As pessoas agora decidem o que é notícia. O que isto significa para o jornalismo?

(Foto: Karolina Grabowska/Pixabay)

O jornalismo não decide mais o que é ou não notícia, segundo aponta uma ampla pesquisa feita pelo instituto norte-americano Pew Research Center, confirmando, com dados concretos, uma tendência esboçada desde o início do século XXI. É uma constatação que obriga o jornalismo a uma complexa reflexão sobre como o exercício da profissão terá que se adaptar à nova caracterização da notícia pelo público em geral.

Os resultados da pesquisa mostram que são as pessoas que agora decidem o que é notícia, segundo critérios individuais associados ao seu contexto social, econômico, político e cultural. A constatação detectada pela pesquisa do Pew aponta no sentido da personalização do conceito de notícia com base em itens como fatos, dados ou eventos relevantes, confiáveis, inéditos, exatos e pertinentes à realidade de cada indivíduo. Mostra também que não é mais o jornalista que determina estes itens, mas sim cada leitor, ouvinte, telespectador ou internauta.

Como os 9.482 adultos entrevistados na pesquisa eram todos norte-americanos, os resultados numéricos obviamente refletem as tendências locais em matéria do que é ou não notícia. Mas a análise das razões e consequências do novo padrão de comportamento do público consumidor de informações explicam a globalização do processo de redefinição das funções do jornalismo na produção noticiosa.

A digitalização da informação e a avalanche noticiosa gerada pela internet estão na origem do processo medido pela pesquisa What’s News, da Pew. Antes da chamada revolução tecnológica, o cardápio noticioso oferecido ao público mundial era pouco diversificado. As pessoas não tinham muitas alternativas a não ser confiar na imprensa e no jornalismo para saber o que era importante, confiável, pertinente, atual e exato em matéria de estatísticas, fatos, eventos e ideias.

A notícia sob medida

Mas quando a informação foi digitalizada e a internet deu às pessoas comuns o poder de publicar, surgiu uma variedade enorme de versões diferentes sobre um mesmo acontecimento dando a leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a capacidade de eles próprios decidirem o que consideravam mais importante ou interessante. O que era notícia para um indivíduo não era para outro, o que provocou uma reviravolta no tratamento da notícia pela imprensa.

Na era analógica (pré-internet) a notícia era vista como algo desenvolvido em redações jornalísticas, um produto de consumo passível de ser comprado na forma de papel, sons ou imagens e que a grande maioria considerava a expressão da verdade. As notícias tinham um prazo de validade definido, que uma vez ultrapassado inutilizava o produto. Daí a conhecida expressão: “Jornal velho só serve para embrulhar peixe”.

Na era digital a notícia não é mais uma commodity, ela perdeu valor comercial porque se tornou superabundante em função da avalanche informativa. A notícia é hoje uma parte transcendental na produção de novos conhecimentos. Ela não está mais contida em ativos físicos (papel, celuloide, sinais eletromagnéticos) mas associada ao processo de recombinação de bytes e bits. Ela pode ser remixada pela incorporação de novos elementos, pela eliminação de outros e pela possibilidade de um mesmo conjunto de dígitos (0 e 1) assumir a forma de texto, som ou imagem. A notícia digital não tem prazo de validade determinado porque ela pode ser recombinada infinitas vezes por incontáveis pessoas.

Quando as pessoas comuns decidem o que elas consideram notícia e passam a fazer sua própria seleção do que vão ler, ouvir ou assistir, o papel do jornalista também muda. O profissional deixa de ser a principal referência das pessoas na determinação do que é certo ou errado, e sua atividade passa a ser avaliada em função de outros critérios como utilidade, oportunidade e afinidade. Elementos como confiabilidade, relevância, pertinência, atualidade e exatidão continuam sendo estruturais na definição do que é ou não notícia. Mas a eles se somam agora fatores conjunturais e contextuais que influenciam a noticiabilidade de dados, fatos e eventos. A pesquisa da Pew mostrou, por exemplo, que 55% dos entrevistados dão preferência a notícias com as quais tenham alguma simpatia política ou ideológica.

A reinvenção do jornalismo

Outro estudo, feito em 2023 pelas pesquisadoras Emily Vraga, da Universidade de Minnesota, e Stephanie Edgerly, da Universidade NorthWestern, ambas nos Estados Unidos, mostrou como jovens e adultos escolheram enfoques diferentes quando confrontados com diferentes textos jornalísticos sobre os mesmos temas. Isso ajuda a entender por que cresce o fenômeno do chamado “negacionismo noticioso” (news avoidance, protagonizado por pessoas que não acessam mais notícias porque discordam da prioridade, do enfoque e da relevância a elas atribuídas por editores, repórteres e comentaristas de órgãos da imprensa convencional. Explica também a multiplicação de “bolhas informativas” formadas por grupos fechados de pessoas com interesses comuns.

O fato de a notícia estar se tornando um item informativo cada vez mais personalizado faz com que o jornalismo passe a ter uma preocupação crescente com a segmentação do noticiário, não só para atender às necessidades das pessoas, mas também porque a sustentabilidade financeira do profissional depende agora da sua relação pessoal com as audiências. A segmentação na produção noticiosa dá ao jornalismo local e comunitário uma importância que ele nunca teve na era analógica, quando era uma espécie de “primo pobre” da profissão.

Outra constatação importante destacada também por vários estudos (1) sobre o novo papel da notícia na era digital é a de que ela passa a ser avaliada pelas pessoas pela sua utilidade na busca por melhores condições de vida. A produção de conhecimento ganha um lugar fundamental na relação entre as pessoas, a imprensa e o jornalismo.

  1. Para maiores detalhes, consultar: 
  1. https://www.niemanlab.org/2025/05/news-in-2025-is-in-the-eye-of-the-beholder/
  2. https://www.niemanlab.org/2023/09/what-is-news-anyway-readers-answers-depend-on-how-much-they-see-people-like-themselves-in-the-story
  3. Defining News from an Audience Perspective
  4. What is news? Exploring differences in how younger and older cohorts use news  

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Carlos Castilho é 

 

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