YURI EIRAS
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
Adolescentes usam redes sociais, como o Instagram, para publicar vídeos da prática de ‘surfe no trem’ no Rio de Janeiro, moda na década de 1990 que voltou a ser registrada assiduamente desde o ano passado, segundo a SuperVia, concessionária que administra os trens urbanos do estado.
Os vídeos mostram os adolescentes viajando no lado externo dos trens, com o corpo para fora das janelas, em cima do teto dos vagões ou sentados nos engates entre um vagão e outro.
Com umas das mãos, os adolescentes se sustentam para não cair. Com a outra, gravam os vídeos, depois publicados em perfis nas redes.
O grupo de surfistas ferroviários se identifica como morador da Baixada Fluminense. Muitos aparentam ser ainda crianças.
Os surfistas esperam o trem parar na estação e tentam escalar o vagão até chegar ao teto. Em cima do trem, o desafio é se equilibrar enquanto o trem se locomove e fugir da fiação elétrica, especialmente do pantógrafo, dispositivo instalado no topo da composição. O pantógrafo é responsável pela captação da corrente elétrica que alimenta o trem. A descarga elétrica pode ser mortal.
Não há registro de acidentes graves até o momento.
Vídeos mostram que muitos usam chinelo e tentam desviar de obstáculos como placas, postes eletrificados e até uma passarela de concreto. Em uma das gravações, três adolescentes se equilibram na mesma janela.
A concessionária afirmou que pedirá às redes sociais a retirada dos perfis. Também pretende acionar a Polícia Civil.
“A SuperVia desde o ano passado identificou a volta dessa prática tão antiga, da década de 1990. Tomamos as medidas possíveis, aumentamos a segurança e câmeras nas estações”, afirma Juliana Barreto, gerente de Comunicação e Sustentabilidade da SuperVia.
“Agora, em 2025, identificamos que essa prática voltou num número crescente e esses jovens, agora, estão se articulando e fomentando nas redes sociais esses vídeos. Estamos identificando essas paginas e enviando para o departamento jurídico.”
A SuperVia registrou 46 casos de pessoas flagradas praticando o surfe ferroviário em 2024. Neste ano foram 12 casos de janeiro a março.
O monitoramento da concessionária aponta que o ramal mais afetado é o Japeri, principalmente no trecho entre as estações Ricardo de Albuquerque, na zona norte, e Edson Passos/Mesquita, na Baixada Fluminense.
O ramal é um dos mais importantes do sistema ferroviário fluminense. Somente entre Ricardo de Albuquerque e Paracambi, última estação, a média diária é de 64.656 passageiros em dias úteis.
A SuperVia diz que as ações, “além de irresponsáveis, comprometem a segurança de todos os passageiros e impactam o bom funcionamento da operação ferroviária”.
O maquinista que perceber a situação é autorizado a parar a viagem e só seguir após a retirada dos ‘surfistas’.
A SuperVia diz que as pessoas flagradas viajando no lado externo dos trens são retiradas, detidas e, com apoio da Polícia Militar, conduzidas à delegacia. A PM tem um batalhão especializado no sistema ferroviário, o GPfer (Grupamento de Polícia Ferroviária).
“Já fizemos abordagens individuais na página pessoal deles e chegaram a debochar da situação. Esse deboche é contra a vida de cada um deles. Essas crianças correm risco de vida”, diz Juliana Barreto.
Na década de 1990, o “surfe ferroviário” ganhou páginas de jornais, reportagens na televisão e letras de música, como “W Brasil”, de Jorge Ben Jor.
Com a repercussão, a Justiça do Rio de Janeiro viu crescer o número de ações judiciais contra a então gestora dos trens urbanos, a empresa pública Flumitrens.
Em novembro, o governador Cláudio Castro (PL) e a SuperVia assinaram acordo que permite a transição da operação dos trens para um novo operador. Os anos após a pandemia foram marcados por desentendimentos entre o governo a concessionária sobre obrigações de pagamentos.