Volume de investimento de pessoas físicas em títulos isentos cresceu 341% em sete anos

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TAMARA NASSIF, GUSTAVO SOARES E JÚLIA MOURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O volume de investimentos de pessoas físicas em títulos isentos de IR (Imposto de Renda) mais do que quadruplicou nos últimos sete anos.

Segundo cálculos da reportagem com base em dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o total investido saiu de R$ 354 bilhões, de janeiro de 2018, para mais de R$ 1,2 trilhão no último mês de abril -um aumento de 341%.

A conta leva em consideração os aportes nas modalidades de letras de crédito imobiliário e do agronegócio (LCIs e LCAs), debêntures incentivadas e certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRIs e CRAs), alvos de uma proposta de tributação do Ministério da Fazenda anunciada no último domingo (8).

Os LCAs são maioria no montante total, com R$ 517,2 bilhões em investimentos de pessoas físicas. Os LCIs vêm em segundo lugar, com R$ 411,97 bilhões, seguidos por CRAs (R$ 122,95 bilhões), debêntures incentivadas (R$ 88,54 bilhões) e, por fim, CRIs (R$ 69,2 bilhões).

As disparadas são fruto da evolução do próprio mercado de capitais do país, cuja “digitalização facilitou o acesso de pessoas físicas” nos últimos sete anos, diz Enrico Gazola, economista pelo Insper e sócio-fundador da Nero Consultoria.

A taxa Selic em patamares elevados também foi um incentivo. Títulos de renda fixa privada, mais arriscados que os públicos por terem empresas passíveis de quebra como emissoras, oferecem o chamado “spread” para atrair mais investidores. O termo se refere à diferença de rentabilidade em relação ao título público equivalente e, na prática, funciona como uma espécie de “prêmio de risco” -isto é, oferece-se mais retornos para compensar a decisão de investir em um ativo menos seguro.

“Um CRA IPCA+, por exemplo, vai pagar a mesma coisa que o Tesouro IPCA+ do mesmo vencimento, mais um prêmio adicional para compensar o risco de se investir em uma empresa e não no Tesouro Nacional”, explica João Duarte, sócio da One Investimentos.

Duarte cita, também, as mudanças promovidas pelo marco regulatório dos fundos de investimento de 2023. “Ele promoveu um maior interesse por fundos incentivados, que costumam alocar em debêntures incentivadas e garantem ao investidor pessoa física o benefício da isenção tributária”, afirma.

Os fundos incentivados tiveram uma captação expressiva, segundo o especialista, mesmo em momentos de baixa performance no restante do mercado. O desempenho melhor que a média direcionou capital para essa modalidade de investimento, e, por consequência, para as debêntures incentivadas.

Além disso, a própria isenção tributária levou pessoas físicas aos investimentos. Esse fator de atração, porém, pode estar com os dias contados.

LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas poderão ter uma cobrança de IR de 5% para compensar os recuos do governo federal no decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A proposta foi debatida em uma reunião de cinco horas entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e líderes do Congresso Nacional, sendo parte de um pacote mais amplo de medidas que visam aumentar a arrecadação.

Elas serão adotadas com a edição de uma MP (Medida Provisória), e os detalhes do plano foram discutidos nesta terça (10) em uma reunião com o presidente Lula (PT). O pacote terá de passar pelo Congresso Nacional para ser aprovado -o que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou não ser capaz de garantir.

Nos cálculos da reportagem, 5% de tributação sobre o atual montante de R$ 1,2 trilhão em investimentos significaria R$ 60,45 bilhões a mais para os cofres públicos. Esse número poderá ser ainda maior quando a tributação entrar em vigor, a partir de 2026: especialistas esperam um maior número de aportes durante a janela de tempo em que a isenção seguirá valendo.

“Estamos observando uma demanda muito grande por esses títulos nesse momento. Esse volume aumentou tanto que o spread está sendo até comprimido”, afirma Duarte, da One Investimentos.

“Ou seja, a demanda está amassando as taxas desses ativos negociados no mercado secundário. Se concretizada a medida, vamos continuar vendo um volume grande de emissões até o final do ano, com as empresas tentando capturar esse momento de prêmios menores e com investidores interessados em ter esses ativos na carteira antes da mudança na tributação.”

Por outro lado, é possível que os emissores de títulos privados tenham que pagar mais caro para se financiar caso a proposta siga adiante, já que passarão a competir com aqueles em que já há incidência de imposto, como CDBs (certificados de depósito bancário) e títulos do Tesouro, tradicionalmente menos arriscados.

Por exemplo, em maio, uma LCI a 96% do CDI (certificado de depósito interbancário, o equivalente à Selic no mercado privado) tinha um retorno anual de 14%, segundo levantamento do C6 Bank. Já um CDB a 102% do CDI rendia, considerando o IR, 12,28%.

No entanto, o aumento na taxa de retorno não teria que ser tão grande já que a alíquota seria de 5%. Assim, eles seguiriam com uma vantagem tributária sobre outros investimentos de renda fixa –hoje, eles seguem a tabela regressiva, de 22,5% a 15%, mas, de acordo com a proposta do governo, podem ficar sujeitos a uma alíquota fixa de 17,5%.

“É provável que os emissores tenham que aumentar a remuneração desses títulos para compensar a perda do benefício fiscal, mas isso vai depender do apetite do mercado, e de quanto tempo essa fase de transição durar”, diz Carol Stange, planejadora financeira.

Segundo a Anbima, as medidas anunciadas pela Fazenda ainda carecem de detalhamento para uma análise mais aprofundada sobre os impactos ao mercado de capitais.

“Entre as mudanças já anunciadas, a tributação de LCIs e LCA segue em linha com uma defesa histórica da Associação, em favor da redução das assimetrias entre diferentes produtos de investimento”, disse a Anbima.

A entidade atribui à isenção das letras uma forte saída de dinheiro dos fundos de investimento, especialmente os de renda fixa.

“As informações divulgadas até agora evidenciam a adoção de medidas de caráter arrecadatório e de curto prazo. Elas não atingem o problema em si, que é estrutural e exige ações coordenadas de curto, médio e longo prazos. Reconhecemos a importância de abrir o debate sobre o equilíbrio fiscal e defendemos que o Brasil persiga uma melhor eficiência na arrecadação e uma gestão mais eficaz dos recursos públicos para conter a evolução dos gastos primários”, completa a associação.


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