Lula recebe Xi para aprofundar relação Brasil-China, mas sem aderir a rota da seda

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GUILHERME BOTACINI, MARIANNA HOLANDA E ALEXA SALOMÃO
BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe nesta quarta-feira (20) o líder chinês, Xi Jinping, em Brasília, em uma visita para aprofundar laços entre os países, mas na qual não deve haver adesão à chamada Nova Rota da Seda.

A negativa ocorre após meses de pressão de Pequim para que o Brasil entre formalmente na iniciativa. Apesar disso, a visita de Estado terá assinatura de mais de uma dezena de acordos, além de solenidades no Palácio da Alvorada e no Itamaraty.

Serão assinados documentos em áreas como comunicação, infraestrutura e finanças -nos dois últimos, haverá criação de grupos de trabalho para avançar nos temas. Além disso, os chefes de Estado fazem uma declaração conjunta na residência oficial do presidente.

O aprofundamento das relações com a China, por outro lado, abre mais espaço para investimentos e comércio com o país asiático, enquanto o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu durante a campanha impor tarifas a produtos importados mesmo de aliados.

Depois de participar do G20, Xi Jinping desembarcou em Brasília na tarde desta terça-feira (19), onde foi recebido pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Ricardo Lewandowski (Justiça).

Na quarta-feira, o chinês será recebido no Palácio da Alvorada por Lula e pela primeira-dama, Janja. É incomum que chefes de Estado participem de cerimônias na residência oficial do presidente; elas costumam ocorrer no Planalto. Segundo o governo brasileiro, foi uma decisão conjunta.

Toda a visita é cercada de cuidado com a segurança. Além do acesso restrito, a comitiva reservou um hotel inteiro em Brasília para acomodar os integrantes da delegação. O local fica à beira do lago Paranoá e é o mais próximo da Alvorada.

O anúncio da entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota, o projeto chinês de investimentos, é há anos uma demanda da China que permeou a discussão de acordos entre os países e dividiu o governo brasileiro.

Interlocutores que acompanharam as negociações disseram que, no saldo geral, não seria positivo para o Brasil aderir à iniciativa, que hoje tem poucos países de peso. Além disso, nas mais recentes rodadas de conversa entre os dois países, os chineses teriam demonstrado que não seria mais tão vital a adesão à proposta, mas sim parcerias em investimentos de diferentes frentes.

Há uma avaliação na diplomacia brasileira de que o Brasil não precisa aderir ao projeto para acessar investimentos chineses, dada sua posição como maior país latino-americano e grande exportador principalmente de alimentos para a China -que pressiona para que Brasília declare entrada no projeto.

A pressão, mas em sentido oposto à de Pequim, vem também do outro lado do contencioso geopolítico.

No final de outubro, Katherine Tai, representante de Comércio dos EUA, afirmou em evento em São Paulo que o Brasil deveria pesar os riscos de aderir à iniciativa chinesa, mencionando questões de soberania nacional.

Há preocupações da ala econômica do governo, por exemplo, que se mostra mais cautelosa com a adesão e buscava adicionar condicionantes e mecanismos, como transferência de tecnologia, em meio aos debates. Segundo um interlocutor do governo, a decisão de não aderir à iniciativa foi anterior à eleição de Trump.

Um alinhamento comercial mais profundo com a China tem o apoio da Casa Civil, de líderes e ministros do governo e da ex-presidente Dilma Rousseff, à frente do Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai.

O ministro Carlos Fávaro (Agricultura) foi um dos que acharam positiva a adesão à iniciativa chinesa. “O Brasil não precisa criar contenciosos. No entanto, medidas protecionistas devem ser combatidas com a ampliação do leque de parceiros comerciais”, afirmou o ministro, em outubro, antes de se dizer favorável à ideia.

O assessor especial de Lula, Celso Amorim, voltou da China no fim daquele mês negando que havia interesse do governo em aderir formalmente à iniciativa e falando em aprofundar sinergias entre projetos prioritários chineses e brasileiros, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

A linguagem foi usada também pelo Itamaraty para se referir ao que se esperava da visita do líder chinês.
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Xi utilizou expressão semelhante -“reforço das sinergias entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil”- no único parágrafo que mencionava o projeto.

“No contexto de evolução rápida da nova rodada da revolução científica e tecnológica e transformação industrial, os nossos países devem agarrar as oportunidades futuras. Vamos promover continuamente o reforço das sinergias entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil, fortalecer constantemente a natureza estratégica, global e criativa da cooperação mutuamente benéfica China-Brasil, criar mais projetos exemplares que atendam a demandas futuras e trazem benefícios duradouros aos povos, e impulsionar o desenvolvimento comum dos nossos países e das nossas regiões”, escreveu Xi.

No artigo, Xi afirmou ainda que Brasil e China “entendem e apoiam os caminhos de desenvolvimento que o povo chinês e o povo brasileiro escolheram”.

O líder chinês esteve no Brasil pela última vez em 2019, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), para a cúpula do Brics, em Brasília.

A visita de Xi em 2024 coroa as comemorações dos 50 anos de relações diplomáticas Brasil-China e era vista como a oportunidade ideal para eventual anúncio do ingresso do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota.

Em abril, Lula fez uma visita de Estado a Xi, da qual saiu com 15 acordos assinados e afirmando que ninguém iria “proibir que o Brasil aprimore a sua relação com a China”. A adesão à iniciativa, no entanto, não foi efetivada.

Em seguida, em junho, uma comitiva de ministros liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin com dezenas de empresários brasileiros foi à China para se reunir com altas autoridades e empresários do país asiático, como o chanceler Wang Yi -também no Brasil para a visita de Xi e o encontro do G20, ocorrido no Rio.

Alckmin negou que a comitiva iria formalizar a adesão brasileira ao projeto, apesar de dizer que o tema estava em discussão. A negativa foi uma resposta a publicação do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), dizendo que o grupo foi a Pequim para finalizar as tratativas.

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