REINALDO JOSÉ LOPES
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS)
Dois dos sete cardeais brasileiros com direito a voto no conclave que elegerá o sucessor do papa Francisco passaram parte considerável de sua carreira na diocese paulista de São Carlos (região central do estado, a cerca de 250 km da capital).
Dom Sérgio da Rocha, 65, atual arcebispo de Salvador e primaz do Brasil (tradicionalmente a posição de mais prestígio na hierarquia católica no país) foi ordenado padre na região nos anos 1980. Já o fluminense dom Paulo Cezar Costa, 57, foi bispo de São Carlos de 2016 a 2020, pouco antes de assumir a arquidiocese de Brasília e se tornar cardeal.
Ambos são descritos por antigos colaboradores como intelectuais de formação sólida e com boa capacidade de diálogo dentro e fora da Igreja Católica, com estofo suficiente para assumir o pontificado caso recebam os votos dos demais cardeais.
Da dupla, Rocha, nascido em Dobrada (SP), na época distrito do município de Matão, é o que tem ligação mais longa com a diocese do interior paulista, onde passou as primeiras três décadas de vida eclesiástica, até ser nomeado bispo auxiliar de Fortaleza em 2001.
“Já tinha vocação desde criança. Quando voltava da missa, gostava de brincar de ser o padre”, recorda o metalúrgico aposentado Osvaldo da Rocha, 73, irmão mais velho do cardeal. “Guardava com muito carinho os santinhos que ganhava.”
Devoto de Nossa Senhora Aparecida, o arcebispo também tem carinho especial por são João da Cruz (1542-1591), místico espanhol que é celebrado pelos católicos em 14 de dezembro.
“É o mesmo dia em que tivemos a graça de ser ordenados juntos em 1984”, conta o padre José Donizeti de Oliveira, que conhece Rocha desde a adolescência em Matão e foi seu colega de turma no seminário. O padre Donny, como é conhecido, fez questão de enviar à reportagem da Folha a foto do mais recente encontro com o amigo, em janeiro deste ano, no qual celebraram, junto com outros sacerdotes, os 40 anos de ordenação.
Segundo Oliveira, a vocação de ambos começou a despertar na participação no trabalho de auxílio à população pobre conduzido pelos vicentinos, uma das principais organizações para católicos leigos do país.
A proximidade com os marginalizados é um dos pontos em comum de Rocha com o papa Francisco, diz o padre Donny, que define o colega como “um progressista moderado, conciliador e de muito diálogo”.
Dom Paulo Cezar Costa, por sua vez, travou contato com o pontífice argentino em 2013, na visita de Francisco ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude -ele tinha se tornado bispo auxiliar da arquidiocese carioca dois anos antes.
“Por seu histórico acadêmico, administrativo e espiritual, já sabíamos, quando chegou aqui, que iria voar alto”, diz o padre Marcos Antônio Ghidelli, vigário geral da diocese de São Carlos.
Ele destaca a erudição de Costa, cujo doutorado versou sobre os debates cristológicos (acerca da natureza humana e divina de Cristo) nos primeiros séculos após a morte de Jesus. Ao mesmo tempo, afirma, era um bispo sempre preocupado com o bem-estar dos padres sobre seu comando. “Expressões dele como ‘É preciso dar um ‘up’ na vida desse presbítero [padre]’ marcaram nosso clero”, conta.
Ghidelli aponta ainda o papel do antigo chefe no auxílio às comunidades carentes da região no primeiro ano da pandemia de Covid-19. “Creio que, se for da vontade de Deus, será um bom papa e um papa bom”, conta ele, lembrando que a diocese já produziu “muitos e bons bispos” -pelos seus cálculos, 15 até agora, numa média de um novo bispo ordenado na região a cada oito anos.
O irmão de dom Sérgio da Rocha, por sua vez, diz que a família torce por ele no conclave, “mesmo sabendo que não passará em casa para almoçar como faz quando tem compromisso na região”. O padre Donny, porém, não se arrisca a apostar no amigo, embora afirme confiar em sua competência. “Não acredito que será eleito um papa latino-americano. Meu palpite é que escolherão um italiano, filipino ou africano.”