Depois de dois anos, o Nordeste vai superar o Sul e voltará a ocupar o segundo lugar como centro de consumo do Brasil, ficando atrás apenas do Sudeste. Em valores, as famílias dos Estados nordestinos vão gastar R$ 1,515 trilhão em 2025.
O Nordeste deverá responder por 18,59% do consumo brasileiro neste ano, enquanto Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná devem representar, juntos, uma fatia de 18,51%, revela o levantamento anual da consultoria IPC Maps. No ano passado, a participação dessas regiões foi de 18,06% e 18,57%, respectivamente.
Ao todo, as famílias brasileiras deverão movimentar R$ 8,151 trilhões, uma alta de 3,01% na comparação com 2024. Pontualmente, a inversão de posição entre Nordeste e Sul é explicada por uma combinação de fatores.
De um lado, os estragos provocados pelas enchentes no Rio Grande do Sul afetaram a economia local. De outro, os Estados nordestinos refletem uma série de benefícios para a região, como o bolsa família, o aumento do salário mínimo e investimentos bilionários em energia renovável. Junta-se a isso outra força importante para o Nordeste: o turismo, que ajuda a movimentar a economia local.
“O Nordeste ultrapassou a região Sul em 2008, mas perdeu essa posição por causa da pandemia”, afirma Marcos Pazzini, sócio da IPC Marketing. “Agora, por causa das enchentes, pela volta do fluxo de turistas à sua normalidade e com o real desvalorizado, o Nordeste voltou a crescer e retornou para a segunda posição.”
A desvalorização do real em relação ao dólar − a moeda brasileira chegou a ser cotada a R$ 6,30 no fim do ano passado − encareceu as viagens internacionais para brasileiros, mas deixou o turismo local mais barato para estrangeiros.
Nos primeiros quatro meses deste ano, as estatísticas do Ministério do Turismo mostram que os aeroportos internacionais do Nordeste receberam 159.149 estrangeiros. É um contingente maior do que o apurado nos primeiros quatro meses do ano passado, quando 105.358 turistas desembarcaram no País.
“O Nordeste tem vários segmentos formais e informais voltados para o turismo”, diz Michelle Silva, integrante do conselho de administração da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) Nacional. “A perspectiva é de um crescimento ao longo de todo este ano.”
Historicamente, o Nordeste sempre foi a região brasileira que mais se beneficiou do turismo. Em 2023, segundo o último anuário da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo), o faturamento da região foi de R$ 4,56 bilhões, o equivalente a 39,6% do total do Brasil.
“Basicamente, todas as capitais do Nordeste têm no turismo um vetor econômico. E é possível identificar locais na região em que, eventualmente, o turismo é a única ou a principal fonte de renda e geração de emprego para uma determinada comunidade”, afirma Marina Figueiredo, presidente executiva da Braztoa.
“A atividade do turismo é muito diversa na geração de emprego. Quando um hotel começa a funcionar, ele vai oferecer oportunidade de emprego para camareira, garçom, chefe de cozinha, gerente. Todos os perfis da sociedade acabam sendo contemplados”, acrescenta.
Como o restante do Brasil, a região observou uma melhora do mercado de trabalho. A taxa de desemprego média recuou de 11,2% para 9,4% de 2023 para 2024 e alcançou o patamar mais baixo desde 2014. No ano passado, a renda do trabalho subiu 10,3% − um ritmo mais acelerado do que a do conjunto do País (7,6%).
Impacto das transferências
O crescimento do turismo local conta apenas uma parte do desempenho econômico nordestino. Há outros motores que também estão beneficiando a região nos últimos anos. Segunda região mais populosa do País, com cerca de 55 milhões de habitantes, o Nordeste tem se beneficiado pelo aumento de transferências de renda, pela valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, que reverbera em aposentadorias e benefícios sociais, e pelo fortalecimento do mercado de trabalho.
“Qualquer variação na renda, seja a renda do trabalho ou de outras fontes, tem um peso importante no mercado consumidor porque a população é muito grande”, afirma Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).
No Nordeste, cerca de 10 milhões de famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família. Por mês, o programa representa uma injeção de recursos de R$ 6,4 bilhões para a região, calcula Ataliba. No caso das aposentadorias, a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS deve colocar mais R$ 15,76 bilhões nas mãos das famílias nordestinas.
“Grande parte da população que recebe tudo isso está na zona rural. São pessoas que vão movimentar o mercado local, e isso amplifica muito a cadeia de negócios que se gera a partir dessa movimentação”, diz Ataliba.
“Políticas de transferências têm limite tanto do ponto de vista fiscal como de estímulo à participação no mercado de trabalho. O que precisamos é de ganhos de produtividade a partir do crescimento do empreendedorismo, e isso é mais necessário ainda no Nordeste”, acrescenta.
Crescimento acima da média
Em 2025, a economia do Nordeste deve apresentar um crescimento superior ao do Brasil. A consultoria Tendências projeta que a região deve avançar 2,2%, acima do 1,9% esperado para todo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
“A economia do Nordeste ainda tem um rescaldo do consumo e do mercado de trabalho. Em 2025, deve desacelerar, mas, ainda assim, deve ter um desempenho ainda um pouco acima do Brasil”, afirma Camila Saito, economista e sócia da consultoria Tendências.
Os melhores desempenhos econômicos serão do Norte, ajudado pela indústria extrativa, e do Centro-Oeste, turbinado pela supersafra deste ano.
No longo prazo, entre 2027 e 2034, no entanto, a projeção da Tendências é de que o Nordeste ganhe protagonismo e colha um crescimento mais acelerado do País, superior à média nacional. O PIB dos Estados da região deve avançar 3,2% ao ano, acima da previsão para o Brasil (2,3%).
Entre os motores que devem puxar o Nordeste, estão a exploração de gás natural e petróleo, os investimentos em energia eólica e no setor de saneamento e do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Em 2024, dos 76 parques eólicos instalados no Brasil, 73 estavam no Nordeste, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica). No total, foram investidos só no ano passado cerca de R$ 10 bilhões − entre 2015 e 2024, o montante investido foi US$ 42 bilhões (R$ 237 bilhões pela cotação de sexta-feira, 16).
A cada R$ 1 que se investe em energia você devolve para o PIB R$ 2,9. Há um efeito de cadeia produtiva para todo o País. Para o Nordeste, o efeito é ainda mais amplo, pois nos últimos anos o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios) cresceu 20% com a chegada dos parques eólicos, segundo a Abeeólica.
Os parques solares também atraíram bilhões de reais em investimentos nos últimos anos − e a tendência é que continuem impulsionando o desenvolvimento da região. Segundo dados da Absolar, entidade que representa as empresas do setor, há quase 5 mil MW de usinas em construção no Nordeste. Esse avanço contribui para a geração de renda e movimenta a economia local.
Estadão Conteúdo