Enem 2024 tem recuo nas notas de áreas exigidas em formações com melhores salários

Foto: Rafael Garcia/Agência Globo

Embora tenha mostrado um aumento de três pontos na média nacional das notas, o resultado do Enem 2024 divulgado ontem pelo Ministério da Educação teve recuos em Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, áreas exigidas em formações melhor remuneradas no mercado de trabalho. As notas de Linguagens e Redação registraram um aumento de 12 e 15 pontos, respectivamente. Mas o número de redações nota mil foi 80% menor do que no ano passado — a variação foi de 60 casos para 12.

Um levantamento com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indicou um leve avanço nas médias nacionais entre os anos de 2019 e 2022. Nos últimos dois anos, a tendência foi de estagnação ou recuo por áreas de conhecimento. O Inep prevê entregar ao MEC em março um estudo específico sobre o desempenho dos alunos em cada área no exame do ano passado, apontando as razões para as notas. Os resultados também serão usados para orientar políticas públicas da pasta.

Ao comentar os resultados, o ministro da Educação, Camilo Santana, reconheceu a queda do desempenho na maior parte das áreas, mas ressaltou o aumento da média geral, apesar da participação de mais alunos. Em 2024, mais de 4,3 milhões de alunos se inscreveram para o Enem, com uma presença de 73,5%. Em 2023, foram 3,9 milhões de inscritos e 71,9% de presença.

— Quando ampliamos o número de alunos que participam do Enem, a expectativa é que essa média diminua. Foi positivo ampliar em quase 900 mil novos inscritos e aumentar a média geral.

Mas para Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e ex-secretária de Educação Básica do MEC, o resultado mostra que as redes de ensino podem não estar conseguindo preparar os alunos para as áreas de maior empregabilidade e remuneração, comprometendo o potencial de desenvolvimento econômico e social do país.

— A queda no desempenho nas disciplinas que são a base de carreiras como engenharia, tecnologia, saúde e ciências naturais pode indicar desafios estruturais no ensino dessas áreas. Como a falta de professores especializados, metodologias pouco atraentes ou defasagens acumuladas na trajetória escolar — analisa.

A especialista afirmou que os resultados podem ter sido influenciados pela pandemia da Covid-19. Mas ainda não refletem possíveis consequências da implementação das mudanças no Novo Ensino Médio.

O ministro já mostrou preocupação em fazer com que a educação brasileira “conecte os estudantes ao mercado de trabalho desde cedo”, como definiu em um post no Instagram em que divulgou uma entrevista que deu à Voz do Brasil em 26 de dezembro. “A formação para o trabalho é hoje a grande demanda da juventude brasileira”, afirmou Camilo na publicação.

O total de 12 redações nota mil no ano passado foi o menor em ao menos uma década. O Sudeste e o Nordeste concentraram o maior número de notas máximas. Ceará, Alagoas, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo tiveram um inscrito cada, enquanto no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, dois estudantes tiraram mil, em cada estado. No Centro-Oeste, Goiás e Distrito Federal tiveram um estudante cada.

O Nordeste teve maior concentração de alunos da rede pública com notas entre 980 e mil na redação. Foram 929 estudantes. Em segundo lugar, ficou o Sudeste, com 858 alunos. O Sul, registrou 208; Norte, 174 e Centro-Oeste, 139.

O estudo intensivo e a repetição de exercícios foram fatores apontados por duas estudantes que se destacaram no exame no ano passado: a niteroiense Ana Galucio, de 17 anos, que tirou a nota máxima em Matemática (962) e Sabrina Aymumi Shimizu, de 18 anos, moradora de Araçatuba que foi a única nota mil em redação no Estado de São Paulo.

Ana lembra que fez muitos exercícios com auxílio de professores do ensino médio. Com a ajuda deles, criou também o hábito de cronometrar a resolução correta das questões.

— Eu era muito lenta nas questões. Estipulava alguns minutos e tinha que resolver o problema naquele tempo. Também fazia mais de um simulado por semana. Isso me ajudava a ficar menos nervosa a cada exercício que fazia — conta Ana, que disse não ter “chutado” nenhum resposta, tirou 940 na redação e quer estudar Medicina na Unirio.

Querendo cursar Engenharia de Produção, Aymumi também defendeu o treinamento intensivo ao comentar o bom resultado com o tema da redação (”Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”):

— Estava familiarizada com os temas de racismo e herança cultural. Consegui fluir bem graças aos diversos simulados que tivemos no último ano — afirma.

Professora de Sabrina, Sthéfani Jorge Silva avalia que a redução no número de redações nota mil é derivado excesso de uso de telas e redução da carga de leitura entre os jovens.

— Com a internet, as informações chegam muito mastigadas. Os alunos não se aprofundam tanto nas problemáticas sociais da atualidade — diz Sthéfani.

Ela ressalvou que a simples aplicação do modelo de redação ensinado em cursinhos não é o caminho para uma nota máxima.

— O modelo é um atalho para que um aluno tenha um caminho. Não para o estudante decorar e tentar encaixar o tema da redação de qualquer jeito — explica.

O Globo

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