Ex-jogador largou futebol, criou galinha e hoje fatura com queijo de búfala

jorge nakid

Ex-jogador do Fluminense e do Palmeiras, Jorge Nakid abandonou os gramados aos 24 anos para ajudar o pai em um negócio rural no Vale do Ribeira (SP). Hoje, ele comanda a Levitare, marca especializada em laticínios de leite de búfala com presença em todo o País. Somente em 2024, vendeu cerca de 130 toneladas de queijo.

Nakid atuou nas categorias de base do Palmeiras dos 11 aos 15 anos, entre 1981 e 1985. Aos 20, jogou por um ano e meio no Ituano, entre 1990 e 1991. “Eu já estava no profissional do Ituano, e o Juninho Paulista ainda era dos Juniores (categoria até 20 anos). Ele estava subindo para a seleção, era mais novo, então acabava ficando no banco. Brinco que o camisa 10 da seleção brasileira foi meu reserva”, conta, entre risadas. Depois, seguiu para o Fluminense, onde jogou até 1992. Ele atuava como meio-campista.

Em 1994, o pai de Nakid, engenheiro agrônomo, comprou uma propriedade no interior paulista após ser demitido com o encerramento das atividades da empresa de fertilizantes onde trabalhava. “Ele mandou eu largar o futebol, já estava velho e ainda não fazia sucesso. Então, parei e fui ajudá-lo”, conta. As primeiras tentativas foram diversas: cultivo de pepino e abobrinha, criação de galinhas com chocadeiras e até venda de cabos de enxada.

Certo dia, receberam de presente algumas vacas do sítio ao lado. “O vizinho achava absurdo comprar leite de caixinha num sítio”, relembra. Como viviam na propriedade apenas Nakid e a irmã com os pais, a extração diária de até 60 litros de leite era maior do que poderiam consumir. A família começou a produzir queijos artesanais, como frescal, meia-cura e gouda. “Mas também não dávamos conta”, diz. Nakid passou a vender os produtos excedentes em feiras locais.

Até que ele recebeu, em 2002, a proposta de trabalhar com leite de búfala. “Um participante da feira levou para eu testar. A família trocou as vacas por búfalas e passou a comprar leite de produtores vizinhos, produzindo barras de muçarela para pizzarias da região. A pequena produção ficou artesanal por um tempo.

Na época, Nakid conciliava a vida no campo com partidas de futebol em um time amador ligado a uma loja de materiais de construção. A cada jogo, recebia como pagamento sete sacos de cimento, usados na construção do primeiro laticínio da Levitare. A fábrica de 170 metros quadrados foi concluída em 2004.

O investimento inicial foi viabilizado por um fundo de desenvolvimento voltado ao Vale do Ribeira: R$ 120 mil, com juros de 6% ao ano, dois anos de carência e pagamento em até sete anos. “Tudo era reinvestido no negócio”, afirma. “Naquela época, esse valor permitiu montar uma estrutura com caldeira, câmara fria, maquinário e toda a base da produção.” Com ajuda de empréstimos e financiamentos, o subsídio foi pago.

Hoje com 55 anos, formado em Administração de empresas e sócio da Levitare ao lado da irmã, Denise, 53, Nakid vê a empresa alcançar proporções que, segundo ele, “nem nos maiores sonhos imaginava”.

A marca, que produz queijos, requeijões, manteigas e outros derivados 100% com leite de búfala, tem mais de 30 produtos no portfólio e abastece supermercados e restaurantes de Manaus a Porto Alegre.

Pequenos produtores

Com 200 funcionários e mais de 300 fornecedores – a maioria pequenos produtores rurais de municípios com menos de 10 mil habitantes -, a Levitare coleta leite em 14 cidades do Vale do Ribeira. “Tem produtor que vive só disso, tirando leite de dez animais, conseguindo uma renda de até R$ 6 mil por mês”, afirma Nakid.

A empresa processa atualmente mais de 10 milhões de litros de leite de búfala por ano, com uma fábrica de 6,5 mil metros quadrados que já passou por sete ampliações.

Além do leite adquirido de parceiros, mantém uma propriedade própria a 40 km da fábrica, que produz cerca de mil litros por dia. “Estamos investindo para ampliar esse volume. Hoje ordenhamos 160 búfalas, mas devemos chegar a 220 nos próximos meses”, diz.

Entre os produtos mais vendidos, estão a barra de 4 kg de muçarela, voltada ao setor de alimentação (food service); as tradicionais bolinhas para saladas e aperitivos; e a burrata, muito demandada por restaurantes.

Os preços variam, em média, entre R$ 58 e R$ 60 por quilo. A empresa lançou o requeijão cremoso de búfala em 2008, e a linha zero lactose em 2016. Em junho, está prevista a chegada de novos produtos ao mercado, ainda em fase de testes.

A marca não divulga o faturamento. Segundo o fundador, a Levitare cresce mais de 20% ao ano e deve atingir, em 2025, uma produção média mensal de 150 a 160 toneladas.

Para acompanhar a expansão, a empresa tem investido em automação, especialmente na área de embalagens, uma medida estratégica diante da dificuldade de contratar mão de obra em regiões rurais. “A produção ainda tem uma base artesanal, mas precisamos manter a competitividade com a mesma quantidade de colaboradores e mais eficiência”, afirma.

Nakid destaca como diferencial da marca o cuidado com a matéria-prima e os processos de fermentação, além do compromisso com a autenticidade. “A qualidade começa no leite. E a gente nunca quis fazer mais do mesmo”, diz. Ele diz que, no início, havia um certo “preconceito” com os produtos de búfala, mas que hoje a cultura do seu consumo está disseminada e consolidada no Brasil.

Mesmo com o crescimento, o fundador ainda se emociona ao falar da empresa. “Foram muitos percalços, muito trabalho. Quando olho para trás, não parece real. Eu sonhei, mas nunca imaginei que chegaríamos a esse patamar.”

Sobre o futebol, ele revela que continua fazendo parte da rotina, agora como hobby competitivo. “Ainda jogo. Não sou muito fã de pelada, mas de campeonato, sim. Serve para manter a forma”, brinca.

Para William Massolini, analista de negócios do Sebrae-SP, o leite de búfala ocupa um espaço estratégico no mercado por suas propriedades nutricionais e apelo gourmet.

“Produtos artesanais e com identidade regional ganham força ao atender um público que valoriza a origem e a história do que consome”, afirma. Ele vê oportunidades crescentes para pequenos produtores em empórios, feiras e mercados especializados, além de espaço para exportação.

O especialista também aponta os principais desafios enfrentados por pequenos negócios no campo: acesso limitado a crédito, tecnologia e formalização.

Segundo ele, buscar capacitação, conectar-se a redes de apoio e formar cooperativas são caminhos possíveis para fortalecer o setor.

Estadão Conteúdo
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