Cardeal francês é defensor de imigrantes e era ‘favorito de Francisco’ para sucedê-lo

cardeal jean marc aveline

VICTOR LACOMBE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Para o cardeal Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha e um dos candidatos fortes no conclave que escolherá o sucessor do papa Francisco, a missão da Igreja Católica pode ser explicada em apenas uma frase: “escutar e colocar a si mesmo a serviço dos outros”.

“É preciso estar em comunhão com as alegrias, os sofrimentos, as esperanças e as ansiedades de toda a humanidade”, disse o arcebispo em uma missa realizada em 2022 justamente em Roma, na famosa igreja San Luigi dei Francesi, lar dos católicos franceses na Itália.

Talvez por isso Aveline tenha se dado tão bem com o papa Francisco durante seu pontificado —a proximidade dos dois era tanta, e as prioridades do francês tão alinhadas com as do argentino, que o vaticanista Edward Pentin, criador do site The College of Cardinals Report, descreve o arcebispo como “o cardeal favorito de Francisco para sucedê-lo”. “Os dois se encontravam com frequência no Vaticano, para além de compromissos oficiais, e ele é bem visto entre os progressistas da Igreja.”

Originário de uma família de franceses que se estabeleceram na Argélia durante a colonização do país pela França, Aveline nasceu na cidade argelina de Sidi bel Àbbes em 1958, importante centro militar do aparato colonial francês. Quando tinha apenas quatro anos de idade, sua família fugiu do país após a independência argelina, estabelecendo-se em Marselha em 1965.

Filho de um trabalhador ferroviário, Aveline cresceu na periferia da grande cidade portuária e se tornou padre em 1984, tendo estudado filosofia, grego antigo e hebraico em Paris. Sua história como refugiado e sua infância em um dos bairros mais pobres de Marselha marcou sua atuação como religioso, e a defesa de imigrantes e da tolerância religiosa são as grandes preocupações de seu período como arcebispo —temas que o aproximaram do papa Francisco.

Aveline sempre descreveu Marselha, porto histórico do Mediterrâneo e lar de importantes comunidades judaicas e muçulmanas, como uma cidade definida pela acolhida. “Marselha é mais do que uma cidade: é uma mensagem. Em cada identidade, sempre há um elemento da alteridade. É graças a isso que somos capazes de acolher o outro”, disse o arcebispo em setembro de 2023.

O religioso também já foi a público defender ONGs como a SOS Méditerranée, que operam barcos para resgatar migrantes que tentam fazer a travessia da África à Europa pelo mar. Essas organizações costumam ser alvo de críticas da direita europeia e já foram processadas por governos como o italiano: a primeira-ministra Giorgia Meloni disse que seu objetivo é na verdade atuar como “transportes de migrantes” e passou uma lei restringindo sua atuação.

Em 2023, Aveline realizou uma missa em memória de migrantes mortos no Mediterrâneo na Basílica de Notre Dame de la Garde, em Marselha, com a presença do papa Francisco. Em discurso considerado duro pela imprensa francesa na época, o arcebispo disse que governos que não agem para salvar migrantes e atuam para obstruir o trabalho de ONGs de resgate cometem um crime.

“O Mediterrâneo em frente aos nossos olhos, tão belo e pacífico, também pode ser, como sabemos, um cruel cemitério”, disse Aveline durante a missa, dirigindo-se a Francisco. “Quando instituições políticas proíbem organizações não governamentais, e até mesmo navios que cruzam essas águas, de resgatar os naufragados, trata-se de um crime tão grave quanto o tráfico humano que os deixou nessa situação.”

Em relação aos temas que mais movimentam a Igreja hoje, Aveline evita se pronunciar, não tendo posição clara a respeito da ordenação de mulheres como diaconisas ou do fim do celibato. Sobre a bênção a casais LGBTQIA+ defendida por Francisco, Aveline foi um dos signatários de um comunicado da conferência de bispos da França que fez críticas veladas à decisão do papa —mas o cardeal não se pronunciou claramente sobre a questão.

Se eleito o próximo bispo de Roma no conclave, é provável que Aveline mantenha a Igreja Católica centrada em temas importantes para Francisco, como a negociação pela paz em diversos conflitos do mundo, o respeito a imigrantes e o foco nas mudanças climáticas. Ele também seria o primeiro papa francês em mais de 600 anos.

Entretanto, em que pese sua proximidade com Francisco e boas relações com outros cardeais, a idade de Aveline pode ser um empecilho para que reúna os dois terços de votos necessários para ocupar o trono de São Pedro. Com 66 anos, ele é um dos cardeais mais jovens na disputa, e sua vitória provavelmente inauguraria um longo pontificado —algo que o Colégio Cardinalício, desde a vitória de João Paulo 2º, vem buscando evitar.

 

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