Colapso da democracia: o primeiro mês do governo Trump e a economia da atenção

(Foto: Reprodução de vídeo/YouTube U.S. Department of State)

Com a proliferação de dispositivos eletrônicos, mídias sociais e conteúdo online, a atenção se tornou um recurso escasso e valioso, transformando-se em um produto que pode ser comprado e vendido (para um aprofundamento sobre o tema, sugiro a leitura do artigo “Economia da atenção: um desafio à democracia”, publicado Observatório da Imprensa no dia 10 de outubro de 2024, na edição 1309).

Essa prática levada ao campo das estratégias do marketing político gera impactos significativos, que poderão provocar mudanças profundas na maneira como consumimos informações. Os algoritmos e mecanismos de recomendação serão responsáveis por moldar o que vemos, ouvimos e lemos na internet, o que pode distorcer não só o conjunto de valores democráticos (princípios que regem a interação entre os cidadãos e o poder político) como todo o processo democrático (eleições). 

Desde que tomou posse na Presidência dos EUA, no dia 20 de janeiro, Donald Trump assinou uma série de atos para colocar em prática o que se predispôs a seus eleitores: “Make America Great Again” ou “America First”. Entre esses atos destaca-se a nomeação de bilionários que farão parte do seu governo, dentre eles Elon Musk – o homem mais rico do Mundo. Não se pode deixar de salientar a fotografia simbólica que marca sua posse: a presença dos CEOs e donos das maiores empresas de tecnologia, as chamadas big techs, como Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google), Tim Cook (Apple), Shou Zi Chew (TikTok), Sam Altman (OpenAI) e Elon Musk (Tesla, SpaceX e X). Nunca antes na história, pelo menos explicitamente, se tinha visto uma parcela tão considerável do PIB mundial apoiar a um candidato.

Jamil Chade e Thiago Bomfim (2024) destacam que a renda conjunta dos indicados ao Governo Trump é de pelo menos 452,8 bilhões de dólares, maior do que o PIB anual de 154 países. Esse alinhamento das grandes corporações ao governo passou a ser visto com muita ressalva pelos analistas, uma vez que essa nova configuração de poder poderá gerar vários conflitos de interesses junto ao cidadão médio estadunidense.

Casarões (2025) destaca que “a união entre governo e interesses econômicos enfraquece as democracias, pois essas empresas lucram ao promover polarização e desinformação no espaço digital”.

Donald Trump carrega consigo a pauta da extrema direita mundial, que se baseia em ideologias nacionalistas, populistas e, em alguns casos, autoritárias.

No primeiro mês de seu mandato, Trump conseguiu atrair não só a atenção do mundo inteiro, como também entregou exatamente aquilo que seu público gostaria de escutar. A estratégia de Trump nesse seu primeiro mês de mandato foi colocar suas pautas ideológicas utilizando o mecanismo político da economia da atenção. Com o apoio das big techs, suas ações executivas, baseadas em polêmicas que frequentemente geram debates intensos e polarização, ficaram evidentes.

Ao focar em temas sensíveis, como a retirada dos EUA de tratados internacionais como o Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde (OMS), fazer abertamente críticas a instituições multilaterais como ONU e OTAN, mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da América”, conceder perdão aos envolvidos no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, deportar imigrantes em massa e estabelecer tarifas comerciais, Trump conseguiu não só gerar debates intensos em diversas partes do mundo, como manter sua influência no centro das discussões, reforçando a imagem de um líder disruptivo e polarizador.

Estamos diante da quebra de um grande paradigma, pois a lógica trumpista não segue mais a ação política tradicional, que tem como base o uso de instituições democráticas formais para debater e realizar as negociações políticas necessárias para a formulação de políticas públicas tanto no âmbito interno como externo. Dito de outra maneira, as regras antigas parecem que foram abandonadas e o sistema democrático, onde as relações políticas são essenciais para o funcionamento do sistema, deixaram de existir.

A economia da atenção tem erodido as relações políticas de diversas formas. Notem que tanto no Brasil como agora nos EUA, instituições democráticas, como o Judiciário, e os setores de educação e cultural, sofrem múltiplos ataques. O Judiciário pelo fato de frear o avanço de medidas inconstitucionais ou ilegais – com decisões que visam barrar ações autoritárias e retrocessos antidemocráticos. Já os ataques às áreas da cultura e educação ocorrem pelo fato de serem fundamentais na formação do pensamento crítico e na preservação da diversidade de ideias, algo que vai de encontro aos interesses políticos e ideológicos da extrema direita.

Importante salientar que, em 2021, citando Nixon, na sua campanha para o senado Federal em Ohio, o atual vice-presidente dos Estados Unidos, J. D. Vance, afirmou que “os professores são os inimigos da nação”.

O foco da economia da atenção baseada na visibilidade enfraquece o processo democrático, pois ao invés de adotar uma decisão baseada em um processo legislativo profundo, fundamentado e deliberado pelo consenso entre diferentes atores políticos, as deliberações acabam sendo tomadas única e exclusivamente baseadas em resultados.

Esse método contribui para o fim do marco civilizatório no campo da política, acarretando consequências seríssimas à sociedade por promover a erosão dos valores e normas que regem a convivência democrática. Esse procedimento desrespeita o debate público e contribui para a polarização, o discurso de ódio e ainda colabora para minar a confiança nas instituições, dificultando o diálogo e a busca por consensos.

A superação dessa crise política exige um esforço conjunto da sociedade, dos meios de comunicação, dos educadores e dos líderes políticos. É preciso construir uma cultura de respeito, diálogo e tolerância, valorizando o debate público qualificado e a busca por soluções para os desafios que enfrentamos.

É necessário ficarmos atentos e ampliarmos o debate.

Bibliografia

Alfredo, Mauricio – Economia da atenção: um desafio à democracia – Observatório da Imprensa – 10 de outubro de 2024, Edição 1309. Disponível em: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/politica/economia-da-atencao-um-desafio-a-democracia/

Campos, Jean Marcel da Silva; Freitas, Christiana – Algoritmos, inteligência artificial (IA) e desinformação: uma reflexão inicial –  Parcerias Estratégicas / Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – v.29 – n.54 – dezembro de 2024 – Edição Especial. Disponível em: https://www.cgee.org.br/documents/10195/10687196/cgee_rpe_54.pdf

Chade, Jamil; Bomfim,Thiago – Com 11 bilionários, gabinete de Trump vale mais do que o PIB de 154 países – UOL, em São Paulo, 12/12/2024. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/12/12/gabinete-donald-trump-bilionarios-elon-musk.htm

DiP,Andrea;  Jardim, Claudia; Diogo,Stela; Terto, Ricardo; Lima, Ana Alice – Entrevista – Os donos das big techs e Trump estão alinhados de forma inédita, alerta Guilherme Casarões – Agência Publica, Agência de jornalismo investigativo, 26 de janeiro de 2025. Disponível em:

https://apublica.org/2025/01/os-donos-das-big-tech-e-trump-estao-alinhados-de-forma-inedita-alerta-guilherme-casaroes/

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Mauricio Alfredo é Professor de Geografia, Geopolítica e atualidades no Ensino Médio e Superior. Autor de material didático junto à Editora Companhia da Escola.

 

 

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