

Atualmente, cerca de 30% dos portais de notícia produzem conteúdos sobre casas de apostas, muitas vezes com foco em ranqueamentos, análises, tutoriais de cadastro e recomendações. Esse tipo de conteúdo cumpre uma função prática evidente: quando os usuários buscam informações sobre a confiabilidade de uma determinada casa de apostas, esses portais surgem como as principais referências, muitas vezes posicionados estrategicamente no topo dos resultados de busca.

Ao apresentar listas como “as melhores casas de apostas” ou “os bônus mais vantajosos”, esses veículos acabam funcionando como validadores, mesmo que o conteúdo tenha sido produzido com interesses comerciais, como programas de afiliados.

O problema surge quando a aparência de um conteúdo jornalístico, que pressupõe imparcialidade e rigor, se confunde com materiais de caráter publicitário, ainda que não explicitamente marcados como tal. O usuário médio, ao confiar na credibilidade tradicional do portal, muitas vezes não percebe que está sendo direcionado a uma escolha não apenas informativa, mas orientada por estratégias de monetização. Assim, os portais deixam de ser apenas mediadores de informação e passam a ser também agentes de influência econômica, moldando decisões que podem envolver riscos financeiros e emocionais para os consumidores.

Além disso, esse tipo de conteúdo é especialmente relevante considerando que o público-alvo é, muitas vezes, composto por apostadores iniciantes, que não possuem conhecimento técnico para avaliar sozinhos aspectos importantes como odds, regulamentação, licenças ou políticas de saque. A utilidade prática do conteúdo, portanto, vem carregada de uma enorme responsabilidade: a de informar com clareza, transparência e ética, evitando a glamurização ou a banalização de uma atividade que envolve, inevitavelmente, risco de perda de dinheiro.

Questão ética

Essa produção maciça de conteúdos sobre apostas esportivas por parte de veículos jornalísticos suscita um debate ético que ainda carece de enfrentamento público. O jornalismo, por definição, deve operar com independência editorial, vigilância crítica e compromisso com o interesse público. Entretanto, quando esses mesmos portais se tornam economicamente dependentes da indústria das apostas — seja por meio de afiliados, publicidade ou conteúdo patrocinado —, cria-se um potencial conflito de interesses que compromete a credibilidade e a função social do jornalismo.

Um exemplo concreto é a cobertura de escândalos e investigações relacionadas ao setor, como a CPI das Apostas, que busca apurar suspeitas de manipulação de resultados, lavagem de dinheiro e outras irregularidades associadas às bets. É legítimo questionar: esses veículos que lucram promovendo casas de apostas terão liberdade e disposição para cobrir com profundidade as denúncias que atingem os seus próprios parceiros comerciais? Ou, pior ainda, poderão omitir, suavizar ou relativizar os fatos, temendo prejudicar a relação com anunciantes e comprometer receitas?

Além disso, há uma questão ética ligada à proteção do consumidor e à prevenção de danos sociais. O vício em apostas é um problema de saúde pública reconhecido mundialmente, associado a transtornos como endividamento crônico, depressão e suicídio. Ao produzir conteúdos que estimulam ou naturalizam a prática das apostas, os portais de notícias podem estar, inadvertidamente, contribuindo para a expansão desses problemas, sem oferecer contrapartidas adequadas de conscientização, educação sobre jogo responsável ou orientações sobre prevenção e tratamento.

Por fim, há o desafio da transparência: muitos desses conteúdos não são claramente identificados como publicitários, e o leitor, ao confiar no prestígio do veículo, pode não perceber que está sendo exposto a uma peça de marketing. Esse apagamento das fronteiras entre jornalismo e publicidade mina a confiança pública na imprensa e compromete o papel fundamental que os meios de comunicação devem exercer: o de informar, fiscalizar e proteger a sociedade.

O que será de nós no futuro?

O futuro dos portais de notícia está em um ponto de inflexão crítico. Vale lembrar que um engenheiro do Google até mesmo ventilou a possibilidade do jornalismo se tornar uma empresa sem fins lucrativos.

De um lado, observa-se a crescente diminuição do tráfego orgânico oriundo do Google, motivada por mudanças estruturais como a implementação do AI Overviews e do AI Mode. Essas ferramentas, baseadas em inteligência artificial, passaram a fornecer respostas diretas e completas na própria interface de busca, reduzindo significativamente a necessidade de o usuário clicar em links externos. Esse fenômeno já provoca uma retração expressiva na audiência de portais jornalísticos, afetando diretamente sua principal fonte de receita: a publicidade baseada em volume de acessos.

Inclusive, o próprio Google relatou a necessidade de não se otimizar para cliques, diminuindo a receita dos editores com publicidade.

Paralelamente, muitos desses veículos recorreram, como forma de compensação, a novos modelos de monetização — entre eles, a afiliação com casas de apostas, que oferece uma rentabilidade imediata e robusta. No entanto, essa solução de curto prazo pode comprometer gravemente a sustentabilidade e a missão do jornalismo no longo prazo. A dependência econômica desse setor cria uma relação de risco: quanto maior for a necessidade financeira, maior será a tentação de produzir conteúdo enviesado, priorizando a captação de leads e apostas em detrimento da apuração crítica e da informação isenta.

Nesse cenário, a pergunta que se impõe é: como o jornalismo poderá preservar sua independência editorial e sua função social diante dessas pressões? A resposta passa, necessariamente, por uma revisão profunda dos modelos de negócio, buscando alternativas que não comprometam a integridade do conteúdo. Isso pode incluir o fortalecimento de programas de assinatura e apoio direto do público, a diversificação das fontes de receita, a aposta em conteúdos exclusivos e aprofundados, bem como o investimento em novos formatos e canais — como newsletters, podcasts e plataformas próprias — que escapem do monopólio algorítmico das grandes big techs.

Além disso, será fundamental que os portais recuperem e reforcem seu compromisso ético, estabelecendo políticas claras de transparência sobre conteúdos patrocinados, evitando conflitos de interesse e assumindo, de forma proativa, a responsabilidade social que lhes cabe. O jornalismo, mais do que nunca, precisa se relembrar de sua missão original: ser um serviço público indispensável à democracia, mesmo que isso exija resistir às soluções fáceis e imediatas.

O futuro dos portais de notícia dependerá da sua capacidade de se reinventar sem abrir mão de sua essência. Não basta apenas sobreviver; é preciso manter a credibilidade, a autonomia e o compromisso com o interesse público, sob pena de, ao ceder aos interesses de mercado, perder também a confiança e a relevância social.

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Willian Porto é Publisher do “Não é Agência!” e Especialista em SEO, também participou de projetos em e-commerces, como Americanas, Shoptime, Bosch e Trocafone.

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