Globo: sessenta anos de manipulações

(Foto: Pexels/Pixabay)

No último dia 26 de abril, a Rede Globo completou sessenta anos de existência. No entanto, a história da maior emissora do país remete a 1957, quando o empresário e jornalista Roberto Marinho obteve a aprovação para concessão de um canal de televisão (requerida pela primeira vez seis anos antes).

Na época, segundo a professora da UFMG, Ângela Carrato, era quase certo que a concessão obtida por Marinho iria para a Rádio Nacional, o que só não foi concretizado, principalmente, devido à pressão feita junto ao governo federal pelo magnata das comunicações, Assis Chateaubriand, contrário à criação de emissoras não comerciais no Brasil. Assim, teríamos uma grande rede de televisão pública, possivelmente comprometida com os interesses nacionais.

Como o “se” não existe, é importante lembramos os estragos causados pela Rede Globo. Como é de amplo conhecimento do público, a emissora da família Marinho foi uma espécie de canal oficial da ditadura militar, exaltando “feitos” e ocultados as atrocidades do regime.

Já o crescimento da Globo, em grande medida, pode ser creditado a um acordo com o grupo estadunidense Time Life, considerado ilegal, pois burlava o artigo 160 da Constituição Federal de 1946, segundo o qual uma empresa estrangeira não poderia participar da orientação intelectual e administrativa de sociedade concessionária de televisão. Não por acaso, parcela considerável da programação da Vênus Platinada é ocupada por enlatados dos Estados Unidos e os noticiários internacionais seguem de maneira fidedigna a agenda geopolítica imperialista. Nessa linha editorial submissa, o que é bom para Washington, automaticamente é bom para nós.

Historicamente, a Globo se vende como a tela onde o Brasil se vê; a emissora da família brasileira. Segundo Mario Sergio Conti, a clássica tríade noturna “telenovela-telejornal-telenovela” é parte da estratégia para aproximar os lares brasileiros da programação da Rede Globo, pensada tanto para as “donas de casa”, quanto para os “chefes de família”. Às mulheres, as novelas; aos homens, o Jornal Nacional.

Às crianças e adolescentes, foram reservados os anteriormente citados enlatados estadunidenses – com os desenhos animados e os filmes da Sessão da Tarde. É a socialização para o American Way of Life; buscando inculcar nos telespectadores, desde a mais tenra idade, padrões de comportamento e valores culturais típicos dos Estados Unidos.

A Globo também se orgulha de acompanhar todas as vitórias do esporte brasileiro. Mas contribuiu para a gourmetização do futebol (expulsando o povão dos estádios, agora rebatizados como arenas), não raro compactuou com erros grotescos de arbitragem em favor de clubes do eixo Rio-São Paulo e condiciona a transmissão de determinados eventos à adequação à grade de programação, fazendo, por exemplo, com que a Maratona de São Silvestre perdesse a mística de ser disputada quase na virada do ano, sendo deslocada para o inócuo horário da manhã.

Do mesmo modo, como bom representante dos interessantes ianques – e, automaticamente, de sua nova face, a cultura woke – a Globo se vende como adepta da representatividade. Mas é fato que, ao longo das décadas, suas telenovelas foram importantes para replicar em larga escala estereótipos e estigmas de minorias sociais que hoje cinicamente diz defender.

Como aponta o título deste artigo, são sessenta anos de manipulações. As mais clássicas, lembradas no documentário britânico “Muito Além do Cidadão Kane” (Beyond Citizen Kane), são as coberturas das greves do ABC, no final dos anos 70, que ouviram só patrões e ocultaram as reivindicações dos trabalhadores (contrariando o direito ao contraditório), o chamado “Caso Proconsult” (quando a Globo foi cúmplice de tentativa de fraudar as eleições para governador do Rio de Janeiro, em 1982), o comício pelas Diretas Já! noticiado como se fosse comemoração pelo aniversário da cidade de São Paulo e a manipulação do último debate presidencial de 1989, em favor de Fernando Collor contra Lula.

Claro que, nem sempre, tudo sai como previsto na programação da Rede Globo. No dia do segundo turno da citada eleição presidencial de 1989, Lobão, quando ainda não havia sido abduzido pela extrema direita, fez propaganda eleitoral para Lula no Domingão do Faustão. Cinco anos depois, em pleno Jornal Nacional, Cid Moreira teve que ler um direito de resposta de Leonel Brizola a um editorial calunioso do jornal O Globo, com palavras que escancaravam os históricos conchavos e artimanhas do empreendimento televisivo da família Marinho. Em 2018, a tela da Globo teve que transmitir, “ao vivo e a cores”, o desfile da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, que denunciou para o mundo o golpe contra Dilma Rousseff.

Por falar em Brizola, o político gaúcho talvez tenha sido o principal desafeto da Rede Globo. Em 1983, o então governo do Rio de Janeiro, comandado por Brizola, deu início à construção do sambódromo, objetivando que fosse utilizado já para o carnaval seguinte. Como sempre age contra os interesses nacionais e populares, a Globo boicotou a iniciativa do governo fluminense, noticiando sistematicamente que a obra não ficaria pronta para o carnaval ou teria problemas em sua estrutura. Mas o velho Brizola deu o troco. Com o sambódromo pronto, faltando poucos dias para o início dos desfiles, o governador cancelou os direitos de transmissão da Rede Globo, cedendo-os, com exclusividade, para a (hoje extinta) TV Manchete.

Também é de Brizola a frase-síntese sobre como devemos nos portar frente aos noticiários da Globo: “Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem: Se a Rede Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor”.

Brizola já chegou a declarar que, caso eleito presidente da República, seu primeiro ato seria suspender a concessão da Rede Globo – que lhe foi dada de maneira inconstitucional, com capital privado internacional.

Como eu disse, o “se” não existe. Mas não custa nada imaginar como seria o Brasil sem a Rede Globo…

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Francisco Fernandes Ladeira é professor da UFSJ e Doutor em Geografia pela Unicamp.

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