A escalada de violência contra meninas e mulheres em todo o mundo aponta que as sociedades precisam rever suas legislações

(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

25 de novembro é marcado pelo Dia Internacional da Erradicação da Violência Contra a Mulher. A data é reconhecida desde 1999, quando a ONU instituiu o marco em homenagem às irmãs Mirabal (Pátria, Maria Teresa e Minerva Mirabal), três mulheres que sofreram torturas e foram assassinadas, em 25 de novembro de 1960, pelo ditador da República Dominicana Rafael Trujillo.

Nesta data, não há o que ser celebrado. Diversos relatórios apontam que a violência de gênero segue uma constante escalada que não conhece fronteiras de idade, classe, cor, religião, etnia ou raça. O corpo das mulheres é, na maioria das vezes, um lugar passível de violências físicas e emocionais.

Nesta segunda-feira (25), a ONU Mulheres divulgou o relatório intitulado Feminicídios em 2023, que apresenta dados alarmantes. Segundo o documento, mais de 85 mil mulheres foram assassinadas em 2023 em todo o mundo. Em 60% dos casos, a violência foi praticada no âmbito familiar. A cada 10 minutos, uma mulher é morta, vitimada por um parceiro ou membro da família.

No Brasil, o cenário também não é diferente. O Instituto Patrícia Galvão divulgou no dia 25 de novembro a pesquisa Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio, realizada em parceria com o Instituto Consulting Brasil e com apoio do Ministério das Mulheres. Entre os dias 23 e 30 de outubro, o instituto entrevistou 1.353 mulheres com mais de 18 anos e constatou que duas em cada dez mulheres já foram ameaçadas de morte pelo parceiro, namorado ou ex-companheiro.

Os dados também evidenciam um recorte racial: as mulheres pretas foram as que mais sofreram ameaças (25%), seguidas pelas mulheres pardas (19%) e, por último, pelas mulheres brancas (16%).

A pesquisa também destacou os motivos que levam as mulheres a permanecerem em relacionamentos abusivos: 64% apontaram que a dependência econômica do agressor impede o rompimento da relação; 61% acreditam na possibilidade de arrependimento e mudança do parceiro; e 59% mencionaram o medo de serem mortas caso terminem o relacionamento.

Esses dados refletem nossa sociedade, onde o medo é um subproduto da cultura de violência. Como jornalista e pesquisadora dos impactos do jornalismo na cobertura sobre violência de gênero, sei que os dados são importantes para compreender a realidade, mas eles também são atravessados pelos limites das subnotificações e diversos recortes que ignoram os abismos sociais. Vivo em um país que há décadas luta para consolidar políticas públicas de proteção aos direitos das mulheres. Os avanços significativos com a criação da Lei Maria da Penha (LEI Nº 11.340/2006), seguidos pela Lei de Importunação Sexual (LEI Nº 13.718/2018) e pela ampliação da pena para 40 anos em relação aos crimes de feminicídio (LEI Nº 13.104/2015) na Lei 14.994, de 2024, revelam que as mulheres nunca aceitaram passivamente a violência imposta pela cultura machista que permeia nossa formação enquanto país e sociedade.

Entretanto, a escalada de violência parece ignorar os limites da lei. A pesquisa do Instituto Patrícia Galvão destaca que pouco mais de 2 em cada 3 mulheres acreditam que nada acontece com os homens que cometem violência doméstica. Além disso, 8 em cada 10 mulheres concordam que a polícia não leva a sério uma denúncia de ameaça nem reconhece o risco que a mulher corre.

Esses dados apontam que, embora o Brasil possua uma das legislações mais completas do mundo, na prática as mulheres têm baixa confiança no sistema de denúncias, e a impunidade é um fator que coloca em risco suas vidas.

O caminho para celebrar o fim da violência contra a mulher ainda é um sonho distante. Em 1999, a poeta Conceição Evaristo publicou um poema, intitulado Vozes-mulheres, que provoca reflexão sobre a esperança de mudança. Nos versos, ela destaca a história de medo, opressão, violência e liberdade ao longo de gerações, culminando na conquista de uma vida livre:

“A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato.

O ontem — o hoje — o agora.

Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância, o eco da vida-liberdade.”

Hoje é um dia para alertar o mundo de que a violência contra as mulheres não acabou. Somos metade da humanidade e, diariamente, nossos corpos são assassinados nos transportes coletivos, nas praças, nos mercados, nas padarias e em nossas casas. A ONU Mulheres destaca que, diante dos conflitos climáticos e das guerras, a violência sexual contra meninas e mulheres se torna uma “arma de guerra”. Por isso, é preciso acreditar na liberdade de meninas e mulheres que merecem viver em um país livre da violência, onde o medo não seja combustível para relações violentas e disfuncionais.

É essencial exigir não apenas a ampliação das leis, mas sua aplicação efetiva. O jornalismo deve atuar como uma ferramenta de combate à violência, não como um veículo de estereótipos e sensacionalismo. É nosso papel, como cidadãos, apoiar campanhas que combatam a violência contra as mulheres, denunciar conteúdos que promovam essa violência e cobrar das autoridades o cumprimento da legislação.

Em caso de violência contra a mulher, disque 180.

Texto publicado originalmente no Site Coreto (https://sitecoreto.com/a-escalada-de-violencia-contra-meninas-e-mulheres-em-todo-o-mundo-aponta-que-as-sociedades-precisam-rever-suas-legislacoes/), no dia 25 de novembro de 2024.

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Andressa Oliveira é jornalista e Mestre em Letras: Cultura, Educação e Linguagens, escreve para a coluna Um Fato Uma Opinião da Editoria Oxente! do Site Coreto. Atua como repórter e é pesquisadora associada do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS).

 

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