Feliz Ano Velho?

c79e9044 1189 4ae4 afd7 78d4654c831c

Em artigo na revista Time, em 1990, o filósofo britânico John Gray traçava cenário sombrio para os Estados Unidos. Dívida pública insustentável, desigualdade crescente e violência urbana compunham o que ele chamou de “Brasilianização da América”. Embasando a triste metáfora, lembremos o Brasil da época: a moratória da dívida em 1987, a hiperinflação e o assassinato de Chico Mendes eram alguns dos sinais de disfuncionalidade, enquanto a destruição da Amazônia reforçava a imagem de um Brasil à deriva.

Tanto o Brasil quanto os EUA encontrariam caminhos para superar a crise naquela mesma década, desmentindo o pessimismo do filósofo. Depois do abalo do impeachment de Collor, o Brasil retomou o curso: renegociou a dívida, estabilizou a economia e logrou conquistar importantes avanços sociais, até que sobreviesse uma grande recessão. Os EUA, por sua vez, já a partir da década de 1990, lideraram a globalização da internet, impulsionando suas empresas e projetando seus interesses no cenário pós-Guerra Fria.

Três décadas depois, em 2021, Alex Hochuli, escritor britânico radicado em São Paulo, retomaria a ideia do Brasil como metáfora do declínio, em “Brasilianização do Mundo”. Publicado durante a pandemia e sob os governos de Trump e Bolsonaro, o artigo, que ganhou repercussão internacional, dava ao conceito um tom fatalista: o Brasil, prisioneiro de um futuro sempre adiado, percebido como símbolo do declínio do Ocidente e da erosão de suas próprias promessas.

Vem aí um novo governo Trump. Ele retorna no embalo de expressiva votação, tendo sobrevivido a dois processos de impeachment e a anos de cerco judicial, além de um raspão com a morte na campanha. Para seus fervorosos apoiadores, as expectativas são gigantescas — e talvez impossíveis de cumprir, pois terá apenas quatro anos para mostrar resultados. A disputa por sua sucessão pode ter largada já no primeiro dia de mandato.

Seu ministério, dominado por outsiders leais, reflete um projeto ambicioso. O Wall Street Journal descreveu os indicados como “uma mistura de ideologias contraditórias — populistas, plutocratas, conservadores tradicionais e disruptores da direita, até mesmo alguns ex-Democratas”. Essa composição, segundo o jornal, espelha a coalizão singular que impulsionou Trump ao poder, em parte marcada por uma reconfiguração à direita, atraindo jovens e minorias.

Esse cenário também evidencia as contradições do discurso trumpista: ao mesmo tempo em que promete força com políticas tarifárias e aposta na desregulamentação, arrisca colher inflação e aumento da dívida. Tamanho voluntarismo sugere um afastamento do pragmatismo americano, aproximando-se de irrealismos que têm marcado o Brasil: políticas grandiosas, mal focalizadas e sem continuidade, portanto insustentáveis. No final, a persistência dessa dinâmica tem alimentado a metáfora da Brasilianização, um símbolo das promessas e desafios que continuam a definir o Brasil.

João Marcelo Chiabai da Fonseca, advogado, consultor e mestre em Políticas Públicas pela Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins

Adicionar aos favoritos o Link permanente.