Ayotzinapa – México: 43 desaparecidos, 10 anos de impunidade

(Imagem: StockSnap/ Pixabay)

Na Cidade do México, na quinta-feira, 26 de setembro de 2024, milhares de pessoas saem às ruas. O grande fluxo de manifestantes parte da coluna da Independência na Avenida da Reforma e flui lentamente em direção à Praça da República, conhecida como Zócalo, sede dos poderes religioso, municipal e, desde 2018, presidencial.

Por que tantas pessoas se reuniram e caminharam juntas neste dia? Quem eram todos esses manifestantes? O que demandavam? O que diziam suas faixas e seus cartazes? O que estavam exigindo em alta voz, repetidamente, ao longo daqueles quilômetros de caminhada? O que diziam os adesivos colados nas fachadas destruídas por aqueles homens e mulheres vestidos de preto? Uma palavra emerge em meio a todo esse protesto: “Ayotzinapa”.

43 alunos da escola normal da zona rural de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, desapareceram na noite de 26 para 27 de setembro de 2014, no município de Iguala. Dez anos depois, ainda não se sabe o que aconteceu naquela noite. A única certeza é de que as quatro ou cinco vans em que viajavam, segundo as testemunhas e os investigadores, foram interceptadas por pessoas armadas – membros de gangues criminosas, policiais locais, militares, talvez os três ao mesmo tempo, informação que como tantas outras encontra-se ainda incerta.

Desde 2014, o caso está nas mãos da Justiça, que ainda não apresentou nenhuma resposta coerente ou convincente sobre o destino dos 43 interceptados. Eles estão, portanto, até hoje desaparecidos.

O cortejo, do dia 26 de setembro de 2024, que percorreu da coluna da Independência até a praça Zócalo, foi aberto por 14 pais ainda vivos dos estudantes sequestrados, e por parentes dos outros 29, todos eles carregando cartazes com as fotos de cada um dos desaparecidos com a legenda, Onde estão?”, “Eles os prenderam ainda vivos!”, “Nós os queremos de volta vivos!”.

Familiares, amigos e próximos, manifestantes, grupos de solidariedade da Universidade Nacional do México e de diversas universidades (UAM, IPN, UACM), representantes da Coordenação Nacional dos Profissionais da Educação, representantes do Comitê 68 (em referência ao massacre de várias dezenas de estudantes por ordem das autoridades priistas [1] da época, em 6 de outubro de 1968), representantes da Frente dos Povos Defensores das Terras de Atenco [2], da Anistia Internacional e também outros movimentos de defesa dos direitos humanos construíram um monumento simbólico dedicado aos “43”, na Avenida da Reforma. “Estamos instalando este memorial”, explicaram, “para exigir a verdade, a justiça e o fim da impunidade em nosso país. Dez anos depois dos acontecimentos, nossa luta é uma só, nós exigimos do governo a presença, com vida, dos nossos filhos”. “Que os olhos dos desaparecidos os persigam, que o choro das mães os impeçam de dormir”, se gritou durante o protesto.

Foi marcada uma reunião com a nova presidente, Claudia Sheinbaum, após a saída do presidente Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO), que não conseguiu dar a resposta institucional, a verdade que ele havia prometido durante sua campanha eleitoral de 2018 aos pais desses jovens desaparecidos.

O Chefe de Estado em exercício, à época dos acontecimentos, em 2014, Enrique Peña Nieto (PRI), havia, de fato, paralisado a investigação de 2014 a 2018. O policial encarregado do caso, o ex-diretor da Agência de Investigações Criminais Tomas Zerón de Lucia fugiu e exilou-se em Israel, país que não tem nenhum tratado de extradição com o México. Os escritórios da Advocacia-Geral da República (AGR), instalados em um arranha-céu com vista para a Avenida da Reforma, foram fechados ou transferidos. As famílias haviam montado um acampamento permanente, decorado com as fotos dos desaparecidos, em frente às instalações. Diante do impasse, em dezembro de 2018, AMLO substituiu a AGR por uma PGR, Procuradoria-Geral da República, mudança semântica que justificou mudanças, não apenas de instalações, da instituição.

O contato com as famílias foi estabelecido pelo presidente AMLO que nomeou um relator especial logo no início de seu mandato. Foi criada uma Comissão da Verdade. Mas a verdade não foi convidada para a comissão. Em 2023, as famílias exigiram alguma satisfação do presidente sobre o caso. Em 3 de outubro de 2023, ele os repreendeu, salientando que tudo havia sido feito para restabelecer a verdade. Em 2024 ele escreveu-lhes dizendo que reconhecia que seu compromisso de 2018, infelizmente não havia sido cumprido. No final de sua presidência, várias dezenas de pessoas foram presas e em seguida liberadas. O Procurador-Geral do Estado, Jesús Murillo Karam, que foi o primeiro a tratar do caso, foi indiciado por falsificação de provas. Ele está aguardando seu possível julgamento em prisão domiciliar.

Concluindo: desde 2014, ninguém foi condenado, nem sequer julgado.

O fracasso das investigações e das sucessivas presidências foi reconhecido por AMLO, poucas semanas antes de passar o poder a Claudia Sheinbaum, nova presidente do México. Que seja. Mas o que explica o fato de a investigação ter sido interrompida? Uma palavra de ordem se destacou e foi unânime entre os manifestantes em 26 de setembro de 2024. “Foi o exército!” Esse grito de raiva foi pichado nas paredes e nas estátuas da Avenida Reforma e nas paliçadas que protegem o Palácio Nacional, com vista para a praça Zócalo. “Foi o exército!”

Essa é uma das possibilidades. Afinal, havia um quartel do Exército muito próximo da estrada pela qual seguiram os veículos que transportavam os estudantes em 26 de setembro de 2014. Militares foram vistos e questionados a esse respeito. As provas materiais, no entanto, infelizmente desapareceram. A cena do crime foi limpa antes do início do trabalho dos investigadores oficiais.

E, desde 2018, a AMLO, e seu partido, o Morena, tem governado em parceria com os militares, em particular com a Marinha e o Exército. Ele confiou a eles a gestão de aeroportos civis, de alfândegas e a responsabilidade pela supervisão de grandes obras – como a construção de um novo aeroporto para a capital, e o Trem Maia.  Há poucos dias do fim de seu mandato, ele colocou a polícia local, até então sob autoridade civil, na medida em que as suas funções eram de natureza interna, sob a tutela do Ministério da Defesa (Sedena). Além disso, em 3 de outubro de 2023, ele dirigiu críticas às famílias, dizendo que era inadequado culparem as Forças Armadas. Em uma carta enviada às famílias em 24 de setembro de 2024, Andrés Manuel López Obrador, lembrou a elas que “não há provas do envolvimento do exército no desaparecimento dos jovens”.

Apesar de tudo, a suposição é bem fundamentada. Mas se trata apenas de suposição. Ela não foi confirmada por nenhuma evidência material. Outras pistas foram apresentadas, embora também não tenham sido comprovadas: os principais responsáveis seriam as polícias locais e do Estado de Guerrero ou a gangue delinquente dos Guerreros Unidos; infiltração da gangue rival Los Rojos no grupo de estudantes que teria levado a um acerto de contas entre narcotraficantes; roubo de drogas e assassinato por engano dos estudantes que estariam no lugar errado, na hora errada.

Os trabalhos do GIEI, um grupo de investigadores independentes, o esforço de síntese realizado pelo historiador Carlos Illiades, o resumo publicado recentemente pela revista semanal Proceso, só acrescentaram perplexidades e perguntas [3].

Uma certeza: o crime foi encoberto por uma autoridade. Tanto que os elementos factuais do desaparecimento e do possível crime desapareceram. Os presidentes Enrique Peña Nieto (PRI) e AMLO (Morena) se comunicaram muito, mas sem fornecer uma resposta satisfatória. Antes de ceder a Presidência a Claudia Sheinbaum, Andrés Manuel López Obrador fez alusão, em 24 de setembro de 2024, às declarações não públicas feitas por um membro arrependido da gangue criminosa, Jalisco Nueva Generación, hoje testemunha sob proteção, que indicou as suspeitas nessa direção.

Por que não? Mas por que seguir essa pista e não a dos militares, tal como apontam as famílias?  Outros assassinatos foram cometidos em Guerrero nos últimos dez anos, permanecendo igualmente obscuros e impunes. Comentando sobre um dos casos mais recentes, a decapitação de um candidato eleito, Alejandro Arcos Catalán, prefeito “priista” da cidade de Chilpancingo, no domingo, 6 de outubro de 2024, o correspondente do jornal espanhol, El Pais, [4] desiludido, escreveu o seguinte: “Esse caso é o arquétipo de todos os males do Estado (de Guerrero), e, por extensão, de todo o México”. Um de seus colegas, jornalista de La Jornada, para além do arquétipo proposto pelo seu colega espanhol, encontrou, sem dúvidas, a denominação descritiva de origem mais autêntica, “Sísifo de Ayotzinapa” [5].

Texto publicado originalmente em francês em 11 de outubro de 2024 no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original: “Ayotzinapa – Mexique: 43 disparus – Dix ans d’impunité”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/122879. Tradução de Paul Fernand da Cunha Leite e Luzmara Curcino.

Notas

[1] Priista: membro do PRI (Partido Revolucionário Institucional), partido que monopolizou o poder de 1929 a 2000. 

[2] Nos dias 3 e 4 de maio de 2006, milhares de policiais reprimiram uma manifestação em defesa dos direitos à terra da FPDT, próximo do EZLN, matando duas pessoas e submetendo 26 mulheres presas à violência sexual.

[3] GIEI, Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes. Carlos Illiades, La Revolución Imaginaria, México, Oceano, 2023, p. 105-115. Gloria Leticia Díaz, Ayotzinapa, Proceso, setembro de 2024, p. 20-25.

[4] David Marcial Pérez. Decapitado un alcalde en México seis días después de llegar al cargo. El País, 8 de outubro de 2024, p. 8.

[5] Fabrizio Mejía Madrid. Sísifo en Ayotzinapa. La Jornada, 7 de outubro de 2023, p. 14.

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Jean Jacques Kourliandsky é Diretor do “Observatório da América Latina” junto à Fundação Jean Jaurès, na França, especialista em análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014). Colabora frequentemente com o “Observatório da Imprensa”, no Brasil, em parceria com o Laboratório de Estudos do Discurso (LABOR) e com o Laboratório de Estudos da Leitura (LIRE), ambos com sede na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

 

 

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