CÉZAR FEITOZA E ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Em seu primeiro encontro com Jair Bolsonaro (PL) desde que fechou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid confirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (9) que o ex-presidente e aliados debateram formas de reverter o resultado da disputa que elegeu Lula (PT) em 2022.
O militar falou durante pouco mais de quatro horas, e os principais pontos de seu depoimento que implicam Bolsonaro são a edição da minuta de decreto que promoveria um golpe de Estado e a convocação dos chefes das Forças Armadas para discutir as medidas.
Cid repetiu detalhes da apresentação de uma minuta de decreto golpista para Bolsonaro e das alterações feitas pelo ex-presidente para adequar o documento às intenções do grupo que ocupava o Palácio do Planalto.
As defesas dos réus, porém, exploraram a falta de precisão sobre datas e reuniões para argumentar que as falas do militar não devem ser consideradas verdadeiras sem a apresentação de provas.
Segundo Cid, o decreto golpista tinha duas partes. A primeira descrevia, em dez páginas, o que o grupo político de Bolsonaro entendia como interferências do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no governo do ex-presidente.
A segunda parte descrevia as ações que seriam tomadas pelo presidente -a decretação do estado de defesa, a prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para organizar novas eleições.
“Ele enxugou o decreto”, disse Cid ao ministro Alexandre de Moraes, “retirando as autoridades das prisões só o senhor ficaria preso”.
O tenente-coronel afirmou ao Supremo que Bolsonaro pressionava o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, para incluir suspeitas de fraudes no relatório das Forças Armadas sobre a fiscalização do processo eleitoral entregue ao TSE.
“A conclusão mais técnica dos militares que estavam na comissão dizia que não foi encontrada fraude. O presidente Bolsonaro não queria isso, talvez incluísse as denúncias que foram levantadas. Algo para dar uma conotação de que havia fraude nas eleições”, disse.
Segundo o militar, Paulo Sérgio decidiu apresentar um meio-termo em seu relatório, concluindo que não foi identificada fraude, mas que não foi possível auditar o sistema eletrônico de votação.
Cid também destacou que Bolsonaro não queria a desmobilização dos acampamentos golpistas em frente aos quartéis espalhados pelo país. “O presidente deu a seguinte resposta: ‘Não fui eu que chamei eles aqui, não sou eu que vou mandar eles irem embora'”, afirmou.
A denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que o grupo criminoso que tentou dar um golpe de Estado incentivou a manutenção dos acampamentos para “dar continuidade ao sentimento de suspeita e de inconformidade popular”.
Cid chegou ao Supremo meia hora antes do início da sessão de depoimentos. Ele cumprimentou Bolsonaro e prestou continência aos generais-réus Augusto Heleno e Paulo Sérgio.
O militar estava preocupado com a manutenção de seu acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal. Como o ministro Luiz Fux sinalizou no julgamento do recebimento da denúncia, a delação de Cid segue em risco mesmo com o processo sobre a trama golpista perto de sua fase final.
Questionado por Moraes, Fux e o procurador-geral Paulo Gonet, Cid afirmou manter tudo o que disse à Polícia Federal.
Ele disse que prestou 12 depoimentos durante a investigação porque, em muitos casos, houve mais de uma sessão de perguntas por dia; em outros casos, a PF queria só confirmar algumas informações que surgiram com o avançar da investigação.
As defesas de Bolsonaro e do ex-ministro Braga Netto, porém, aproveitaram algumas imprecisões e o esquecimento de Cid para apontar omissões e mudanças de versões nos depoimentos.
O advogado Celso Vilardi, defensor do ex-presidente, apresentou um áudio enviado em novembro de 2022 por Mauro Cid para um interlocutor não identificado que falava sobre Bolsonaro ter se encontrado com empresários aliados, como Meyer Nigri e Luciano Hang, para dizer que não iria avançar com propostas golpistas -minutos antes, Cid disse que não sabia de tal encontro.
José Luis Oliveira Lima, advogado de Braga Netto, também pediu mais detalhes de Cid sobre o general ter entregue dinheiro vivo, em uma caixa de vinho, para financiar as ações golpistas.
Cid disse que não se lembrava do dia, do horário nem do local no Palácio da Alvorada que tinha recebido o dinheiro. Só se lembrava que guardou a caixa perto de sua mesa no escritório.
“Eu deixei [a caixa com o dinheiro] no batente da minha mesa, para ninguém ver. Me foi entregue; o local efetivo, não me lembro. Se foi na garagem ou outro lugar. Mas lembro que me marcou porque eu deixei do lado do meu pé, para ninguém mexer”, afirmou.
Os réus do processo sobre a trama golpista seguirão prestando depoimentos durante a semana. Mauro Cid foi o primeiro a falar, por ser colaborador da investigação, e Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) também foi questionado no primeiro dia.
A lista continua nesta terça-feira (10) por ordem alfabética: Almir Garnier (ex-chefe da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).