Existe o perigo de um golpe nos EUA?

(Imagem: Dave Davidson/Pixabay)

Diante da maneira como vem se comportando o presidente americano Donald Trump, muita gente começa a ficar com a pulga atrás da orelha nos Estados Unidos. A enxurrada de decretos sem consulta ao Congresso, as decisões tomadas ao arrepio da Constituição americana, as ameaças de demissão para quem se colocar à sua frente, tudo isso começa a preocupar jornalistas, analistas e políticos. Mesmo porque as decisões autoritárias de Trump, principalmente as de expulsões de imigrantes e cortes de funcionários na máquina governamental, estão sendo bem recebidas pela população e aumentando sua popularidade.

Embora Trump tenha jurado sobre a Bíblia que irá preservar, proteger e defender a Constituição, isso não parece garantia suficiente contra a tentação de ter plenos poderes e de ignorar as restrições e entraves judiciais destinados a proteger o funcionamento normal da Democracia.

Como se não bastasse sua presença egocêntrica no comando do governo, Trump tem ao seu lado uma espécie de primeiro-ministro, o multimilionário Elon Musk, decidido a enxugar a máquina burocrática do país, no que poderia ser um esforço de economia orçamentária, mas, na verdade, com o objetivo real e principal de debilitar a estrutura orgânica para não haver reações a uma intenção programada de assumir o controle autocrático do país.

Com o domínio das redes sociais e a utilização da Inteligência Artificial isso não seria impossível. Prestes a completar um mês de governo, Trump, cujo comportamento já se assemelha ao de um ditador, não parece ter, até este momento, contrapoderes à altura, seja na Justiça, na sociedade ou na imprensa. 

Trump não reconheceu e não reconhece até hoje sua derrota frente a Joe Biden, em 2020, alegando ter sido vítima de fraude. Além disso, foi Trump quem incentivou o ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 contra o resultado das eleições. E, bastante sintomático e preocupante, no dia da posse ele anistiou todos os envolvidos no ataque ao Capitólio, que deixou cinco mortes e dezenas de feridos.

Ou seja, para ele não houve ataque à democracia na tentativa de impedir a posse de Joe Biden e, por tabela, para Trump não havia culpados mesmo se foram presos e condenados. Durante os últimos quatro anos, Trump não só repetia ter havido fraude nas eleições como anunciava seu desejo de vingança, agora consumado neste seu segundo governo, com a tentativa de demitir e processar todos os funcionários da Justiça envolvidos nos processos contra os invasores do Capitólio.

É muito pessoal seu conceito de “preservar, proteger e defender a Constituição”, juramento feito na primeira posse e desrespeitado, quatro anos depois, nos incentivos ao ataque do Capitólio. Com base nessa folha corrida de Trump – o primeiro presidente com uma condenação judicial –, nos seus gestos autoritários e nas ameaças econômicas e mesmo de invasão a outros países desde sua posse, é difícil acreditar num Trump disposto a aceitar decisões judiciais anulando seus decretos ou do seu “primeiro-ministro” Elon Musk. E já tem jornalista, francês no caso da France-Inter, perguntando se Trump vai querer mudar a Constituição para ter um terceiro mandato!

No momento, Trump procura saber até onde pode esticar seus poderes, sobre quem pode passar por cima, até onde pode assustar. No exterior, as reações variam do Hamas, países árabes, França, México, Dinamarca e Canadá ao Brasil.

Dentro dos Estados Unidos já existe alguma resistência por parte de alguns juízes federais. O presidente Trump parece tentado a ignorar as decisões judiciais tomadas por esses juízes e ameaça mesmo puni-los. Se isso realmente ocorrer, a democracia norte-americana, que no passado, incentivou tantos golpes de Estado, inclusive no Brasil em 1964, poderá ver o feitiço virar contra o feiticeiro.

O sinal de alerta foi dado por um magistrado de Rhode Island que denunciou não ter sido respeitada pelo governo uma de suas decisões. Logo depois, um juiz federal, John McConnell, acionado por Estados democratas, bloqueou o corte de bilhões de dólares em subvenções, pedido por Elon Musk, sob o argumento de que tais pagamentos já haviam sido aprovados pelo Congresso. Houve reações contra esses cortes inclusive por deputados republicanos. Trump parecia ter cedido e anulado os cortes, mas uma parte dessas subvenções continua bloqueada. Assim como Trump parece querer fazer passar à força muitos decretos considerados ilegais.

A situação se complicou com uma declaração do vice-presidente J. D. Vance de que “os juízes não têm o poder de controlar o poder legítimo do Executivo”. E a palavra “golpe de Estado judiciário” acabou sendo utilizada por Elon Musk, o multimilionário nomeado por Trump para enxugar as despesas governamentais, como se fosse um ministro com plenos poderes.

O trio Trump, Musk e Vance já mobilizou o senador democrata Chris Murphy, que afirmou em uma entrevista à CNN estar ocorrendo o fim potencial da democracia nos Estados Unidos. “Se o presidente está acima das leis, quem respeitará as leis no país”, disse ele.

Diversos professores de Direito estão alertando sobre o risco de uma crise institucional. Entretanto, comenta o correspondente do jornal suíço Le Temps, “o país parece anestesiado”.

Trump poderia evitar o confronto com os juízes recorrendo de suas decisões na  Suprema Corte. Ao contrário do Brasil, onde o STF defendeu a Constituição e impediu a realização de um golpe, a Suprema Corte dos EUA tem três ministros conservadores nomeados por Trump, que lhe são sempre favoráveis. No caso de litígio com juízes federais, Trump sairia sempre vencedor, porém haveria um longo prazo para julgamento. Diante disso, na sua pressa, o mais provável é Trump passar seus decretos na força, sem se preocupar com as consequências para a democracia.

Algumas notas:

https://www.letemps.ch/monde/ameriques/l-issue-du-bras-de-fer-entre-les-juges-et-la-maison-blanche-sera-cruciale-pour-l-avenir-de-la-democratie-aux-etats-unis?srsltid=AfmBOoq7c9Q4wRb4CugWSTE7B5GxAkUSWHH30FIDB03BJNrTF4_JEHw5

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/trump-e-o-risco-de-golpes-de-estado-por-jorge-almeida-fernandes

https://www.lemonde.fr/international/article/2025/02/11/les-revolutions-de-trump-ii-pour-changer-le-visage-des-etats-unis_6541237_3210.html

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

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