A geopolítica dos bilhões: Brasil, China e a nova ordem global

(Foto: Ricardo Stuckert / PR)

O vultoso anúncio desta segunda-feira, 12 de maio de 2025, feito pelo presidente da Apex Brasil, Jorge Vianna, de um investimento chinês robusto, estimado em R$ 27 bilhões (US$ 5,2 bilhões) sinaliza uma intensificação das relações bilaterais Brasil-China. Esse aporte financeiro possui o potencial de impulsionar setores estratégicos da economia nacional, consolidando o papel do Brasil como um protagonista na cooperação entre os países do Sul Global.

As relações entre Brasil e China, estabelecidas oficialmente em 1974, têm se desenvolvido de maneira acelerada nas últimas décadas, em especial a partir dos anos 2000, impulsionadas por uma conjuntura internacional favorável à ascensão dos países do Sul Global e pela demanda chinesa por commodities.

Segundo Eduardo Costa Pinto (2020), a inserção do Brasil no ciclo expansivo da China tem ocorrido, majoritariamente, como fornecedor de produtos primários, o que evidencia uma reprimarização do modelo exportador brasileiro. Essa dependência de commodities acarreta uma vulnerabilidade externa significativa, especialmente diante das oscilações da demanda chinesa e das mudanças em sua política industrial.

No plano geopolítico, a intensificação da parceria com a China ganhou contornos formais durante a cúpula do BRICS em Ecaterimburgo, Rússia, em junho de 2009. Nessa ocasião, os chefes de Estado dos países-membros, estabeleceram um mecanismo de cooperação econômica buscando fortalecer a representatividade das nações emergentes em instituições financeiras internacionais.

De acordo com dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC, 2021), entre 2007 e 2020 os investimentos chineses no Brasil totalizaram mais de US$ 66 bilhões, com destaque para energia, infraestrutura e tecnologia. Embora esses investimentos tragam capital e expertise, Fernandes (2020) adverte que a falta de regulação e de uma política industrial autônoma pode levar à “dependência tecnológica e à perda de soberania sobre setores estratégicos”.

Porém é importante ressaltar que a partir de 2023, com a posse de Lula, as relações China–Brasil se intensificaram e a pergunta que fica no ar é: será que estamos presenciando a volta da política diplomática ativa e altiva cunhada pelo ex-ministro Celso Amorim?

A política externa ativa e altiva, defendida por Celso Amorim, preconizava a autonomia do Brasil na definição de suas prioridades, sem submissão a agendas de potências hegemônicas. O objetivo era projetar o país como um ator global influente, capaz de defender seus interesses e de contribuir para a construção de uma ordem internacional multipolar, onde o Brasil desempenharia um papel relevante. 

Diante do exposto, e das incertezas, torna-se necessário o Brasil formular uma política de desenvolvimento autônomo que estabeleça suas prioridades soberanamente para guiar os investimentos e garantir a continuidade das políticas, independentemente de mudanças de governo. Ao definir suas prioridades de forma independente, o país poderá evitar a substituição de uma dependência existente por uma nova estrutura que o mantenha sob a influência dos interesses do capital internacional. Fernandes (2020) chama atenção para o fato de que, na ausência de uma política nacional de desenvolvimento industrial, o Brasil pode se tornar “mero receptáculo de capitais e tecnologias exógenas”, perpetuando sua condição periférica.

Para que os investimentos chineses impulsionem a diversificação produtiva e a integração em cadeias globais de valor, torna-se imprescindível a adoção de um plano estratégico abrangente. Este deve articular a capacitação profissional para a inovação tecnológica com a criação de parcerias com universidades e centros de pesquisa em setores promissores como biotecnologia e energias renováveis, impulsionando o país rumo a atividades de maior valor agregado.

Implicações geopolíticas

A intensificação dos investimentos chineses no Brasil deve ser lida à luz de transformações mais amplas na geoeconomia global e da ascensão da China como ator central na redefinição da ordem internacional. Eles representam um movimento dentro de um tabuleiro global maior, marcada por uma estratégia de expansão econômica baseada no que se denominou chamar de (…) “Nova Rota da Seda (New Silk Road) ou Belt and Road Initiative (BRI), um conjunto de programas de investimentos chineses, inicialmente focados em infraestrutura, lançado em 2013, pelo presidente Xi Jinping, que constitui uma grande plataforma de aplicação de investimentos em diversos setores produtivos. Provavelmente ele resulta de um projeto de globalização com características chinesas e certamente serve aos objetivos de desenvolvimento e segurança do país no longo prazo” (2021).

Esses investimentos tecnológicos e de infraestrutura acabam por proporcionar um tensionamento na hegemonia tradicional do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental, promovendo uma abertura de espaço para novas formas de inserção internacional dos países do Sul Global. O Brasil, ao receber esses investimentos, também se coloca dentro dessa dinâmica de transformação global, com implicações para sua própria economia e inserção internacional.

O cenário atual também apresenta janelas de oportunidades significativas. O enfraquecimento das instituições multilaterais, como salienta Alfredo (2025), e o surgimento de fóruns como o BRICS, o Novo Banco de Desenvolvimento e a cooperação Sul-Sul podem oferecer instrumentos para a construção de uma política externa mais soberana e convergente com um projeto nacional de desenvolvimento.

O IPEA (2023) destaca que os investimentos chineses podem contribuir para a reindustrialização brasileira e para o fortalecimento da infraestrutura logística, desde que acompanhados por políticas de conteúdo nacional e exigência de transferência tecnológica.

Em suma, o futuro das relações Brasil-China demanda mais que pragmatismo; exige um projeto político robusto que alinhe interesses internos a uma estratégia externa soberana. A meta é clara: superar a armadilha da dependência e construir uma inserção internacional ativa, crítica e transformadora, onde o desenvolvimento nacional se torne o motor central da nossa atuação na geoeconomia, ditando o ritmo e a direção, e não apenas seguindo o fluxo de capitais externos.

 Bibliografia

Agencia Brasil – Brics fomenta cooperação entre economias emergentes há 13 anos. Brasilia 11/11/2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/brics-fomenta-cooperacao-entre-economias-emergentes-ha-13-anos

Alfredo, Mauricio – O desafio civilizacional de conter o unilateralismo e reinventar o multilateralismo – Observatório da Imprensa – 24 de abril de 2025, edição 1335. Disponível em: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/internacional/o-desafio-civilizacional-de-conter-o-unilateralismo-e-reinventar-o-multilateralismo/

Andrade, Mayara Amaral de – A política ativa e altiva de Celso Amorim – Diário das Nações https://diariodasnacoes.wordpress.com/2020/09/14/a-politica-ativa-e-altiva-de-celso-amorim/

CEBC – Conselho Empresarial Brasil-China.

Relatórios anuais e estudos específicos sobre investimentos chineses no Brasil: https://www.cebc.org.br

FERNANDES, Rubens Barbosa. China: o parceiro estratégico do Brasil. In: Cadernos Adenauer, vol. 20, 2020.

IPEA – – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.  A NOVA ROTA DA SEDA E A PROJEÇÃO ECONÔMICA INTERNACIONAL DA CHINA: REDES DE FINANCIAMENTO E FLUXOS DE INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO (IED) – Boletim de Economia e Política Internacional n. 31 | Set./Dez. 2021. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11116/4/bepi_31_nova_rota.pdf

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasil e China: um caso de geoeconomia híbrida. Texto para Discussão nº 2912, 2023. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/12317/1/TD_2912_web.pdf

PINTO, Eduardo Costa. A China e a economia política do desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2020.

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Mauricio Alfredo é Mestre em Educação, Professor de Geografia, Geopolítica e Atualidades no Ensino Médio e Superior. Autor de material didático junto à Editora Companhia da Escola.

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