Humor francês, Pasquim e Léo Lins

(Foto: Genaro Servín/Pexels)

Sou da época em que o forte das piadas era sobre portugueses. Entende-se, minha infância e adolescência foi em Santos, onde a maioria da população era de imigrantes portugueses. Mas havia também piadas sobre os caipiras. Sempre surgia uma nova e todo mundo ria.

Como em casa não havia televisão, não conheci os humoristas populares da época, mas vez ou outra que vi ou ouvi, pode ser falha minha, havia mau gosto.

Gostei quando surgiu o Pasquim, alguns meses antes de deixar o Brasil e me tornar exilado em Paris, onde conheci o humor do Charlie Hebdo, que procurava ler. Nem sempre, por questão de economia, vivia com dinheiro curto. Comprar revista de humor era luxo!

Cheguei a colaborar nessa época com o Pasquim e estreei com página inteira falando do bidê e de suas muitas utilidades, pois há 55 anos, em Paris, era comum não haver chuveiro nos hotéis. Era o caso do Hotel Montesquieu, na rue de la Sorbonne, onde vivi mais de um ano até o nascimento de minha primeira filha. O texto era uma gozação irônica toda inventada.
 
O forte do Pasquim era ter Millor, Jaguar e Henfil. No Charlie Hebdo, havia sempre a capa de Wolinski, e o humor do Reiser, Cavanna, Gébé, sempre na base de ironias. Todos eles metralhados e mortos por dois islamitas, por terem publicado uma caricatura de Maomé na capa da revista.

E, não posso esquecer, havia o Coluche e suas irreverências. Algumas delas antissemitas.

Por que tantas reminiscências, se esse tipo de show não é a minha praia? Para poder introduzir aqui a onda provocada pela condenação do humorista Léo Lins por, ao que me parece, fazer humorismo racista.

Mas antes é bom lembrar a condenação do humorista francês Dieudonné na Suíça e na França por racismo, a penas bem menores que os oito anos de prisão contra Léo Lins. Dieudonné M’Bala M’Bala, de origem africana com formação católica, é criticado por suas ligações com os muçulmanos franceses e por fazer sketches e piadas antissemitas.

Até onde vai a liberdade de expressão? Em março de 2023, o Tribunal Federal suíço condenou o humorista Dieudonné por discriminação racial por ter negado a existência das câmaras de gás nazistas e por ter minimizado o Holocausto. Comentando essa condenação, o site suíço Direitos Humanos publicou como título: Caso Dieudonné – a liberdade de expressão não protege comentários negacionistas.

Chegamos, então, à condenação de Léo Lins a oito anos de prisão por comentários discriminatórios ou racistas. Vista de Portugal pelo jornal Público, a condenação gera debate e o jornal publica a foto do kit cadeia, presente recebido por Léo, se a prisão for confirmada depois do recurso interposto.

Os humoristas Fábio Porchat e Antônio Tabet consideram inaceitável essa condenação, enquanto a atriz Luana Piovani, residente em Portugal, aprova, e Ricardo Araújo Pereira considera uma sentença “grotesca”. O jornal Público cita até o The Washington Post que no seu comentário “trumpista” reforça a onda “bolsonarista” de haver limites à liberdade de expressão no Brasil.

O filósofo Hanry Bugalho comentou o livro do humorista, O Segredo da Comédia Stand-Up, no qual Lins afirma que nem tudo no palco é só piada, mas que o stand-up se baseia na verdade, no ponto de vista do comediante e não sua performance fictícia.

Ora, de acordo com Bugalho, isso compromete sua defesa, baseada em liberdade artística e dissociação entre autor e obra. Diante disso, como separar o humor da discriminação real? Donde a necessidade urgente de um debate sobre liberdade de expressão, responsabilidade e os limites do riso.

Outro filósofo, Paulo Ghiraldelli, critica o humorista Léo Lins por propagar a desumanização das minorias. E qual sua opinião?

Referências

https://www.jean-jaures.org/publication/charlie-712-le-regard-des-francais-sur-une-couverture-historique/

Coluche  https://www.youtube.com/watch?v=FGw2DCW5ypw

https://www.washingtonpost.com/world/2025/06/07/brazil-comedian-leo-lins-free-speech/

https://www.humanrights.ch/fr/pfi/droits-humains/discrimination/affaire-dieudonne-liberte-d-expression-ne-protege-propos-negationnistes

https://www.jean-jaures.org/publication/charlie-712-le-regard-des-francais-sur-une-couverture-historique/

Henry Bugalho https://www.facebook.com/watch/?v=1452764185735691

Paulo Ghiraldelli https://www.youtube.com/watch?v=ZBx81FBBW9w

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

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