1978 – O ULTIMO VOO DO CANARINHO

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A história mais complicada do futebol mundial, muito provavelmente, aconteceu durante a disputa da fase candanga do Torneio Incentivo-1978. Esta era uma competição política inventada pela ainda Confederação Brasileira de Desportos (futura CBF), para engabelar as federações estaduais e garantir votos por meio de competição mixuruca evolvendo times pequeno, pequeninos, inexpressivos.  

 Aqui pelo futebol candango, o Gama havia vencido o primeiro turno do Incentivo-78 e já comemorava o título do returno pois só bastava vencer, em casa, um desmotivado Canarinho, durante a penúltima rodada da segunda fase, para carregar o caneco.  História cabulosa! Vamos para o parágrafo abaixo.  

 Enquanto se dava o Gama por futuro campeão, o presidente do Taguatinga, Justo Magalhães, passou a conversa em Manoel Ramos, presidente do Canarinho, e o convenceu a fundir os dois clubes (times), paras que a cidade de Taguatinga “tivesse  um só e forte representante  nas disputas candangas”. Na verdade, o Canarinho nem era tanto de Taguá, pois já tentara ser de Taguatinga Norte, de Brazlândia, voltara a ser taguatinguense e não tinha lugar certo para treinar. Foi por ali que o Justo escolheu os sete melhores jogadores canarinhenses e, passado o ramo no Ramos, anunciou a fusão à imprensa.

 Rolo rolando, ficou acertado de que, na manhã do domingo, a penúltima rodada do Incentivo-78 teria rodada dupla no Bezerrão, com Tagutinga x Grêmio Brasilense na preliminar. Tudo certo, só faltou combinarem com São Pedro. Como o gramado amanheceu muito molhado, o árbitro da preliminar, Carlos Alberto Santiago Hagstrong, considerou a marcação do campo precária. Remarcaram tudo, mas, depois de tanto srrviço, São Pedro sacaneou, mandando mais chuva.
Hagstrong então, não viu mais nenhuma condições para rolar a bola no pedaço.

Passada a chuva, o Taguatinga sentiu-se prejudicado por não poder jogar, pois achava que venceria, fácil, os gremistas, cujo presidente, Zé Fernandes, iria, também, solicitar licença à FMF, pois a sua rapaziada não aspirava mais nada no torneio e ele já havia acertado as rescisões de contrato de quase todo o grupo, exceto Tita, Edmilson e Amauri, à espera do acerto.

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Mesmo já fora do Grêmio, os atletas dispensados compareceram ao Bezerrão e se prontificaram a defender o Tubarão (apelido do time). Alm de não ver condições de jogo naquele estado do gramado do Bezerrão, Hagstrong  ainda acusou os dois times de terem chegado atrasados para a partida. E deixou a imprensa na expectativa de saber se ele registraria o fato na súmula, o que faria os dois times perderem um ponto.

Lá pelas tantas o tempo melhorou, o sol brilhou e o árbitro do jogo principal, Jonas de
Oliveira, aprovou a marcação do gramado desaprovado por Carlos Alberto Hagstrong. E pintaram na cancha o anfitrião Gama e o Canarinho com sete jogadores  se despedindo de sua camisa, na última partida das  sete temporadas de existência canarinheira.  Na segunda-feira, o clube (time) solicitaria licença à então Federação Metropolitana de Futebol-FMF.

Por aquela época, ainda não havia representação política no DF, mas o administrador da cidade do Gama, Walmir Bezerra, já sacava lances bem mais longe e já se armava para ser o futuro deputado federal mais votado do DF. Compareceu ao Estádio Walmir Campelo Bezerra (o Bezerrão, que levava o seu dele, proibido por lei), na expectativa de erguer a taça de campeão junto com o time gamense e, evidentemente, faturar simpatias. Pena qu não combinou com o “desmanchante” Canarinho.

 Pelas vésperas da partida, o treinador João da Silva anunciou ter recebido bela proposta do Royal, de Barra do Piraí-RJ, e que pedira demissão no Taguá. No entanto, Justo Magalhães dissera não ter recebido nenhum pedido do sujeito, para ele, o Da Silva seguia comandante do seu time. Mais: como este havia se juntado ao Canarinho, contava com o cara para o jogo entre o “desmanchado” e os gamenses.  João da Silva até prometeu colaborar, mas exigindo que o técnico de campo do Canarinho diante do Gama fosse o Professor Aparecido, o seu preparador físico no Taguá e que era treinador da seleção brasiliense universitária feminina de handebol e do time da escola pública de Taguatinga em que ele trabalhava.

Bater o Canarinho e conquistar o seu primeiro título era uma obrigação para os gamenses. No banco dos reservas do time canário, o Professor Aparecido não abria a boca. Da alto das arquibancadas, atrás dele, o João da Silva gritava: “Segura a boal no meio-de campo, Belo; Espana (a pelota) com mais vontade, Nonato; Zé Vieira, lance mais o Peba, pra ele cair matando nas costas do lateral (esquerdo); Zecão, acredite mais (nos chutes a gol). O Chico é frangueiro. E etc, etc, etc”.

Da cabine da Rádio capital, o “Locutor do Povão”, como gostava de ser chamado o trepidante Marcelo Ramos, inflava os  pulmões, locutando: “Inédito no futebol mundial: João da Silva, técnico do Taguatinga e do Canarinho”. Realmente! O Jornal de Brasília fotografou o lance, veja a foto.

Rolava a pelota e o favorito Gama nem nada, nem nada. Do lado de fora do campo, João da Silva mandava Bolinha ser um pastor alemão à frente da zaga e não parava de cobrar lançamentos para Belo e Peba, pela direita do seu ataque. Numa dessas, pela metade do primeiro tempo, o seu pedido foi atendido. Peba recebeu lançamento, avançou, cruzou bola para área, Belo foi beleza no lance e o Canarinho virou zebrão: 1 x 0, ajudado por falha feiaça do goleiro Chico. “Não falei que o Chico é fangueiro!”, gritou João da Silva,  enquanto Peba e Belo comemoravam o tento – e, por aquilo, ficou o placar da etapa.

Veio o segundo tempo. Se o Canarinho vencesse o Gama e o Taguatinga derrubasse o Grêmio Esportivo Brasilense, no tapetão, como ameaçava Justo Magalhães, canários e  águia (apelido do Taguá) ficariam com oito pontos, contra cinco dos gamense no returno do Incentivo-78.  Justo bradava: “Que chegou atrasado foi o Grêmio. Nós chegamos na hora certa. Vou provar isso”. E falava mais: “O Canarinho está jogando para o Taguatinga. A final será Taguatinga x Gama. Não haverá mais nenhum jogo do Canarinho, porque, amanhã, ele estará licenciado da Federação (Metropolitana de Futebol)”, junto com o Grêmio (Esportivo Brasilense)”.

 E a bola rolava. Quando o árbitro Jonas Viera – estava auxiliado por Márcio Humberto e Ana Maíto – consultava o cronômetro para encerrar a contenda, um chute de fácil defesa para o goleiro gamense Chico provocou, novamente, tremenda falha do camisa 1 alviverde, que soltou a bola para o seu lado direito, onde estava Peba, para marcar  o último gol da história do Canarinho: 2 x 0. “Não falei que o Chico é frangueiro!’, gritou João da Silva, com o Professor Aparecido fazendo um sinal de positivo para ele. Depois, só houve tempo para o apito final.

 Uns dois, três dias depois, a possibilidade de ser campeão do returno do Incentivo levou o Canarinho  a desistir da desistência do futebol. Manoel Ramos disse à imprensa que iria retirar o pedido de licença da FMF e desfazer o acordo de fusão com o Taguá, no que Ruy Telles, supervisor deste, contra-atacou: “Bola fora! Os jogadores que levamos deles já tiveram seus contratos enviados para registro na CBD. Logo, não terão time para jogar mais nenhuma partida. Não há tempo hábil para arrumar a casa”.

 Naquele dia, o Canarinho “The End”, como brincaram os poucos torcedores presentes ao Bezerrão, teve:  Edson, Déo, Nonato, Robson e Irênio; Bolinha, Roberto Assis e Peba; Belo Zecão e Zé Vieria. O Gama foi: Chico, Carlão (Osvaldo), Júnior, Assis e Isaías;  Julio, Lelé e Manoel Ferreira; Roldão, que foi expulso de campo, Niltinho e Tico (Vicente).   

  Enfim! Faltando Gama x Tauatinga e Canarinho x Grêmio Brasilense para cumprimento da última rodada do Incentivo-78, o que aconteceu? O Canarinho conseguiu desistir da desistência? O Grêmio não compareceu à rodada final? O Taguatinga venceu o Grêmio no tapetão e ficou na boca de espera para decidir como Gama? Ou o Gama se recuperou na rodada final e conquistou o primeiro título de sua história? – haja rolo ! 

Empolgado pelo tri da Seleção Brasileira na Copa do Mundo do México-1970, Manoel Ramos, servidor do Palácio do Planalto, formou um time de futebol e deu-lhe o nome de Canarinho, como era chamado o escrete nacional.

Chegado o futebol profissional em Brasília, em 1976, ele achou que a sua rapaziada teria condições de entrar no lance e, sem demora, conseguiu inscreve-la junto à Federação Metropolitana de Futebol.

 Por aquelas primeira bolas do profissionalismo no futebol candango, Ceub, Brasília e  Grêmio Esportivo Brasiliense eram as maiores forças. Mas quem empolgava mesmo era o Taguatinga, com a sua torcida levando folhas de bananeira para as arquibancadas, saudando o ídolo Ernane Banana, que surgiu como o craque da hora. O Canarinho ficava como quinta força.

 Rolada uma crise que culminou com o fim do Ceub, no mesmo 1976, o enfraquecimento do Taguatinga, que emprestou o ídolo Banana ao Vasco da Gama  e rescindiu o contrato do técnico Dida (Edvaldo Santa Rosa, campeão mundial-1958, na Suécia), além da saída, também, dos gremistas, o Brasília ficou o mais forte indiscutível, com o Canarinho subindo de ranking e ameaçando deixar pra trás Flamengo (depois Cruzeiro) e Humaitá (depois Guará Esporte Clube).

Em 1977, o Canarinho achou que poderia voar mais alto. Convidou o Grêmio Porto-Alegrense para um amistoso,  no já demolido Estádio Pelezão, e levou 11 x 0.  Mas não desanimou. Em 1978, aprontou o seu segundo rebu, durante o Torneio Incentivo. Anunciou pedir licença da FMF, para fazer fusão como Taguatinga, antes do penúltimo jogo da competição, quando deveria perder do Gama, campeão do primeiro turno e que liquidaria o papo jogando em casa e com time melhor. O Canarinho, no entanto, mandou 2 x 0 Gama, zebraça no futebol candango da época.

Naquele dia (21.02.1978) no Estádio Bezerrão,  os coreanos (apelido dos jogadores auri-egros, por serem baixinhos) atuaram por esta formação: Edson; Déo, Nonato, Robson e Irênio; Bolinha, Peba e Roberto (Assis); Belo, Zecão e Zé Vieira. O Gama foi: Chico; Carlão, (Osvaldo), Junior, Assis e Isaías; Júlio, Lelé e Tico (Vicente); Manoel, Roldão, que foi expulso de campo,  e Niltinho. Os gols foram marcados por Belo, no primeiro tempo, e Peba na etapa complementar. Público e renda não foram divulgados, mas tudo indicou que não foram vendidos ingressos, pois a manhã amanhecera chuvosa e mais chuva rolou antes da partida.

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