Psicologia Social: do sujeito adaptado ao sujeito real

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Por Fabrício Gonçalves Ferreira CRP 01/27623

Enquanto aguardamos a terceira e quarta parte da série Adolescência, aproveito para compartilhar a valiosa participação do professor mestre Fabrício, da Unieuro de Brasília, com uma reflexão potente sobre a Psicologia Social.

A relação entre Psicologia e Psicologia Social não pode ser tratada como algo estanque, isolado da história. A partir da década de 1950, começaram a se consolidar sistematizações sobre o que viria a ser essa área do saber. Naquele momento, duas grandes correntes disputavam protagonismo: uma, norte-americana, de base pragmática e funcional; a outra, europeia, com raízes fenomenológicas e filosóficas.

A vertente estadunidense enxergava o sujeito como peça de um sistema: se estivesse no “lugar errado”, deveria ser reposicionado; se estivesse no “certo”, moldado para funcionar melhor. Já a perspectiva existencial, ainda que mais sensível à complexidade da experiência humana, dialogava pouco com as condições materiais vividas no Sul global. Ambas, no fim, falhavam em explicar a realidade latino-americana, marcada por desigualdades históricas, colonialismo, regimes autoritários e feridas abertas do pós-guerra.

Diante disso, emergem críticas contundentes: que Psicologia Social é essa que não explica nem transforma a realidade? Que apenas reproduz os interesses das classes dominantes, sem questioná-los? É nesse cenário que Silvia Lane, referência fundamental da Psicologia Social brasileira, propõe uma ruptura com os modelos importados. Ela critica tanto o reducionismo biologicista – que vê o sujeito apenas como corpo – quanto o sociologismo ingênuo – que ignora as dimensões biológicas da existência. Para Lane, é preciso compreender o ser humano em sua totalidade: produto e produtor da realidade, movido por contradições.

Durante muito tempo, a base da Psicologia foi o positivismo – observar, medir, replicar. Mas, ao objetivar demais, o positivismo também cega: ilumina apenas um canto da sala, deixando na sombra a complexidade pulsante da vida. Como lembra Lane, a vida não é linear, mas dialética: feita de avanços e recuos, de desejos contraditórios, de incertezas. É nesse fluxo que o sujeito se constitui.

Lidar com contradições, no entanto, não é simples. Por isso, precisamos de ideologias – no sentido amplo do termo – para sustentar a vida, como o bastidor sustenta o tecido no bordado. O problema surge quando essas ideologias deixam de ser ferramentas e se tornam prisões. Machismo, racismo, meritocracia tóxica (“só depende de você”) são exemplos de ideologias que, em vez de movimentar, paralisam, silenciam, apagam vidas.

Silvia Lane propõe uma Psicologia Social que nasce da materialidade, que observa o real e, a partir dele, constrói categorias como emoção, identidade e inconsciente. Uma Psicologia que vai ao campo, observa, abstrai e transforma. Não se trata de negar a abstração, mas de reconhecer que ela só faz sentido se enraizada no concreto.

Outro ponto central em sua proposta é a noção de sujeito coletivo. Não existimos fora do grupo, nem nos formamos sem linguagem. É na relação com o outro que surgem a cultura, os afetos e, por fim, a consciência – que não é apenas individual, mas também social e histórica.

Ao afirmar que toda Psicologia é Social, Lane não desqualifica outras áreas da Psicologia. Pelo contrário, amplia o olhar. Conhecer o sujeito é também compreender sua inserção cultural, econômica e histórica. Valorizar a individualidade, sim – mas entendendo que ela é atravessada por coletividades.

Em tempos em que se fortalece o discurso de que “cada um é responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso”, revisitar Silvia Lane é um gesto de resistência. É lembrar que o sujeito não nasce pronto: ele se constrói.

Até a próxima.

Referência:
Lane, S. T. M. (1989). Psicologia social: O homem em movimento (8ª ed.). Editora Brasiliense.

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