Rússia lança moeda digital estatal para driblar sanções e desafiar hegemonia do dólar

Embora o governo russo defenda que a iniciativa busca estabilidade, autoridades americanas e europeias já demonstram preocupação com o potencial da moeda (Foto Divulgação)

Em um movimento que promete repercutir nos mercados globais e no tabuleiro geopolítico, a Rússia anunciou oficialmente, nesta quarta-feira, o lançamento do seu “rublo digital” — uma moeda virtual emitida e controlada pelo Banco Central russo, com o objetivo de contornar sanções ocidentais e reduzir a dependência do sistema financeiro dominado pelo dólar.

A nova moeda digital estatal (CBDC, na sigla em inglês) será testada inicialmente em transações domésticas entre cidadãos e empresas, mas o governo de Vladimir Putin já sinalizou que pretende ampliar o uso internacional, especialmente em operações com países considerados “amigos”, como China, Irã, Índia e integrantes do BRICS.

“O rublo digital representa um passo estratégico rumo à soberania financeira total da Rússia”, afirmou Elvira Nabiullina, presidente do Banco Central da Rússia, em coletiva de imprensa. “Nosso objetivo é garantir que o comércio e os pagamentos internacionais não fiquem reféns da pressão política de Washington ou de instituições ocidentais.”

Tecnologia contra sanções

O anúncio ocorre em meio ao prolongamento da guerra na Ucrânia e ao endurecimento das sanções impostas por Estados Unidos, União Europeia e aliados, que limitaram o acesso da Rússia ao sistema Swift, congelaram ativos de bancos e oligarcas, e restringiram transações em dólar e euro.

Com o rublo digital, o Kremlin aposta em um sistema paralelo e mais difícil de ser monitorado ou bloqueado. Por ser emitido por uma autoridade estatal, a moeda não tem a volatilidade das criptomoedas tradicionais, mas pode incorporar tecnologias similares de blockchain para garantir rastreabilidade e agilidade nas transações.

“A criação de moedas digitais por bancos centrais é uma tendência global, mas na Rússia ela ganha um componente geopolítico muito claro”, avalia a economista Tatiana Dvorkina, do Instituto de Estudos Financeiros de Moscou. “É uma tentativa de construir uma rede de pagamentos alternativa ao Ocidente.”

Riscos e reações

Embora o governo russo defenda que a iniciativa busca estabilidade, autoridades americanas e europeias já demonstram preocupação com o potencial da moeda para viabilizar esquemas de evasão de sanções. Segundo analistas, o uso do rublo digital em transações com regimes autoritários ou empresas sancionadas pode dificultar o rastreamento e ampliar o “vazamento” financeiro fora dos canais tradicionais.

“O rublo digital pode virar uma espécie de ‘cripto do Kremlin’, facilitando negócios opacos e minando a eficácia das sanções internacionais”, alerta Joseph Gagnon, ex-Fed e pesquisador do Peterson Institute for International Economics. “O Ocidente precisará desenvolver ferramentas de vigilância e talvez novas formas de resposta.”

Nova era financeira?

Apesar das incertezas, o projeto russo dialoga com um movimento mais amplo: mais de 100 países já estudam ou desenvolvem suas próprias moedas digitais estatais. China, por exemplo, está em fase avançada com o yuan digital, também com foco em reduzir a exposição ao dólar.

Para alguns analistas, a ofensiva russa pode acelerar a fragmentação do sistema financeiro global, tradicionalmente ancorado no dólar e em instituições ocidentais como o FMI e o Banco Mundial.

“O que estamos vendo é o nascimento de um novo capítulo da guerra fria econômica”, resume o historiador britânico Timothy Ash. “Agora, não é só quem controla os tanques, mas quem controla os códigos e as carteiras digitais.”

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