
(Foto: Karolina Grabowska/Pixabay)
Acreditamos na imprensa livre. Acreditamos na liberdade de expressão. Acreditamos na democracia. Acreditamos em uma sociedade que pode e deve tolerar suas diferenças e chegar a um consenso sobre como convivemos. Acreditamos em tudo isso.
Acontece que há um paradoxo nisso. A história nos diz, cada vez mais, que quanto maior a liberdade de expressão, maior a fragmentação de perspectivas, maior a dificuldade em alcançar consenso e, portanto, maior a dificuldade para uma democracia prosperar e florescer.
Nossa sociedade está fragmentada. Sociedades ao redor do mundo estão fragmentadas. Há profundas fissuras de conflitos étnicos, religiosos e econômicos. Vivemos uma crise de divisão impulsionada pelo medo do outro, pelo medo do futuro. Alguns medos são justificados, outros são alimentados para ganho político.
Demonizamos aqueles dos quais discordamos. Nós os vemos como o outro. Nós os percebemos e os retratamos por meio de memes acusatórios simplistas. Ao fazer isso, aprofundamos a divisão, não a superamos.
Vemos uma democracia que não cumpre o que promete. Vemos menos disposição para dialogar de forma construtiva. Segundo o Pew Research Center, a confiança no governo americano caiu de quase 80% no início da década de 1960 para 20% hoje. Ainda mais preocupante, menos de 20% dos americanos consideram a democracia um bom modelo a ser seguido por outros países.
Como chegamos até aqui? Os desafios são específicos do nosso mundo digital contemporâneo? São o resultado de uma tendência mais antiga? O que levou tantos a acreditar que a democracia falhou? As democracias podem sobreviver à nossa era digital moderna? As democracias podem sobreviver à internet?
As democracias vivem ou morrem em nossa capacidade de encontrar pontos em comum, de desenvolver uma consciência compartilhada, de considerar questões complexas e de chegar a um acordo. As democracias se desintegram quando a motivação para chegar a um acordo se perde.
Não começou com a internet, embora esta tenha exponencialmente exacerbado a tendência. Em todas as etapas da evolução da tecnologia da comunicação, da imprensa à mídia eletrônica, passando pela internet, houve rupturas. À medida que a tecnologia da comunicação facilitou a expressão das pessoas, ela possibilitou mais pontos de vista diferentes e, como resultado, mais conflitos.
A imprensa de Gutenberg foi tão disruptiva em sua época quanto podemos ver a internet hoje. Sim, ela ampliou o acesso à informação. Mas também desafiou as instituições dominantes da época, fossem elas o governo ou a igreja. Os panfletos religiosos de Martinho Lutero desafiaram a Igreja Católica e desencadearam a Reforma.
Assim como a internet, a imprensa trouxe o enorme benefício do conhecimento compartilhado. Sem a imprensa, não teríamos o conhecimento técnico compartilhado que impulsionou a Revolução Industrial. Mas, assim como a internet, ela era tão capaz de disseminar falsidades quanto de disseminar conhecimento baseado em fatos. Entre os primeiros panfletos impressos, havia diatribes religiosas contra o Império Otomano e o mundo muçulmano. Nunca houve uma era de ouro da verdade.
Com cada progresso nas comunicações há uma expansão de vozes, uma fragmentação de crenças e um aumento tanto na intensidade quanto no volume de perspectivas conflitantes. A imprensa foi apenas o começo. A era moderna da comunicação eletrônica teve um impacto exponencial no funcionamento da nossa sociedade — particularmente a televisão e, posteriormente, a internet.
Setenta e cinco anos atrás, o ecossistema midiático nos Estados Unidos era um oligopólio de alguns grandes veículos de comunicação, três redes comerciais, emissoras públicas e alguns jornais influentes. Eles ofereciam uma visão seletiva e incompleta da nossa sociedade. Alguns dizem que essa visão homogeneizada tinha seus benefícios, embora vozes à margem, fossem extremistas ou simplesmente ignoradas, ficassem de fora.
Vozes marginalizadas foram relegadas aos cantos mais obscuros da nossa cultura, aos pequenos círculos de um boletim informativo impresso ou de uma revista especializada. Foi, aos olhos de alguns, o auge da mídia de massa confiável, do “tio” Walter Cronkite e da CBS News. É uma questão de opinião se isso representava uma verdadeira compreensão da psique coletiva do nosso país ou se era apenas uma cortina de fumaça escondendo fraturas culturais subjacentes.
Cinquenta anos atrás, as redes de TV a cabo e via satélite fragmentaram ainda mais o ambiente midiático, introduzindo centenas de canais de notícias e entretenimento. Com o tempo, isso gerou veículos de notícias mais partidários, cada um buscando se conectar com um público-alvo fiel em um mercado competitivo.
Isso marcou uma progressão substancial na fragmentação da nossa sociedade, uma mudança preocupante em direção a silos de crenças. A marca jornalística de esquerda é desprezada pela direita. A marca jornalística de direita é desprezada pela esquerda. Ambas se inclinam para a afirmação em vez da informação, com a cobertura baseada em fatos sendo afogada em uma enxurrada de opiniões ou distorcida pela lente do viés político.
Trinta anos atrás, a internet fragmentou o ecossistema midiático exponencialmente. A internet fragmentou o espaço da informação em um milhão de fragmentos, de 500 canais para mais de um bilhão de vozes. Permitiu que muitos se sentissem ouvidos e outros encontrassem as informações e crenças que refletiam sua visão de mundo. À medida que o acesso da sociedade à mídia se tornou mais aberto, o espaço da informação tornou-se intrinsecamente mais diverso e, matematicamente, mais divisivo. Podemos escolher, e escolhemos, as vozes que refletem nossa visão de mundo, as vozes que refletem e confirmam nossos preconceitos — bons, ruins e indiferentes.
Ficamos com uma sociedade dividida que resiste ao consenso. Nossos políticos concentram-se nos seus principais apoiadores com pouca inclinação a buscar um meio termo ou aceitar um conjunto comum de fatos. Eles se definem e se contrastam com aqueles que desprezam. Meio termo está fora de cogitação.
A previsão de Platão de que a liberdade de expressão condenaria a democracia ao apelo dos ditames simplistas de um autoritário parece desconfortavelmente válida. Platão compreendeu o paradoxo de que uma sociedade com liberdade de expressão irrestrita é mais suscetível ao demagogo implacável que prega um caminho simples a seguir, enquanto dissemina desinformação, incita o ódio e mina os valores democráticos.
Para onde vamos a partir daqui?
Alguns esperam que os desafios do nosso ecossistema de informação possam ser resolvidos por meio de políticas públicas, seja para lidar com a desinformação, direitos autorais, privacidade ou segurança cibernética. A organização global de pesquisa de mídia, o Centro de Notícias, Tecnologia e Informação, de cujo conselho faço parte juntamente com nomes como Marty Baron e Maria Ressa, fornece análises objetivas de abordagens políticas de todo o mundo que podem afetar a imprensa livre e a internet aberta.
O desafio é que muitas dessas políticas podem impactar negativamente as estruturas de liberdade de expressão e imprensa livre, particularmente aquelas relacionadas a notícias falsas, moderação de conteúdo, desinformação e informação enganosa.
A internet elevou tanto o discurso nobre, que apela aos nossos melhores anjos, quanto o discurso hediondo, onde a indignação e a autojustiça podem fomentar um ódio cego pelos outros. Isso nos incomoda. Exigimos que seja corrigido. Mas como? Apoiar a liberdade de expressão exige tolerar o discurso que podemos considerar desagradável, até mesmo hediondo. Como definimos o discurso aceitável versus o inaceitável? Gerenciar a liberdade de expressão em uma sociedade livre e aberta é uma contradição.
Hoje em dia, com muita frequência, muitos acreditam na liberdade de expressão apenas na medida em que ela lhes é aceitável e agradável. Isso é um problema. Portanto, devemos pensar cuidadosamente antes de pedir aos governos que definam a liberdade de expressão num mundo politicamente conflituoso — esquerda versus direita, um lado no poder hoje, o outro amanhã. Como estabelecer limites para a expressão quando discursos problemáticos também vêm de políticos e da mídia? Como a esfera política gira na atmosfera da mídia, não devemos esperar definições rigorosas de fato versus ficção, do que é terrível versus legal.
Que discursos desaprovamos? Que orientação damos às plataformas de comunicação e amplificação? Que tipo de política de “fake news” não é potencialmente uma ferramenta a ser mal utilizada por outros no poder? Em que medida tais mecanismos levantam a possibilidade de domínio unilateral em vez de discurso amplo?
Não estou sugerindo que não haja necessidade de políticas inteligentes. No entanto, políticas públicas não oferecem soluções milagrosas para enfrentar os desafios que enfrentamos. Precisamos analisar nossos próprios esforços. Considerar como nós, da mídia, podemos enfrentar o desafio. Considerar abordagens jornalísticas que possam guiar nossas sociedades em direção ao consenso versus divisões. Repensar modelos de confiabilidade. Repensar o papel de uma entidade jornalística evoluída no fortalecimento de uma comunidade. Repensar modelos de engajamento cívico que possam ajudar a enfrentar os desafios da atualidade.
Consideremos a questão da confiança. Costumamos dizer que precisamos construir “confiança no jornalismo”. Mas dizer que devemos “confiar no jornalismo” de forma ampla é como sugerir que devemos confiar em políticos ou vendedores de carros usados. O Pew Research Center nos diz que todas essas profissões têm índices de confiabilidade muito baixos.
O jornalismo não é monolítico. Ele apresenta muitas variações em qualidade, abordagem e grau de partidarismo. Podemos falar com ponderação sobre ética jornalística, mas devemos reconhecer que a aceitação desses princípios e a adesão a essa ética não são abrangentes nem consistentes. Não há leis aplicáveis, nem deveria haver.
Nosso desafio é desenvolver ou criar organizações jornalísticas que possam preencher as lacunas da divisão e criar estruturas que possam levar melhor ao consenso. Isso significa se esforçar para conquistar o respeito de todo o espectro político. Construir confiança com um grupo partidário ávido por ouvir a confirmação de seus preconceitos é fácil. Isso não é confiança. Isso é afinidade. Isso é lealdade cega. Construir confiança em meio a abismos de divisão é difícil. Isso se chama respeito.
Nesse contexto, não sou fã de veículos de comunicação partidários. Por definição, um veículo partidário está alinhado a um movimento ou ponto de vista político específico. Ao lidar com a divisão e buscar o consenso, o partidarismo pode ser um obstáculo, não uma solução.
Minha definição preferida de jornalismo é dar às pessoas as ferramentas e informações necessárias para serem bons cidadãos. Não se trata de dizer às pessoas o que pensar, mas sim de lhes dar as informações necessárias para tirarem suas próprias conclusões. Meu lema ideal seria aquele que prima pela objetividade: Nós informamos. Você decide.
Alguns questionam como se pode ser objetivo em um mundo tão desafiador e partidário. Objetividade não se refere às crenças de alguém. Em vez disso, é um processo rigoroso de pensamento crítico que busca fatos com precisão e justiça, independentemente de estarem alinhados com as crenças pessoais ou a agenda política de alguém. Como sugere Marty Baron em seu excelente livro, Collisions of Power, “deveríamos esperar que os jornalistas sejam objetivos, assim como nós, jornalistas, exigimos que policiais e juízes sejam objetivos”.
No mundo da mídia, a confiança precisa ser constantemente reconquistada. Recentemente, uma aluna de pós-graduação ponderada sugeriu que tomássemos emprestado da filosofia, que considerássemos a estrutura da arrogância epistêmica versus a humildade epistêmica. “Talvez devêssemos estabelecer o contraste entre jornalistas que presumem ser confiáveis por causa de sua profissão (arrogância epistêmica) e aqueles que reconhecem a necessidade de questionar sua própria credibilidade e métodos (humildade epistêmica).”
Como as pessoas desenvolvem confiança nas fontes de informação? Existem vários vetores.
Primeiro, confiamos em pessoas que conhecemos e naquelas que são endossadas por pessoas que conhecemos. É uma construção social, boa, ruim ou indiferente. Confiamos em pessoas que são mais parecidas conosco, de uma forma ou de outra. Somos tribais. Se o chefe da tribo disser que a lua é verde, eu digo que sim, para garantir que vou ganhar uma perna de bezerro no jantar. Confiança é uma construção social.
Em segundo lugar, as pessoas confiam em instituições. A igreja. Um governo. Um líder carismático. Uma fonte de notícias específica. Mas a confiança nas instituições pode se deteriorar e mudar.
Em terceiro lugar, construímos confiança por meio do que chamamos de arquitetura da informação. Periódicos acadêmicos e científicos são mais confiáveis devido à sua arquitetura da informação. Cada artigo apresenta uma narrativa baseada em fatos, notas de rodapé, transparência de dados e revisão por pares.
A Wikipédia, assim como as enciclopédias anteriores, possui uma arquitetura rígida de referências e uma abordagem refinada para uma narrativa baseada em fatos. Essas arquiteturas evoluíram ao longo do tempo para enfrentar os desafios de veracidade e confiança. Elas explicam os princípios e objetivos de uma entidade por meio da estrutura de seu trabalho.
Talvez devêssemos considerar se a arquitetura da informação do jornalismo tradicional está servindo à missão de hoje. No nível macro, a arquitetura da informação de uma marca jornalística, como o The New York Times ou o Washington Post, apresenta uma mistura de jornalismo baseado em fatos, cercado por um número cada vez maior de opiniões. Algumas marcas jornalísticas continuam a fazer endossos políticos. Essa arquitetura de jornalismo objetivo baseado em fatos, embalado por expressões partidárias, parece bastante contraproducente. Não podemos esperar uma confiança generalizada no jornalismo baseado em fatos se ele estiver cercado por artigos de opinião que sugerem o contrário.
Vamos repensar a arquitetura da informação do próprio artigo, da unidade atômica do jornalismo baseado em fatos, para reforçar melhor a natureza factual do trabalho, reduzir a percepção de parcialidade e respeitar o público que achamos que deveria nos respeitar.
Consideremos também o nosso uso da linguagem. Janet Coats é pesquisadora de linguística e diretora-gerente do Consórcio sobre Confiança em Mídia e Tecnologia da Universidade da Flórida. Sua pesquisa sobre a cobertura dos protestos de George Floyd descobriu que os verbos usados para descrever ações de protesto repetidamente geravam comparações com fogo ou destruição, como faísca, combustível, erupção, gatilho, ignição. A professora Coats levanta a seguinte questão: o uso recorrente dessa linguagem inflamada é uma escolha deliberada ou um padrão subconsciente ao cobrir tais histórias? Qual o impacto disso na percepção de manifestações políticas e das pessoas que participam delas? Como isso pode alimentar a divisão partidária?
A linguagem importa. A linguística importa. Os políticos sabem disso. Eles investem generosamente em testes de mensagens para entender precisamente quais palavras e frases estimularão a resposta desejada, seja esperança ou medo.
Nós, no mundo do jornalismo, também precisamos estudar linguística. Devemos avaliar o impacto dos termos e frases que usamos. Devemos considerar o impacto da amplificação dos falsos memes e das manipulações propagadas pelos políticos que cobrimos.
Consideremos a importância do contexto. Vivemos em um cenário de risco distorcido. Frequentemente votamos com medos infundados de terrorismo, crime ou quaisquer males que o corpo político esteja inclinado a nos fazer temer. Tememos o terrorismo apesar de termos 11.000 vezes mais probabilidade de morrer de doenças cardíacas. Tememos o crime quando temos 28 vezes mais probabilidade de morrer em um acidente de carro.
Erros de contexto podem ser mais perigosos do que erros de fato. A falta de contexto pode ser um descuido inconsciente na confusão das notícias de última hora. “Se sangra, é o lead”, como costumam dizer os jornalistas. No entanto, há casos que não são inconscientes, mas sim alarmistas. De qualquer forma, uma cobertura descuidada, sem contexto factual, é uma forma de desinformação. Precisamos diminuir a distância entre o medo irracional e o racional. Precisamos fornecer um contexto mais ponderado.
Recentemente, revisitei o trabalho de Robert Putnam. Putnam pesquisa a conexão entre governança eficaz e engajamento comunitário há cinco décadas. Ele iniciou seu trabalho na Itália, que em 1975 transferiu o poder do governo central para as províncias. Ele descobriu que o corolário mais forte da governança eficaz era o engajamento comunitário.
Basicamente, pessoas em regiões com governança ineficaz não se filiavam a clubes, não faziam piqueniques nem participavam de ligas de boliche. Não conheciam pessoas diferentes delas. Não construíam uma realidade compartilhada. Não construíam capital social.
Isso é resultado de muitos fatores: a ascensão da televisão, o aumento da suburbanização, o impacto da tecnologia e da internet. O resultado é um isolamento crescente, um estreitamento da empatia e uma redução do interesse comum. Sem comunidade e engajamento social no mundo real, não somos expostos à diversidade de nossas comunidades. Perdemos a oportunidade de compreender os desafios e as características de pessoas que não são como nós. Se não nos envolvermos com o outro, com aqueles que não são como nós, nos tornamos mais vulneráveis a perceber o outro a partir de um isolamento, de um distanciamento, de um silo de medo.
Nossa maior oportunidade pode estar no nível comunitário, ao repensar o papel de uma organização de notícias comunitária como uma plataforma comunitária adequada ao nosso mundo digital moderno.
Em primeiro lugar, a sua missão explícita seria fortalecer a comunidade, para atender às necessidades de informação da comunidade e criar oportunidades de engajamento. Ao buscar unir a diversidade de uma comunidade, também se esforçaria para ser assiduamente apolítico. Novamente, nós informamos, você decide.
Em segundo lugar, celebraria as esperanças e os sonhos da comunidade, dando destaque aos seus sucessos, aos exemplos de empatia cívica e também seria o cão de guarda do mau comportamento.
Abordaria propositalmente as amplas necessidades de informação da comunidade — eventos comunitários, esportes locais, a evolução da vida, do nascimento ao obituário. Aproveitaria tópicos de interesse comunitário que não sejam controversos. Um megaestudo recente coordenado pela Universidade Stanford determinou que o melhor método para lidar com a divisão é envolver a comunidade em assuntos não controversos. Isso pode ajudar a unificar a comunidade e construir a confiança necessária para abordar tópicos mais complexos.
Vemos o jornalismo de responsabilização como prioridade, para desmascarar a corrupção e expor comportamentos criminosos. É crucial. Mas a audiência para o jornalismo de responsabilização sério é pequena, na casa de um dígito. Ao atender às necessidades abrangentes de informação de uma comunidade com jornalismo de serviço, ou o que alguns chamam jornalismo de “coesão”, podemos agregar valor à comunidade, construir uma realidade compartilhada e obter um engajamento exponencialmente maior. Isso impulsiona o modelo de negócios e aumenta o impacto do jornalismo responsável, expondo-o àqueles que talvez não o procurem.
Por fim, buscaria todos os métodos para incentivar a comunidade a se envolver, tanto virtualmente quanto no mundo real. Será que o declínio de 60 anos no engajamento social relatado por Putnam poderia ser resolvido por abordagens renovadas para a mídia local? Podemos reformular as notícias locais com uma arquitetura de engajamento que ajude a possibilitar uma consciência compartilhada, que ajude a construir capital social?
O que descrevi não é apenas uma ideia. Existem organizações que estão implementando e obtendo sucesso com esses modelos. Vejo a Cityside em várias comunidades na Califórnia e a CityNews na Itália. Outra é uma editora no Canadá chamada Village Media, que se estabeleceu em quase 30 comunidades, desde Sault Ste. Marie até o centro de Toronto.
A Village provou que tais modelos podem ser autossustentáveis, até mesmo lucrativos, e sem a necessidade de assinaturas pagas. Ela reconheceu o valor da publicidade tanto como fonte de informação para os comerciantes da comunidade quanto como força vital da economia local. Um estudo recente da Escola de Jornalismo Medill relatou que a principal motivação citada pelos cidadãos para consumir notícias locais era economizar dinheiro. Sim, saber o que os comerciantes locais oferecem é útil e valioso para a comunidade.
Embora os mercados de anúncios digitais sejam extraordinariamente eficazes para conectar empresas de móveis personalizados com clientes em mercados distantes, a plataforma comunitária pode atender às necessidades de organizações e empresas locais de se envolverem com as comunidades que atendem. Notícias locais podem nunca ser a “licença para imprimir dinheiro” que se dizia ser, mas podem ser um negócio viável, sustentável e influente em uma comunidade.
A Village Media e o Rappler de Maria Ressa estão inovando ainda mais com plataformas de engajamento comunitário. O Rappler criou o Rappler Communities e a Village lançou uma rede social comunitária chamada Spaces. O Spaces permite que os membros se conectem em tópicos cuidadosamente selecionados de interesse da comunidade. Você pode pensar nisso como um Next Door cuidadosamente programado e moderado. Para se afastar da toxicidade e se aproximar da civilidade, o Spaces enfatiza tópicos não controversos. Sim, vamos criar um Space para fazer sushi e um para esquiar no interior, não para a vigilância do bairro onde um moletom escuro é visto como uma fonte intrínseca de medo. O Spaces busca construir conexões entre a discussão virtual e o engajamento no mundo real. A cervejaria local pode sediar os encontros mensais do grupo local de marcenaria. A YMCA local pode sediar um Space para seus membros.
O objetivo? Estimular o engajamento comunitário que Robert Putnam demonstra ser tão importante para uma governança eficaz. Construir capital social.
Vamos dar um passo adiante.
Poderíamos tentar novos modelos de construção de consenso? Lawrence Lessig observa que as democracias nem sempre foram eleitorais. De fato, há um corpo de pensamento de Montesquieu, Rousseau e outros que defende que os modelos de representação eleitoral têm suas fragilidades. Em um mundo polarizado, eles podem levar à autocracia e afastar-se da democracia, ou ao que Alexis de Tocqueville chamou de “tirania da maioria”. Isso parece plausível em um ambiente político moderno de “nós contra eles”, com campanhas intermináveis e contribuições financeiras ilimitadas.
Uma abordagem alternativa, usada em Atenas e nas repúblicas francesas, foi sorteio (sortition). Tratava-se de assembleias de cidadãos selecionadas aleatoriamente que deliberavam sobre as questões desafiadoras da época. Embora não fossem perfeitas, eram mais representativas da diversidade de uma sociedade e menos distorcidas pela política eleitoral contemporânea. Há esforços convincentes na Europa, como o Bürgerrat Demokratie na Alemanha e as assembleias de cidadãos na Irlanda, para colaborar em questões complexas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e as mudanças climáticas. Será que tais modelos de consenso deliberativo podem ser úteis hoje, mesmo que apenas como um complemento às democracias representativas?
Vamos pegar essa ideia de assembleias cidadãs e mapeá-la em uma plataforma de engajamento comunitário como o Spaces, da Village Media. Será que essa estrutura, juntamente com um maior grau de confiança da comunidade, poderia apoiar a realização de assembleias cidadãs virtuais e presenciais sobre os temas controversos que uma comunidade enfrenta?
As respostas aos nossos desafios são complexas e cheias de nuances. Há respostas, SE recuarmos e repensarmos os modelos em todas as dimensões. As respostas exigirão líderes ponderados em todos os setores — mídia, tecnologia, academia e política — que sejam modelos a seguir. Líderes com uma visão mais ética do bem comum. Líderes que consigam impulsionar o consenso sobre o que É o bem comum.
Mudar a natureza do engajamento social exigirá a liderança de muitos. Não pode e não será resolvido por uma ação isolada. Por mais preocupados que estejamos com o estado do nosso mundo, é fundamental que nos esforcemos ao máximo para identificar e promover soluções ponderadas, sejam elas pequenas ou grandes, simples ou audaciosas.
Tenho confiança no nosso futuro. Há caminhos construtivos a seguir. Há soluções viáveis. Precisamos levá-las até onde for possível.
Como líderes em nossas áreas, seja eu ou você, seja o chefe de uma grande empresa ou o editor de um jornal escolar, é fundamental que identifiquemos caminhos construtivos para o futuro. É fundamental que lideremos com todo o otimismo e paixão que pudermos reunir.
Publicado originalmente aqui.
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Richard Gingras é membro dos conselhos do Centro de Notícias, Tecnologia e Inovação, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, do Centro Internacional para Jornalistas, da Coalizão da Primeira Emenda, da Fundação James W. Foley Legacy, da Escola de Jornalismo da UC Berkeley e da PRX, a Public Radio Exchange. Recentemente, tornou-se presidente do conselho da Village Media. Gingras foi vice-presidente global de notícias do Google, com foco em como o Google divulgava notícias sobre os serviços ao consumidor e nos esforços da empresa para possibilitar um ecossistema saudável e aberto para jornalismo de qualidade. Ele continua como consultor sênior.
O post A evolução da mídia e da democracia. Como chegamos aqui. Como podemos avançar. apareceu primeiro em Observatório da Imprensa.