VICTORIA AZEVEDO, CATIA SEABRA E RANIER BRAGON
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
De volta de viagens internacionais, o presidente Lula (PT) tem pela frente a administração da crise interna causada pelo escândalo dos descontos ilegais em aposentadorias e pensões no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), com a possível instalação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) no Congresso, tudo isso em meio a atritos internos entre ministros e dentro de sua instável base de apoio.
Os novos focos de desgaste acontecem num momento em que o governo trabalhava para reverter a queda de popularidade da gestão. Os dois episódios foram amplamente usados pela oposição para atacar o Executivo e, segundo pesquisas internas, neutralizaram o esforço de recuperação da avaliação do presidente.
Lula viajou acompanhado de uma comitiva com parlamentares e ministros de seu governo para a Rússia no último dia 7 e de lá seguiu para a China, onde ficou até quarta-feira (14). Nesta quinta-feira (15), esteve no Uruguai para o funeral de José Pepe Mujica.
A viagem à China ficou marcada pelo vazamento de uma conversa que o petista e a primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja, tiveram com o líder chinês, Xi Jinping, sobre a rede social TikTok.
Embora Lula tenha negado desconforto com as autoridades de Pequim, o episódio expôs o governo, com acusações sobre quem foi o responsável pela divulgação à imprensa, e irritou o presidente da República, que publicamente criticou o ocorrido.
Como a coluna Mônica Bergamo informou, o petista fez questão de deixar claro aos ministros que viajaram que estava contrariado e inconformado com o vazamento da conversa.
De acordo com dois integrantes da comitiva, Lula, inclusive, proibiu que qualquer autoridade que viajava com ele de volta ao Brasil descesse do avião em parada na Rússia -o que foi interpretado como uma tentativa do presidente de impedir novos vazamentos, explicitando o clima de desconfiança entre os integrantes do governo.
Além disso, segundo relatos feitos à reportagem, o ministro Rui Costa (Casa Civil), apontado como principal suspeito de vazar a conversa, queixou-se a interlocutores durante o voo. De acordo com dois integrantes da comitiva, afirmou que não precisa se preocupar somente com seus adversários políticos, mas também com os próprios aliados.
Na véspera do retorno ao Brasil, aliados do presidente da República diziam esperar de Lula uma postura ativa para conter os atritos entre integrantes de seu governo e evitar que esses conflitos gerassem novos desgastes à imagem de sua gestão.
Além do clima de disputas internas relacionadas ao episódio do vazamento, recentemente Rui Costa expôs publicamente divergências com o ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Vinicius de Carvalho, sobre o escândalo do INSS.
Em meio ao detalhamento de medidas de combate às irregularidades, Carvalho viu-se obrigado a responder se não havia informado o governo sobre os indícios de irregularidades já no curso das investigações. Integrantes do governo reclamaram internamente dessa conduta. Crítica nesse sentido veio à tona em entrevista de Rui Costa ao jornal O Globo.
Sob pressão no Palácio do Planalto, o chefe da CGU defendeu seus procedimentos, listando reuniões ocorridas ao longo do processo, mas não rebateu diretamente as críticas do colega da Casa Civil.
“Vivemos um momento em que algumas informações são tratadas de forma inadequada para gerar desinformação. É prejudicial”, disse. “O presidente Lula nos orienta a não tergiversar em relação ao combate às fraudes. Foi o governo do presidente Lula que garantiu a garante a autonomia necessária para coibir esse tipo de coisas.”
Como a reportagem mostrou, apesar de o Palácio do Planalto ser contra, integrantes do governo e parlamentares da base aliada reconhecem dificuldades para impedir a instalação da CPMI do INSS no Congresso.
Esse cenário já levou aliados de Lula a passar a discutir e traçar estratégias para conter danos, com foco, sobretudo, na ampliação da investigação para colocar também o governo Jair Bolsonaro (PL) no centro dos trabalhos da comissão.
Em meio à pressão do Congresso , na sexta-feira (16), o presidente se reuniu com ministros do núcleo duro do Palácio do Planalto e com Wolney Queiroz, da Previdência Social.
Estiveram presentes Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais), Sidônio Palmeira (Secom) e Rui Costa, além do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).
O Executivo é contra a instalação por temer a condução de uma investigação sob forte influência da oposição.
Além disso, há uma avaliação de que, com o funcionamento da CPMI, projetos considerados prioritários pelo governo federal e que estão em tramitação no Congresso ficariam em segundo plano no debate dos parlamentares, caso da proposta que dá isenção do IR (Imposto de Renda) para quem ganha até R$ 5.000.
Desde que a Polícia Federal e a CGU deflagraram a operação, integrantes do Palácio do Planalto e governistas têm adotado o discurso de que as ilegalidades começaram em gestões anteriores, mas foram expostas e investigadas no governo petista. Essa deverá ser a linha usada caso a CPMI seja instalada.
A ideia será tentar ocupar espaços considerados chave no colegiado, numa tentativa de partir para o confronto com a oposição.
Apesar disso, há ainda um receio de como a base do governo federal atuará na comissão, diante de queixas de congressistas sobre o pagamento de emendas parlamentares e o que consideram uma paralisação do Executivo, sem apresentação de programas ou propostas para reverter a queda de popularidade.
Também existem críticas de integrantes do centrão sobre as trocas ministeriais realizadas por Lula. O presidente sinalizou a auxiliares que o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) deverá ser anunciado ministro da Secretaria-Geral da Presidência no lugar de Márcio Macêdo (PT).
A provável ida de Boulos para um assento no Planalto gerou resistência do centrão. Eles afirmam que esse movimento, se concretizado, será mais uma sinalização de que o Executivo busca acenar à esquerda.
Nas palavras de um deles, isso também aumenta a pressão interna que esses partidos recebem de seus representantes por um afastamento da base do governo federal. Outro político do grupo afirma que a situação reflete uma perda de capacidade do Executivo em dialogar com o centro.