GUSTAVO ZEITEL
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Integrantes da bancada bolsonarista na Câmara dos Deputados resistem ao acordo entre Congresso e STF (Supremo Tribunal Federal) para reduzir as penas da multidão que invadiu as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Uma das estratégias é usar o voto do ministro do STF Luiz Fux no julgamento de Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira que pichou a estátua do Supremo, para justificar uma anistia.
“A anistia não perdeu força e não há esvaziamento do tema. O PL está em obstrução na Câmara”, diz a deputada federal Rosana Valle (PL-SP), citando o movimento para tentar bloquear ou postergar votações.
“O voto do ministro Fux é uma sinalização de que uma anistia pacificaria o país”, afirma. Ela admite, porém, a possibilidade de redigir um novo texto para tornar viável a matéria.
A proposta do perdão, tal como redigida hoje, poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), liderou uma tentativa de golpe de Estado.
Na sexta-feira (25), Débora, que pichou a estátua do STF com o dizer “perdeu, mané”, foi condenada pela Primeira Turma a uma pena de 14 anos pelos crimes de tentativa de abolição do Estado democrático Direito, golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio público, associação criminosa armada e deterioração do patrimônio tombado. Seguiram a decisão do relator, Alexandre de Moraes, os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia.
Já Cristiano Zanin votou por uma pena de 11 anos, considerando atenuantes da acusada e penas menores para os crimes cometidos.
Fux ficou isolado ao votar por uma pena de um ano e seis meses. Ele defendeu que Débora fosse condenada apenas pelo crime de deterioração de patrimônio tombado, sob o argumento de que não existem provas para sustentar as demais acusações.
Ressaltou ainda que Débora não invadiu nenhum prédio e não teve ajuda de nenhuma associação criminosa para viajar até Brasília -a denúncia da PGR afirma que ela pagou R$ 50 para ir de Paulínia (SP), onde mora, até a capital federal.
Um dia depois da condenação de Débora, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro elogiou e agradeceu a atuação de Fux, considerando-a uma “uma fagulha de bom senso”. “Não era o que desejávamos, mas a postura do ministro Fux -único juiz de carreira- foi mais sensata do que a de todos os outros, incluindo a de uma ministra”, disse Michelle, nas redes sociais.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), insiste na anistia, citando a decisão do ministro. “O voto do Fux foi perfeito, ele mesmo afirma que não há nenhuma prova contra Débora”, diz. “É a farsa do pseudogolpe caindo por terra.”
O julgamento de Débora, transformada em símbolo bolsonarista, suscita uma discussão jurídica com muitas nuances. Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que houve exagero na pena de 14 anos, mas que o voto de Fux não pode ser usado para justificar uma anistia.
Professora de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), Mariângela Gomes considera excessiva a pena, embora seja impossível desconsiderar, à maneira de Fux, sua ação no contexto do 8 de janeiro. “A conduta dela ocorre durante um movimento para depor o governo eleito”, diz.
Vice-presidente do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), Marina Coelho Araújo diz que Fux analisou o caso de Débora em particular, enquanto os outros ministros partiram de uma premissa coletiva. Por isso, acha razoável a decisão de um ano e meio de prisão.
Ela diz, porém, que nenhum ministro colocou em dúvida a existência dos atos antidemocráticos, não sendo possível usar o voto de Fux para a anistia. “Uma coisa é o julgamento de uma pessoa, outra coisa é transformar isso em política de Estado.”
Em paralelo, o acordo sobre 8 de janeiro, cerzido entre Congresso e STF, já tem uma minuta, prevendo a alteração da lei. O objetivo é reduzir as penas dos condenados que integraram o ataque golpista, mas sem participação no planejamento. Em contraste, os mentores da tentativa de golpe seriam punidos com rigor.
Mesmo sem anistia, o acordo beneficiaria Débora. Caso a lei seja alterada, sua pena poderia ser reduzida em mais de cinco anos, tendo direito à progressão em regime semiaberto. De todo modo, os especialistas com quem a reportagem conversou concordam em um terceiro ponto sobre o julgamento da cabeleireira: todos criticam o concurso de crimes, isto é, a somatória de penas advindas de infrações semelhantes no Código Penal.
Professor de direito da FGV, Rogério Taffarello diz ser a favor da absorção em um único artigo no caso de crimes semelhantes, como tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e golpe de Estado. “Seria mais adequado trabalhar com penas mínimas, como fez o ministro Zanin, considerando os atenuantes da ré”, afirma.
Especialista em direito processual penal pela USP, Maurício Zanoide também critica a reiteração de crimes semelhantes e reforça ser indevido o uso do voto do ministro do Supremo para avalizar uma anistia irrestrita. “Isso seria desinformação ou má-fé”, afirma.