O jornalismo e a crise no modelo liberal democrático na imprensa mundial

(Imagem: Mido Makasardi /Pexels)

Há indícios cada vez maiores de que a ascensão da extrema direita na política mundial tem uma relação com a crise na maioria dos grandes conglomerados da imprensa globalizada. É uma conexão que ainda precisa ser mais estudada, mas apesar dos prognósticos pouco otimistas sobre o futuro destes conglomerados, é possível vislumbrar uma alternativa promissora para o exercício do jornalismo na era digital.

O avanço mundial da direita acelerou a implosão dos partidos de centro-direita e empurra a esquerda para uma dolorosa revisão de seus erros estratégicos. Coincidência ou não, grandes jornais da era liberal democrática, como The New York Times, Le Monde, Guardian, Repubblica, El Pais, Clarin, O Globo e Suddeutsche Zeitung também enfrentam dilemas que ameaçam a sua sobrevivência a médio e longo prazo.

A imprensa defensora dos princípios liberais democráticos enfrenta um duplo desafio: o de encontrar um novo discurso político para justificar sua existência e o de sobreviver como empreendimento lucrativo, sem favores governamentais e sem um modelo de negócios adequado à era digital na comunicação.

A lenta agonia da elite empresarial jornalística da era analógica complica e acelera o desgaste dos partidos liberal democráticos criando um cenário que para muitos pode parecer apocalíptico, mas que visto por outro ângulo sinaliza uma inevitável transição para um sistema socioeconômico condicionado pela crescente digitalização da sociedade contemporânea. É um caso de aplicação concreta da famosa metáfora do copo meio cheio ou meio vazio.

O problema da grande imprensa mundial não se resume a uma questão de má administração ou de estratégias editoriais inadequadas. Os grandes conglomerados midiáticos tradicionais estão umbilicalmente ligados ao modelo liberal democrático tanto na visão de mundo como na prática financeira e comercial. Quando este modelo entra em crise e não consegue mais resistir ao avanço da extrema direita mundial, a elite jornalística globalizada perde a essência do seu discurso político.

Agonia de um discurso

Estamos assistindo não apenas à crise de um modelo de negócios que foi extraordinariamente lucrativo para os grandes títulos midiáticos, mas também à agonia de um discurso profissional sobre informação, objetividade, imparcialidade, credibilidade e liberdade de expressão. Já foi dito que estamos passando pela maior transformação já ocorrida na história da imprensa. A novidade é que já não se trata mais de conjecturas ou hipóteses. Estamos sendo chacoalhados pela dura realidade de uma transição que nos confunde, gera perplexidade e pessimismo.

A grande imprensa mundial compartilha as agruras de um modelo político encurralado pelo crescimento da extrema direita mundial e pelo medo coletivo gerado pela transição de um sistema conhecido por outro ainda basicamente inexplorado. É uma perspectiva pouco animadora, mas que, vista por outro ângulo, revela um potencial capaz de mudar radicalmente o estado de espírito dos jornalistas.

Já há indícios suficientes para mostrar que a construção da sociedade digital começará pela informação e pela pesquisa exploratória do mundo digital. A revolução tecnológica está nos mostrando uma nova realidade que as limitações analógicas não nos permitiam ver. A avalanche informativa, realidade virtual, computação quântica e inteligência artificial são fenômenos cuja incorporação ao dia a dia das pessoas exige pesquisa, uma narrativa adequada e disseminação pública.

A construção da nova sociedade digital começa pela investigação acadêmica, mas ganha relevância e protagonismo social com a intervenção do jornalismo e da imprensa como agentes obrigatórios na promoção da interação entre o trabalho teórico acadêmico e a prática diária das pessoas comuns.

O foco local

É aqui que o jornalismo local e hiperlocal tornam-se insubstituíveis na missão de identificar como as comunidades reagem às inovações tecnológicas, principalmente o tipo de experiência e conhecimento que as pessoas desenvolvem ao usar ferramentas digitais. É o ponto de partida para o desenvolvimento de uma cultura digital associada a regras, leis e estruturas indispensáveis à nossa existência neste novo mundo que aos poucos começa a ganhar corpo.

É importante destacar que se por um lado o panorama atual sinaliza uma fase extremamente pessimista para a imprensa e para o jornalismo mundial, por outro lado permite vislumbrar um novo e ainda mais importante papel para os profissionais e empresas jornalísticas na construção da nova sociedade digital. Ainda há muitas questões a serem pesquisadas e testadas, mas já é possível vislumbrar uma luz no fim do túnel na reinvenção do jornalismo.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.

 

 

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