Portugal às urnas: um país diante do espelho

Por: Angelina Oliveira

Há momentos em que um país se olha nos olhos. Amanhã, Portugal terá diante de si o espelho de sua própria história e a urna como voz. Em 18 de maio, os eleitores portugueses voltam às urnas para decidir não apenas quem governará, mas que tipo de democracia desejam construir daqui em diante.

Esta eleição legislativa, convocada após a queda do governo da Aliança Democrática em março deste ano, nasce do cansaço político e da fratura de uma confiança. O então primeiro-ministro Luís Montenegro perdeu uma moção de confiança no Parlamento, abalado por denúncias de conflito de interesses envolvendo a empresa familiar Spinumviva, que mantinha contratos com entidades privadas sob concessões públicas. O governo minoritário caiu e com ele, a promessa de estabilidade que mal chegou a amadurecer.

Agora, Portugal recomeça. Mais uma vez.

O sistema eleitoral português, regido pelo método proporcional de Hondt, distribui os 230 assentos da Assembleia da República conforme o peso de cada legenda nas urnas. Não há voto obrigatório, como no Brasil. Não há sequer a figura de um “presidente forte” para centralizar esperanças ou frustrações.

Aqui, governa-se por composição ou não se governa. O voto pode ser presencial nas assembleias de voto, por correspondência para eleitores no exterior, ou antecipado em mobilidade. A participação, embora facultativa, será decisiva. A abstenção, que rondou os 42% nas últimas
eleições, é um fantasma que paira sobre cada pleito e ameaça a legitimidade de qualquer futuro governo.

Quem são os protagonistas deste novo capítulo?

De um lado, Luís Montenegro (Aliança Democrática), representante de uma direita tradicional, que promete baixar impostos, endurecer a política migratória e restaurar a confiança nas instituições. Sua queda precoce do governo, no entanto, fragilizou sua imagem.

Do outro, Pedro Nuno Santos (Partido Socialista), ex-ministro das Infraestruturas e figura ascendente da esquerda. Tenta reerguer o PS após a renúncia de António Costa, envolvido num escândalo de corrupção do qual foi posteriormente afastado, mas que deixou marcas profundas na sigla.

Na extrema-direita, André Ventura (Chega) surfa uma onda populista com discursos inflamados sobre imigração, criminalidade e valores tradicionais.

Mesmo após dois episódios de colapso de saúde durante a campanha, segue mobilizando um eleitorado descontente, que vê no radicalismo um grito de socorro.

A Iniciativa Liberal, com Rui Rocha, busca ocupar o espaço do centro-direita moderno, com propostas de desburocratização, privatizações e liberdade econômica. Já os partidos da esquerda histórica, Bloco de Esquerda e CDU, lutam por relevância em meio à pulverização do campo progressista.

Entre os menores, Livre e PAN — partidos verdes, identitários e alternativos — apostam em agendas como ecologia, bem-estar animal, justiça climática e representatividade, tentando conquistar um eleitorado jovem e urbano.

E o que está em jogo?

Mais do que a formação de um novo governo, o que se decide neste domingo é o próprio fôlego da democracia portuguesa. Com um Parlamento cada vez mais fragmentado, e uma sociedade dividida entre passado e futuro, tradição e inovação, o país precisa reencontrar caminhos comuns, ou aprender a conviver com a instabilidade.

Portugal não elege um salvador. Portugal escolhe um caminho.

Se há algo que diferencia este país do Brasil , além das diferenças institucionais, do voto facultativo, do sistema parlamentarista e das listas partidárias, é a consciência coletiva de que a democracia se faz no plural. Aqui, cada voto vale como parte de um mosaico político complexo.

Não há vencedores absolutos. Há coalizões possíveis ou impasses duradouros. Que o cravo da revolução de Abril não murche à sombra de extremismos. Que o povo que ontem recuperou a palavra não a entregue, amanhã, ao medo ou à manipulação. A urna é um espelho. E o reflexo que dela emergir revelará muito mais do que uma preferência eleitoral. Revelará o que Portugal quer ser

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