RANIER BRAGON
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes adotou nos depoimentos dos réus da trama golpista, nesta segunda (9) e terça-feira (10), um tom ameno, incluindo piadas e tolerância com acusados que usavam respostas para abordar temas sem relação com a pergunta.
A postura difere da que ele manifestou em algumas das falas das 52 testemunhas selecionadas por defesa e acusação, ocasião em que ameaçou de prisão por desacato um ex-ministro da Defesa e Coordenação Política, deu bronca em ex-comandante do Exército e, após se irritar com um advogado, disse que não fariam “circo” em seu tribunal.
Já no primeiro depoimento dos réus, o de Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Moraes fez piada com a suposta intenção do governo passado de prendê-lo assim que uma medida de exceção fosse adotada.
Segundo Cid, Bolsonaro alterou a minuta do decreto golpista algumas vezes, limitando à figura de Moraes a lista de autoridades a serem presas.
“Só o senhor ficaria preso”, disse Cid ao ministro, que retrucou: “Os outros receberam um habeas corpus”. Presente na sala, o próprio ex-mandatário riu da piada, sentado em cadeira no centro do tribunal.
De acordo com as investigações da PF, a chamada “minuta do golpe” decretava inicialmente a detenção, entre outras autoridades, também do ministro do STF Gilmar Mendes e do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Moraes também demonstrou se divertir com a pergunta do advogado Celso Vilardi, responsável pela defesa de Bolsonaro se algo sobre ele, Moraes, havia sido dito em uma das supostas reuniões da trama.
“Sim, senhor. O senhor foi muito criticado”, respondeu Cid.
“Só?”, retrucou Moraes, arrancando risos no plenário da Primeira Turma, incluindo do próprio Cid. “O senhor [Cid] tem que falar a verdade. Eu estou acostumado, pode falar.”
O ministro do STF também demonstrou bom humor no final da sessão de segunda, quando o advogado do ex-ministro Augusto Heleno, Matheus Milanez, pediu adiamento da sessão do dia seguinte para conseguir jantar de forma adequada.
“São quase 20h da noite”, disse Milanez na ocasião. “A audiência amanhã se inicia às 9h. Considerando que nós temos que chegar meia hora antes, nós só viemos em um carro e eu ainda preciso levar o general para casa, preciso ir para a minha casa. Eu minimamente quero jantar, Excelência, eu só tomei o café da manhã quase.”
Moraes, de início, brincou afirmando que iria começar então às 9h02. Depois, negou de vez o pedido afirmando que a celeridade da tomada de depoimentos iria permitir ao advogado se alimentar direito na quinta e inclusive comemorar o Dia dos Namorados e as festas juninas.
“O senhor tem quarta-feira para tomar um belo brunch, quinta-feira, um jantar, que é Dia dos Namorados, sexta é Dia de Santo Antônio, e o senhor comemora numa quermesse.”
Nesta terça, o maior momento de descontração ocorreu quando o ministro permitiu a Bolsonaro fazer uma brincadeira.
O ex-presidente tinha dito antes que poderia mandar ao magistrado imagens de como o povo o recepciona bem em atos na rua. “Declino”, respondeu Moraes.
Em seguida, Bolsonaro disse que gostaria de convidá-lo para ser seu vice em 2026. “Eu declino novamente”, respondeu Moraes.
O ministro já havia dito a Bolsonaro que ficasse à vontade no início de sua fala, quando o ex-presidente pediu permissão para se alongar em uma resposta e abordar pontos que não eram objeto da pergunta. Essa mesma tolerância foi estendida aos outros réus.
A atitude contrasta com a adotada em alguns dos depoimentos das 52 testemunhas da defesa e da acusação, tomados de 19 de maio a 2 de junho. Em um deles, Moraes chegou a ameaçar o ex-ministro Aldo Rebelo de prisão.
“Se o senhor não se comportar, vai ser preso por desacato”, disse Moraes, depois de pedir que Aldo fosse objetivo e de ouvir como resposta um “não admito censura”.
A discussão se deu após Moraes demonstrar irritação com considerações sobre a língua portuguesa feitas pelo ministro, testemunha de defesa do ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos.
Aldo dizia não poder ser levada ao pé da letra uma suposta fala de Garnier de que colocaria suas tropas à disposição dos intentos golpistas de Bolsonaro. O almirante nega ter feito a afirmação.
Em outro depoimento de testemunha, Moraes deu bronca no ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes afirmando que ele apresentava uma versão diferente da que havia dado à Polícia Federal.
Também no depoimento do general, Moraes se irritou com o advogado do ex-ministro da Justiça Anderson Torres Eumar Novacki, afirmando que ele fazia sucessivamente pergunta já respondida. “O senhor já perguntou quatro vezes a mesma coisa. A testemunha já respondeu. Não estamos aqui para fazer circo. Não vou permitir que você faça circo no meu tribunal.”