Desigualdades, crise climática e o papel do jornalismo ambiental

Arroio do meio (RS) (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

Soa cada vez mais anacrônico falar em crise climática e degradação ambiental sem que sejam pontuados as origens e consequências desiguais destes processos. Injustiça ambiental e climática, racismo ambiental, desigualdade socioambiental — seja lá o termo utilizado —, todos se referem à privação econômica e ao risco ambiental desproporcional a que estão submetidas parcelas socioeconomicamente vulneráveis da população, em geral não brancos, no campo ou na cidade, nas favelas e periferias.

Por muito tempo a produção de conhecimento sobre o tema ambiental negligenciou em grande parte essas nuances sociais, da academia ao jornalismo, passando pela formulação de políticas públicas. Ainda é comum que, na grande mídia, a cobertura ambiental seja feita em torno de grandes eventos — como as COPs e outras conferências —, grandes líderes ou em torno de tragédias ambientais. O jornalismo ambiental, porém, requer ir além do noticiário factual.

Um exemplo positivo foi, ainda em 2024, o especial de reportagens da Folha de São Paulo sobre desigualdades agravadas pela crise climática. A matéria alerta para a diferença de até 9º C de calor no bairro de Paraisópolis em comparação ao vizinho elitizado Morumbi, em São Paulo. Apesar da diferença entre os telhados, o principal fator indicado para a diferença é a vegetação. A desigualdade de arborização, como se pode supor, não é restrito ao caso em questão: constitui um padrão das cidades brasileiras, que certamente será destrinchado ao final deste ano, quando saírem os novos dados do Censo Demográfico. É papel do jornalismo, em conjunto à pesquisa científica, expor estes territórios e assimetrias.

Mais recentemente, na última semana a Folha publicou uma excelente matéria sobre a Ilha de Maré, o bairro mais negro de Salvador, impactado pelas indústrias e crise climática, com reclamações de contaminação química por parte dos moradores e falta de pescado. A reportagem é relativamente longa, com uma série de entrevistas de moradores atestando suas histórias e a gravidade da situação — dando voz às comunidades, como preza o bom jornalismo. Essas pessoas são remanescentes de um quilombo, com 97% da população formada por negros numa comunidade considerada rural, que sobrevivem da pesca artesanal, mariscagem e turismo. Há 20 anos eles pedem um estudo abrangente que meça os níveis de metal no mar.

É importante que reportagens deste tipo não estejam restritas aos especiais de reportagens como o organizado pela Folha, mas sejam pauta constante dos noticiários. A exposição constante das desigualdades ambientais — rurais e urbanas — é o primeiro passo para a aplicação de políticas públicas em territórios já acostumados com o esquecimento.

Publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

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Michel Misse Filho é jornalista, doutorando em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ) e mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos (Residualab – UERJ). E-mail: [email protected].

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