Moradores de Canoas se unem para cobrar obras antienchentes

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O município de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, teve dois terços de sua área urbana invadida pelas inundações que atingiram o Rio Grande do Sul em maio do ano passado. 

Por várias semanas, as águas cobriram diversos bairros, fazendo com que mais de 150 mil moradores, mais da metade dos 347 mil habitantes da cidade, precisassem sair de suas casas.

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A servidora pública aposentada Cláudia Burtet foi uma delas. Moradora do Bairro Fátima, que fica em uma área alagável, ela mobilizou os vizinhos desde os primeiros dias de calamidade.

“Criamos um grupo, acrescentamos primeiro só os vizinhos da rua, mas aí um foi convidando o outro e o grupo ficou enorme, ganhou grande proporção”, contou. 


Canoas (RS), 29/04/2025 - Cláudia Burfet, fala com Agência Brasil, sobre a tragédia que atingiu a cidade a um ano.
O estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Canoas (RS) – Cláudia Burfet falou com a Agência Brasil sobre a tragédia que atingiu a cidade há um ano – Joédson Alves/Agência Brasil

Inicialmente, além do trabalho de resgate e salvamento, o grupo foi importante para denunciar os furtos que ocorriam nos bairros alagados da região metropolitana. A atuação voluntária e engajada dos moradores fez com que fosse criada a Comissão SOS Bairro Fátima/Rio Branco

“Somos um grupo totalmente apartidário, focado em cobrar respostas dos governos.”

Colapso estrutural


Canoas (RS), 29/04/2025 - Uma bomba de três, desativada no complexo da casa de bombas número 03, no bairro Rio Branco em Canoas.
A um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Canoas (RS) – Bomba desativada no complexo da casa de bombas número 3, no bairro Rio Branco em Canoas – Joédson Alves/Agência Brasil

Passada a fase mais emergencial da crise, que eclodiu há um ano, a luta do grupo se concentra agora na pressão pelo andamento das obras estruturais de proteção da cidade. 

Boa parte dos bairros de Canoas, cercada ao sul e à oeste por rios e córregos, fica em áreas baixas, que dependem de diques de proteção para que a água não inunde ruas e casas. 

Esse sistema, construído na década de 1970 pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), que incluiu casas de bomba para drenar águas da chuva, nunca foi totalmente concluído e, com o passar dos anos, acabou sofrendo danos estruturais que foram determinantes para a magnitude da tragédia de 2024.


Canoas (RS), 29/04/2025 - Engenheiro especialista em segurança de barragens, Fábio Borges Fanfa, fala com Agência Brasil, sobre os problemas dos diques de contenção que cercam acidade de Canoas, na foto o engenheiro etá no complexo da casa de bombas número 03, no bairro Rio Branco em Canoas.
A um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Canoas (RS) – Engenheiro especialista em segurança de barragens, Fábio Borges Fanfa, fala com Agência Brasil, sobre os problemas dos diques de contenção que cercam a cidade de Canoas – Joédson Alves/Agência Brasil

“O dique é uma estrutura de engenharia, não é um amontoado de terra. Então, isso tem um cálculo técnico de altura, de largura, de resistência, de inclinação dos taludes, que são as margens do dique. Quando tu fazes uma intervenção, seja na ponta da rodovia BR-448, que cortou o talude do dique, seja a instalação de um muro em cima do dique ou até o rebaixamento do dique para usar como via pública, tu mudas o coeficiente de resistência do dique e ele não tem mais capacidade de suportar aquilo para o qual ele foi projetado”, explica o Fabio Fanfa, engenheiro agrônomo e perito judicial especialista em segurança de barragens. 

Também morador do Bairro Fátima, Fanfa integra a comissão de moradores e chegou a elaborar um laudo pericial para demonstrar a intervenção indevida das obras de construção da BR-448, que margeia a cidade de sul a norte pelo Parque Estadual do Delta do Jacuí, sobre o talude do dique que protege justamente bairros como Fátima, Rio Branco e Mathias Velho.

“Toda vez que tu mexes numa obra de engenharia é a mesma coisa que descascar o pilar de um prédio. Se fizer isso, você expõe a ferragem, ela se deforma e o prédio cai. O dique é a mesma coisa, você não pode cavar o dique porque ele se deforma e também cai. E é esse o grande detalhe que precisa ser corrigido”.

À espera de recursos

Em Canoas, a água dos rios Jacuí e Gravataí romperam os diques em diferentes pontos. Obras emergenciais estão em andamento com recursos próprios da prefeitura, para reconstruir as barreiras nos pontos em que elas cederam, mas a intervenção precisa ser realizada em toda a extensão dos diques, incluindo elevação de altura para uma cota mais segura contra inundações e remoção de obras irregulares, como moradias de famílias em situação de vulnerabilidade, que precisarão ser reassentadas. 

Intervenções semelhantes também devem ser feitas em outras cidades, como Porto Alegre, onde os diques do bairro Sarandi e da Fiergs passam por reforma.  

A Agência Brasil voltou às regiões afetadas pelas cheias de 2024. Confira a galeria de imagens de Canoas:

“Nós tivemos quatro acessos de água na cidade, em locais onde diques se romperam e onde não tinha. Atualmente, temos quatro frentes de trabalho. Acreditamos que nós somos a primeira cidade a ter as obras projetadas, licitadas, contratadas e em andamento. Só que isso tem um limite, os recursos próprios [não dão conta]”, afirma o prefeito de Canoas, Airton Souza. 

Segundo ele, os cofres municipais estão bancando obras de R$ 70 milhões, como a construção de um dique no bairro Mato Grande e a correção dos buracos abertos nos diques dos bairros Mathias Velho e Rio Branco.

“Para o mês que vem, a gente acredita que os governos do estado e federal se movimentem. Eles criaram aquele fundo de R$ 6,5 bilhões, mas o recurso ainda não chegou nos municípios para dar continuidade a essas obras”, cobra o gestor.

Em balanço do plano de recuperação do estado apresentado na semana passada na capital gaúcha, o governador Eduardo Leite afirmou que os projetos de obras estruturais serão tocados diretamente pelo estado, mas eles ainda estão sendo atualizados. 

A situação criou um impasse com o governo federal, que criticou a demora do estado em avançar nos projetos.

Protesto dos moradores


Canoas (RS), 29/04/2025 - BR 448 ao lado do rio Gravataí, os membros da comissão SOS bairros Fátima e Rio Branco, Cláudia Burfet (e), Fábio Borges Fanfa (c) e Fátima Zanchetta (d), falam com Agência Brasil, sobre a obra deveria ter a passagem bloqueada, para evitar futuras inundações na cidade de Canoas.
A um ano o estado foi atingido por temporais que afetou mais de 400 municípios gaúchos, tiveram bairros inteiros alagados. A maior tragédia climática da história, deixou pelo menos 147 mortos e afetou mais de 2,1 milhões de pessoas.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Canoas – Cláudia Burfet à esquerda, Fábio Borges Fanfa e Fátima Zanchetta são membros da comissão SOS bairros Fátima e Rio Branco. Eles cobram obras nas margens da BR 448, ao lado do rio Gravataí, para evitar futuras inundações na cidade – Joédson Alves/Agência Brasil

Enquanto a obra não sai, moradores de Canoas seguem apreensivos. Fátima Zanchetta vive no bairro que leva seu nome, o Fátima. Ela se recorda de ter saído às pressas durante as enchentes, acompanhada dos cachorros, quando a água já batia na cintura. O trauma e o medo de uma nova catástrofe ainda a acompanham.

“Eu tenho insônia, eu tenho pesadelo, e os meus cachorros, quando o tempo preteia, ficam desesperados, eu tenho que botar eles dentro do lavabo. Até os animais nossos estão traumatizados”, contou à reportagem.

A Comissão SOS Bairro Fátima/Rio Branco está organizando um ato na Avenida Irineu Carvalho Braga no próximo dia 3 de maio. A ideia é celebrar o recomeço um ano após o desastre e, ao mesmo tempo, cobrar que os projetos de ampla reforma do sistema de proteção saiam do papel.

“Estamos cobrando a liberação dos recursos, porque, sem as verbas, não vai ter reconstrução. Nós continuamos com os diques fraturados e não vai ter reconstrução [dessa forma]. Então, os governos têm que tem que liberar o dinheiro”, cobra Claudia Burtet.

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