Geopolítica palestina na mídia: como transformar genocidas em vítimas

(Foto: Pixabay)

Na década de 1960, em um de seus últimos discursos, Malcolm X advertiu que a imprensa é tão poderosa em seu papel de construção de determinadas imagens, que pode fazer um criminoso se passar por vítima e a vítima se passar por criminoso. Consequentemente, se não formos cuidadosos, os jornais vão acabar nos fazendo odiar as pessoas que estão sendo oprimidas e adorar as pessoas que oprimem.

Mais de meio século depois, o pensamento do ativista estadunidense continua atual, sobretudo se levarmos em conta a cobertura midiática sobre as trocas de prisioneiros entre o Estado de Israel e o grupo Hamas – condição do acordo de cessar-fogo que, por enquanto, tem interrompido o genocídio na Faixa de Gaza.

Como a história nos mostra, o sionismo – ideologia por trás da criação de Israel – jamais foi um projeto de libertação nacional judaica, mas um representante direto do imperialismo europeu do final do século XXI. Logo, na Palestina, há uma (anacrônica) relação entre colonizadores (israelenses) e colonizados (palestinos).

Nesse contexto, podemos entender a ofensiva do Hamas e de outros grupos da resistência palestina no sul de Israel, ocorrida em 7 de outubro de 2023. Um dos objetivos dessa ação era a libertação de cidadãos palestinos presos por Israel (a maioria sem nenhum tipo de acusação formal). Conforme preconiza a ONU, seguindo o princípio de autodeterminação dos povos, toda população sob domínio colonial tem o direito de se rebelar contra seus colonizadores.

No entanto, na grande mídia brasileira, totalmente submissa aos interesses dos países imperialistas (em consequência, também do sionismo), o “7 de outubro” foi reduzido à sua imediatidade e classificado como “início da guerra entre Hamas e Israel”, “o maior ataque contra judeus desde o Holocausto” e o “11 de setembro israelense”.

A desproporcional reação israelense à contraofensiva palestina – com cerca de 50 mil mortos e a Faixa de Gaza se transformando em terra arrasada – mostrou ao mundo o primeiro genocídio televisionado e compartilhado nas redes sociais (que, evidentemente, não começou após o “7 de outubro”; remete, pelo menos, à criação do Estado de Israel, em 1948, com o plano de limpeza étnica da palestina, organizado pelo movimento sionista).

Nem as fortes imagens sobre os crimes de guerra israelense em Gaza foram suficientes para a imprensa hegemônica modificar sua linha editorial em relação à geopolítica palestina. Aliás, os fatos nunca importaram em seus noticiários internacionais. Mais importante são os interesses econômicos e ideológicos.

Assim, desde que começou o anteriormente mencionado acordo de cessar-fogo, um mês atrás, com a troca de reféns entre palestinos e israelenses, a grande mídia retornou com mais intensidade sua campanha de transformar os israelenses – responsáveis pelo genocídio em Gaza – em “vítimas” dos “terroristas” do Hamas. Diga-se de passagem, nem ONU, tampouco o governo brasileiro, consideram o grupo palestino como tal (mas, como eu disse, a realidade é o que menos importa para os grandes grupos de comunicação).

De acordo com a pontual análise do professor Khaled Beydoun, o viés da cobertura midiática sobre a troca de reféns entre Israel e Hamas apresenta três pontos básicos. Primeiro, vemos os rostos, nomes e famílias dos reféns israelenses – eles são totalmente humanizados, assim como suas histórias e experiências enquanto prisioneiros. Portanto, são dignos de nossa comoção, são “gente como a gente”, como afirmou certa vez Guga Chacra, em comentário na GloboNews.

Em contrapartida, nunca vemos as faces, nomes ou famílias dos reféns palestinos – são reduzidos a estatísticas sem rostos. Como suas imagens e histórias permanecem invisíveis, os palestinos não são dignos de qualquer tipo de alteridade. Pelo contrário, são vistos como “terroristas em potencial”. As “Leis de Detenção Administrativa” – que permitem às forças policiais israelenses a detenção de qualquer palestino sem acusação formal por períodos prolongados – são estrategicamente ocultadas nos noticiários. Do mesmo modo, a crueldade sionista contra presos palestinos – privados dos mais elementares direitos assegurados por convenções internacionais – também é negligenciada.

Por fim, conclui Beydoun, enquanto os israelenses são chamados de “reféns”, os palestinos (mesmo crianças) ainda são chamados de “prisioneiros”. Aliás, as manipulações lexicais – ou seja, o uso capcioso de determinadas palavras – é uma prática corriqueira dos noticiários internacionais. Assim, a mesma mídia que, de maneira falaciosa, chama o presidente venezuelano Nicolás Maduro de “ditador”, não se refere ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu como “genocida”.

Em suma, a análise sobre um determinado ator geopolítico nas páginas da Folha de S. Paulo, nas ondas sonoras da Jovem Pan ou na tela da Rede Globo, não são objetivas ou encontram algum tipo de respaldo no andamento das relações internacionais. Depende da posição no xadrez geopolítico. Aliados dos países imperialistas serão representados positivamente. Já aqueles que minimamente resistem aos ditames das grandes potências serão demonizados. Como dito, a realidade é o que menos importa!

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Francisco Fernandes Ladeira é Professor da UFSJ, Doutor em Geografia pela Unicamp e Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.

 

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