CATARINA SCORTECCI
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)
O processo de desestatização da Celepar, a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do governo do Paraná, tem gerado uma queda de braço entre servidores e a gestão Ratinho Junior (PSD), que tenta lançá-la na B3 e concluir sua venda até o primeiro trimestre de 2026.
Sociedade de economia mista de capital fechado e controlada pelo governo do Paraná (que detém mais de 96% das ações de emissão), a Celepar foi a primeira empresa pública de tecnologia da informação do país, fundada em 1964, pouco antes do Serpro, seu equivalente na esfera federal.
A ideia de transferi-la agora para o setor privado integra uma agenda do atual governo, que em 2023 já deixou de ser o acionista controlador da Copel, a Companhia Paranaense de Energia, e também se prepara para levar a Ferroeste a leilão.
Com ampla base de apoio na Assembleia Legislativa, o governador Ratinho Junior conseguiu em novembro do ano passado aprovar a lei que autoriza a desestatização da Celepar sem dificuldades. Em seguida, o estado contratou empresas para planejar o processo de privatização, incluindo a Ernst & Young Assessoria Empresarial, que ficou responsável pelo estudo técnico da alienação.
A venda da Celepar, contudo, tem sido alvo de contestações, principalmente porque é uma empresa que armazena dados pessoais dos cidadãos e também informações sigilosas ou sensíveis da área de segurança pública.
“É uma estatal que faz o processamento de dados de praticamente todas as secretarias do governo, incluindo Segurança Pública. Então ela tem dados relacionados a presos, investigações em curso, mandados de prisão, vítimas de violência doméstica, menores acolhidos, tudo. E dados assim não podem ser tratados por empresas particulares”, disse o advogado Paulo Falcão à reportagem.
Falcão tem dado suporte a um comitê de oposição à desestatização criado por servidores da companhia. O grupo cobra mais debate sobre o tema e estuda uma medida judicial para tentar barrar a venda. “Pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), é ilegal que esses dados de segurança pública sejam tratados por particulares”, acrescentou o advogado.
O assunto também foi levado ao Ministério Público. Em uma apuração preliminar, a promotora de Justiça Cláudia Cristina Madalozzo também afirma que a lei estadual apresentaria “flagrante inconstitucionalidade com as disposições da LGPD”.
Segundo ela, o parágrafo quarto do artigo quarto da LGPD veda de maneira categórica o tratamento de dados da segurança pública por entidades privadas.
Sob fundamentação semelhante, o diretório estadual do PT, que faz oposição a Ratinho Junior, já protocolou no mês de março uma ação judicial contra a lei no Tribunal de Justiça do Paraná. O caso está nas mãos do desembargador Luciano Carrasco Falavinha Souza.
Procurado pela Folha, o governo se manifestou por meio de nota, na qual afirma que a desestatização não trará “nenhum risco ao gerenciamento de dados”. Também diz que, de acordo com a LGPD, “os dados pessoais processados com a participação da Celepar são e continuarão sendo de propriedade de seus respectivos titulares”.
“Tudo que se disser além disso é uma fantasia da oposição e uma afronta ao bom senso”, continua a nota.
Para o governo, a privatização vai trazer “mais agilidade para que a Celepar desenvolva parcerias com outras empresas em tecnologias mais atualizadas, servindo melhor ao Estado e às suas necessidades”.
Além do debate sobre se a venda esbarra ou não na LGPD, servidores da companhia argumentam que a privatização traria novas despesas ao governo estadual. “A Celepar goza de imunidade tributária em relação aos contratos com as secretarias. Se ela for privatizada, ela vai ter que recolher alguns impostos e vai repassar esse custo para as secretarias”, disse Falcão.
Somente a Secretaria da Fazenda utiliza hoje cerca de 250 sistemas fornecidos pela Celepar para gerenciar operações diversas.
Um servidor que prefere não se identificar por receio de represália também disse à reportagem que vê a privatização como um retrocesso para o governo, já que, ao longo dos 60 anos da Celepar atuou para centralizar os dados do estado.
A Celepar tem hoje cerca de mil servidores efetivos e a lei que autorizou a desestatização também definiu que a companhia deverá propor a seus funcionários um PDV (Programa de Demissão Voluntária).
“Existia a possibilidade de os servidores da Celepar serem aproveitados em outras secretarias se isso constasse na lei, mas este ponto foi vetado pelo governo. Só aceitaram o PDV”, afirmou Falcão.
RAIO-X
– Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná) é uma sociedade de economia mista de capital fechado
– O controle é do governo do Paraná, que detém 96,2511% das ações de emissão
– A companhia foi fundada em 24 de novembro de 1964
– Lucro líquido em 2024: R$ 338.988.220,00
– Número de servidores efetivos (concursados): cerca de 1.000
– Número de servidores comissionados (não concursados): 40
Fonte: governo do Paraná, Celepar, comitê de servidores.