FÁBIO PUPO E ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A relação entre Ministério da Fazenda e o Banco Central, marcada no começo do ano por um clima pacífico -em contraste com a beligerância do governo Lula (PT) com a gestão de Roberto Campos Neto-, dá sinais agora de fim da lua de mel entre Gabriel Galípolo e Fernando Haddad.
Às diferenças de visão sobre o efeito do patamar dos juros na economia, que já produzem mal-estar nos bastidores, se somam o incômodo com o anúncio do decreto de alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) nas operações de crédito, câmbio e seguro.
O episódio revelou publicamente um desalinhamento de estratégia, após a promessa de uma ação harmônica da política econômica do Ministério da Fazenda e do BC.
Galípolo deixou claro publicamente que não foi informado da decisão, como também se manifestou contrário à medida. O clima entre os dois esquentou nos bastidores com cobranças dos dois lados.
Apesar da crise, os dois lados da relação buscaram na sexta-feira (23) colocar panos quentes, com troca de elogios e tentativa de transmitir uma ideia de realinhamento. Galípolo afirmou que Haddad deve ser louvado por recuar com rapidez das mudanças no IOF, enquanto um interlocutor da Fazenda ouvido pela Folha de S.Paulo disse que a confiança no presidente do BC continua existindo.
Logo após o anúncio de elevação no IOF, Galípolo demonstrou ao Ministério da Fazenda incômodo pelo fato de auxiliares de Haddad terem dito que o presidente da autoridade monetária estava ciente da iniciativa. A medida estava repercutindo mal no mercado financeiro, que apontava para o risco de a decisão ser interpretada como controle de capital.
Haddad, ao tomar ciência do desconforto, publicou em rede social que Galípolo não havia sido avisado das medidas -contrariando o que havia dito horas antes o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan. A explicação oficial da Fazenda para a aparente diferença nas versões é que havia troca de informações gerais sobre as medidas a serem tomadas, mas não de forma detalhada sobre o aumento do IOF.
De acordo com um interlocutor do Ministério da Fazenda, Galípolo foi ouvido quanto a possíveis mudanças de IOF apenas no momento da elaboração do projeto do Imposto de Renda -antes mesmo de ele assumir a presidência da autoridade monetária. O plano em discussão versava sobre a taxação no câmbio em casos de remessas de dividendos para o exterior.
A ideia acabou sendo descartada na época, diante do temor de que a medida poderia significar controle de capital, o mesmo motivo que levou ao recuo no IOF nesta semana.
Na quinta (22), Galípolo repassou à Fazenda -logo após o anúncio do aumento do IOF- os alertas que recebeu de agentes financeiros, que em parte também comunicaram as preocupações diretamente a Haddad. A Fazenda então decidiu recuar de parte das medidas.
“Minha antipatia, resistência, não gostar da ideia de você utilizar a alíquota de IOF como expediente para você tentar perseguir a meta fiscal decorre justamente desse receio [no mercado]”, declarou Galípolo em evento na sexta.
Esse não foi o primeiro episódio de incômodo na relação. O mal-estar já esteve presente nas discussões sobre como o atual patamar da taxa básica de juros, a Selic, está impactando a economia.
Em fevereiro, a subsecretária de Política Macroeconômica da Fazenda, Raquel Nadal, afirmou que, ainda que Galípolo não visse com certeza uma desaceleração econômica, a própria autoridade monetária já estaria contemplando esse cenário ao estimar para 2025 um crescimento de 2%. A declaração não foi bem recebida no BC.
Nos últimos dias, Galípolo reiterou sua visão de que os indicadores de atividade continuam demonstrando resistência mesmo com o ciclo de aperto monetário e sugeriu que os canais de transmissão estão obstruídos. Ou seja, que os efeitos de uma Selic mais alta podem não estar chegando ao destino como seria esperado.
“O que é estranhíssimo no Brasil é isso. Como você convive com taxas de juros em um patamar que, para qualquer outra economia, seria bastante restritivo e ainda assim está assistindo ao nível de desemprego mais baixo da série histórica, ao nível de renda mais alto da série histórica e a uma série de dados que estão demonstrando um dinamismo alto da economia”, afirmou na segunda (19).
No mesmo dia, em entrevista sobre a nova projeção do governo para PIB e juros (uma elevação em ambos os casos), Nadal colocou em dúvida a tese, mencionando uma queda principalmente em indicadores de crédito. “[O canal de transmissão] está entupido, mas até que ponto? Acho que a gente tem que esperar mais um pouco para afirmar com convicção que de fato está entupido”, disse.
O secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, afirmou no mesmo dia que os juros já impactam as projeções. “Nós acreditamos que a política monetária está em um campo bastante restritivo. E isso tem impactado inclusive a nossa própria projeção para o segundo semestre. Isso quer dizer que a economia vai entrar em crise? Não, mas que vai ter uma desaceleração na segunda parte do ano e isso tem a ver em grande parte com a política monetária”, afirmou.
Procurado para falar sobre o assunto, um representante da Fazenda minimizou as diferenças de visão afirmando que os modelos analisados pela Secretaria de Política Econômica da Fazenda e aqueles observados pelo BC são diferentes. Até mesmo por isso, historicamente os números calculados pelos dois lados seriam diferentes.
A situação é comparada a uma pesquisa que ouça, por exemplo, dez economistas. De acordo com a visão expressa pelo membro da pasta, a existência de pontos de vista diferentes não significa necessariamente um desentendimento.
Por parte de Galípolo, também houve uma busca por desagravos aos antigos colegas da Fazenda. Ele fez elogios à “agilidade” na resposta do ministério ao recuar em parte das medidas anunciadas na véspera.
“O ponto principal é isso: está claro para todo o mercado que a intenção [do projeto do IOF] era um objetivo de ordem fiscal. E a agilidade com que o Ministério da Fazenda atuou para que não tivéssemos maiores problemas”, disse.