Só um em cada quatro brasileiros (23%) de 15 a 64 anos tem altas habilidades digitais, independentemente do seu nível de alfabetismo ou educacional. As dificuldades para lidar com as atividades que envolvem tecnologia aparecem mais entre os que têm mais de 40 anos, mas há problemas até mesmo entre os jovens.
Esses são alguns dos resultados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado na segunda-feira, 5, realizado pela consultoria Conhecimento Social, pela Ação Educativa e pela Fundação Itaú. É a primeira vez que a pesquisa mediu também o alfabetismo no contexto digital.
Com o futuro do trabalho cada vez mais focado numa economia digitalizada, as chamadas competências digitais são consideradas essenciais para o desenvolvimento pleno do cidadão e de um País competitivo.
Foram três atividades propostas aos entrevistados: a compra de um tênis, a inscrição em um evento e a busca por filmes em um serviço de streaming – essa última teve o menor índice de acertos (9%) mesmo entre os que têm nível mais alto de alfabetismo.
A partir de uma conversa fictícia com um amigo no WhatsApp, que dizia querer assistir a um documentário específico, o participante precisava acessar a plataforma de streaming e ler três sinopses para encontrar qual seria a obra sobre a qual estava sendo questionado.
Segundo a diretora da Conhecimento Social e responsável pela pesquisa, Ana Lucia Lima, a dificuldade maior apareceu na hora de escrever uma mensagem de volta ao amigo fictício, explicando os motivos que o levaram a escolher tal documentário.
“A construção de um texto argumentativo é uma habilidade de letramento”, explica. “A gente queria entender se o digital ajuda ou atrapalha as pessoas a funcionar numa sociedade letrada ”
As três tarefas era respondidas em um celular e tinham, cada uma, 14 atividades do mundo digital. Os níveis de habilidades – baixo, médio e alto – foram definidos a partir da quantidade de acertos (ver abaixo).
Se a pessoa conseguisse, por exemplo, acessar os filmes no streaming, mas não explicar de forma compreensível em mensagem de texto a sua escolha, a pesquisa não considerava que ela havia acertado completamente a atividade.
Os outros itens impunham tarefas como preencher dados em cadastros, fazer pagamento, criar senhas com exigências específicas, anexar fotos.
Segundo ela, há muitas limitações ainda para se entender os símbolos do mundo digital. “É desafiador para algumas pessoas compreender uma outra linguagem, ícones, memes, é quase um vocabulário novo, como se tivesse aprendendo a ler chinês.”
Veja os níveis de habilidades digitais:
Baixo – acerta até 1/3 das atividades propostas no celular – 25% dos brasileiros estão nesse nível
Médio – acerta até 2/3 das atividades propostas no celular – 53% estão nesse nível
Alto – acerta mais de 2/3 das atividades propostas no celular – 23% estão nesse nível
O estudo mostra também que o Brasil tem hoje 29% de analfabetos funcionais, que são aqueles que só conseguem fazer leituras bastante simples de palavras, pequenas frases e números familiares, como o do telefone ou de preços.
Para medir o nível do alfabetismo, os participantes fazem provas escritas sobre questões do cotidiano, tanto relacionadas à Linguagem quanto à Matemática. Entre os analfabetos funcionais, só 3% têm nível alto de habilidades digitais.
A maior parte da população brasileira se encontra no que o índice chama de alfabetismo elementar (36%); são pessoas que conseguem ler textos de extensão média, selecionando informações e fazendo algumas inferências, mas com vocabulário limitado.
Nesse grupo, chama a atenção o fato de 18% estarem no nível alto de habilidades digitais; outros 67% estão no médio, um resultado mais esperado. “Por alguma razão, o ambiente digital abre possibilidades que algumas pessoas não teriam no mundo analógico e elas têm performance melhor”, afirma Ana. Mas há outros 15% que estão no nível mais baixo, o que mostra uma dupla exclusão.
Na população geral, um quarto (25%) está nesse nível inferior e 53% no médio. O estudo aplicou testes a uma amostra de 2,5 mil pessoas, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025.
Dificuldades entre o mais velhos
Segundo a pesquisa, os mais jovens, de 15 e 29 anos, têm o melhor desempenho no contexto digital, com mais de 30% deles nos níveis altos, independentemente do quanto são alfabetizados. Entre os que têm de 40 a 49 anos, são 17%, e entre 50 e 64 anos, 6%.
A tarefa de selecionar o filme foi a que foi feita com mais facilidade pelos jovens; já os mais velhos se saíram melhor na inscrição a um evento.
Ana explica que ainda não há consenso nas pesquisas sobre como definir de forma clara o letramento digital. E que os dados do Inaf vão contribuir com essa discussão.
“Até pouco tempo se dizia que a pessoa tinha um letramento digital, midiático, quando conseguia produzir algo usando a tecnologia, textos, imagens, tabelas. Mas agora vem a inteligência artificial e produz tudo para você. A tecnologia avança muito rápido e esses conceitos não estão consolidados”, afirma.
O Inaf foi lançado pela primeira vez em 2001 pelo Ibope e pelo Instituto Paulo Montenegro, quando foi medido pela primeira vez o analfabetismo funcional no Brasil. Na primeira edição, eram 39% de analfabetos funcionais no País.
O Inaf havia sido realizado pela última vez em 2018, quando o índice registrado foi o mesmo de 2024, 29%. A pesquisa deste ano foi feita em parceria com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Unesco e Unicef.
Estadão Conteúdo