Por Ludmilla Oliveira e Victória Souza
O universitário tira da mochila um celular e passa a gravar a aula. A cena deixa desconfortáveis tanto o professor como alunos. Pela legislação atual, essa prática necessita de autorizações.
A professora de direito digital Carolina Jatobá, do CEUB, afirma que não há uma lei que trate exclusivamente de gravações em ambientes educacionais, mas que o tema pode ser compreendido a partir de diferentes marcos legais.
”Primeiro, a Lei nº 9.610/98, que trata dos direitos autorais, protege a produção intelectual do professor, ou seja, o conteúdo da aula pertence a quem a elaborou e sua divulgação requer autorização. Já o artigo 20 do Código Civil garante o direito à imagem e à voz’.
Direito de cátedra
Ela acrescenta que a Constituição Federal, no artigo 206, assegura o chamado “direito de cátedra”, ou seja, a liberdade do docente de ensinar da forma que considerar mais adequada, sem intimidação, o que poderia ocorrer caso se sinta vigiado por gravações não autorizadas”
Ela afirma também que, a realização de gravações dentro de sala de aula não é proibida desde que a finalidade seja pessoal, mas, se o objetivo for comercial ou envolver divulgação externa é necessário não apenas o aval do professor, mas também o da instituição de ensino.
“Gravações feitas para publicação em redes sociais também exigem autorização expressa. Caso a postagem seja feita pelo próprio professor em sua rede pessoal, buscando engajamento ou valorização profissional, entende-se que há uma autorização tácita, pois ele mesmo está optando por divulgar o conteúdo. No caso de perfis institucionais ou de terceiros, é necessária autorização formal do professor ou previsão contratual que permita essa exposição.”
Carolina Jatobá também esclarece métodos que professores e instituições de ensino podem adotar para proteger sua imagem e privacidade no ambiente escolar
“O ideal é que o professor manifeste, antes do início das aulas, sua decisão quanto à autorização ou não de gravações. Isso pode ser feito por meio do plano de aula, em comunicado verbal ou por orientação da própria instituição, que pode adotar medidas preventivas, como a fixação de placas proibindo gravações. Caso essa regra seja descumprida, é possível inclusive aplicar sanções disciplinares previstas no regimento escolar”, afirma.
Gravações em sala de aula e a lei
Com a recente lei que restringe o uso de aparelhos celulares em sala de aula, as escolas passaram a ter maior respaldo. Ainda assim, Márcia ressalta que os professores que se sentirem prejudicados podem procurar o sindicato, que está preparado para tomar providências e criar estratégias de proteção à carreira docente.
Ela comenta ainda que a possibilidade de ser gravado sem consentimento tem mudado a postura dos professores em sala de aula. “Eles precisam estar escolhendo as palavras o tempo inteiro”, observa.
“Essas gravações cerceiam. E inibem, inclusive, o desenvolvimento de projetos que são extremamente importantes para entender a sociedade e a diversidade dessa sociedade”, afirma a diretora do sindicato dos professores.
Diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Márcia Gilda explica que a entidade é contrária às gravações não autorizadas em sala de aula.
Segundo ela, essa prática foi incentivada pelos adeptos da ideia de “Escola sem Partido”, que lançaram suspeitas de que os professores poderiam priorizar temas de cidadania com o foco de beneficiar “ideologias de esquerda”. De acordo com a dirigente da entidade, essa ação, na verdade, buscar cercear a liberdade de expressão e a liberdade de cátedra dos professores.
O sindicato tem recebido denúncias relacionadas a essas gravações, que, muitas vezes, são retiradas de contexto e geram prejuízo significativos à imagem e à vida profissional dos educadores.
Como exemplo, Márcia cita o caso recente de uma professora que, ao lecionar sobre religiões de matriz africana, teve sua aula gravada sem autorização. O conteúdo foi editado, descontextualizado e levado à Câmara Legislativa.
“Querem fazer política”
“Partindo do princípio que você pode lidar com estudantes que vão com o intuito de fazer política dentro da sala de aula, o uso de celulares, gravadores, câmeras e vídeos começa a se transformar problemático, se transforma numa ameaça para aquele ambiente”, afirma o antropólogo e educador Lourenço Cardoso.
Ele é professor universitário e acredita que o uso de gravadores em sala de aula pode se tornar problemático a partir do intuito do uso da gravação por aquele aluno.
O professor, que leciona no ensino superior há mais de 15 anos, afirma que nunca passou por nenhuma situação desconfortável dentro de sala de aula que esteja ligada à gravação indevida por parte dos alunos e acredita ser um problema da atualidade.
“A tecnologia tem avançado de uma forma muito acelerada. Novas ferramentas vão emergir, novos dispositivos, novas consequências, novos problemas. […] Então, o que a gente vê, na verdade, é um sintoma dessas mudanças.”
Lourenço acredita que o uso de gravadores pode ser útil para aqueles alunos que gravam com o objetivo de recuperar o conteúdo que foi ministrado. Ele completou ainda que considera problemático a partir do momento em que o uso dessa gravação é distorcido, sendo usado não só para fins polêmicos mas também tirado de contexto.
“A ferramenta em si não é um problema, mas o uso que é feito dessa ferramenta e para onde esse material vai, e o propósito desse uso.”
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira