Chiclete de morango

O dia se balançava na rede do tempo, enquanto eu mascava um chiclete de morango, a mim e um pedaço da minha cidade, essa moça bonita de cabelos escuros e lisos chamada Boa Vista, em uma tarde de sol feliz. Olhava a pintura do céu, procurava um pensamento perdido em mim e sentia o gostinho dos ventos de Roraima. Minha terra me ama; sou verbo da minha terra, pois bate aqui dentro de mim o nome Roraima. Quando, de repente, escuto uma boca estranha falar: “O destino é a morte!” Meu mastigar parou; petrificado fiquei. Deixei de ser ação e parei o barulho de mim, a arquitetura dos pensamentos. Busquei a mim por um instante, deixei a frase soltar a alma, acariciar o meu corpo e traguei a sua significação. Um meteorito reflexivo caiu em mim naquele instante, fecundei-me de um vírus de reflexão. Movimentei o corpo, fui andar para pensar no sorriso da minha vida e na significação daquela frase. (O- destino- é- a- morte!)

Desliguei o andar do corpo no carinho de uma sombra convidativa. Em volta, o mundo funcionava como um relógio sem dono: crianças brincando na praça, flores nascidas em uma pluralidade particular e a arte humana acontecendo. Parado por fora, mas dentro de mim, procurando algo sólido e coerente para segurar. Vejo a cor do voo dos pássaros no céu, a minha cidade rir em barulhos humanos, corações quebrados estão chorando, e me pego pintando pensamentos em mim. É sabido que, em algum momento da vida, a autoridade do silêncio eterno chamará eu, tu, nós e o mundo para um passeio de bilhete único, sem volta. Desse modo, estamos em uma grande fila de espera, com sorteios aleatórios em alguns casos especiais. Mas, se ela resolver mudar o roteiro e chegar hoje, vestida em lindo vestido de chita, dizendo com uma voz carnavalesca cheia de glitter: “Psiuuu, ei! Venha passear comigo, é hora de partir! A primeira classe é sua!” Será que estarei confortável com esse agradabilíssimo convite para essa viagem?

 Vejam bem, senhoras e senhores! Eu não tirei a roupa da máquina, a louça ficou suja na pia, os panos de chão estão de molho há uma semana, tem um boleto de luz atrasado, não paguei o carnê da geladeira, a fatura do cartão não fechou, tem uma viagem marcada para Recife, não lavei o banheiro. Não me levem a mal, mas ainda tenho planos de comprar meu “enxoval” de namoro, quero fazer meu álbum de casamento, colocar os meus retratos pelas paredes da casa, das viagens que farei com meu amor. Eu estou vivendo, no meio desse mundo caótico, com sabor de aquecimento global, mas estou. Tudo é tão rápido: o algoritmo, os preços elevados, a liquidez dos relacionamentos, a distribuição das pílulas de ansiedade. Não sou apenas cor de reclamação, sou corpo ferido de um sistema, mas há em mim vida, por trás do rosto cansado.

No entanto,  se o destino é a morte e nunca estamos preparados para ela, por quais motivos levamos conosco uma bolsinha de tretas, mágoas, ódio e estresse? O que estamos fazendo da vida, enquanto não somos sorteados para o passeio eterno? Qual é seu o momento de paz no meio do mundo caótico? Senhoras e senhores! O que você tem feito com o tempo que é disponibilizado para você permanecer na fila? Ei, psiu! Vamos mastigar chiclete de morango?

 Ass.: Histayllon Santos_ ( aspirante a escritor)

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