GUILHERME BOTACINI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, 60, continuará à frente do país após o Partido Liberal derrotar a legenda conservadora de Pierre Poilievre, nesta segunda-feira (28), nas eleições nacionais.
Poilievre reconheceu a derrota e prometeu trabalhar com os liberais para contrabalançar a guerra comercial de Trump. “Sempre colocaremos o Canadá em primeiro lugar”, afirmou a eleitores em Ottawa. “Os conservadores trabalharão com o primeiro-ministro e todos os partidos pelo objetivo comum de defender os interesses do Canadá e alcançar um novo acordo comercial que deixe as tarifas para trás.”
Com 99,7% dos votos contados, os liberais terminaram com 169 votos, 3 a menos do que a maioria de 172 cadeiras necessárias para formar uma maioria parlamentar. Os conservadores concluíram o pleito com 144 assentos; o Bloc Québecois (BC), da província de língua francesa de Québec, ficaram com 22; e o Novo Partido Democrático (NPD), ficou com 7 cadeiras.
Percentualmente, são 49,3% dos votos para o Partido Liberal e 42% para os conservadores. Os liberais, portanto, formarão um governo de minoria, e precisarão de alianças para aprovações de leis e a própria manutenção do governo.
Com a redução do NPD, que costumava apoiar o Partido Liberal nos últimos anos e cujo líder, Jagmeet Singh, perdeu seu assento, a margem de negociação para os liberais se reduz, em especial em um pleito que resultou em aumento dos dois principais partidos e perda de força das siglas menores.
Poilivre, o líder conservador, também perdeu sua cadeira no Parlamento em derrota em Carleton, na região de Ottawa, o que traz incerteza sobre seu futuro político -embora ele tenha liderado o aumento da base conservadora, que possuía 120 assentos antes da dissolução da Casa para o pleito atual.
O liberal Carney assumiu o cargo que agora carregará por mais tempo após vencer disputas internas de seu partido, cujo gatilho foi a renúncia, em janeiro, do então primeiro-ministro, Justin Trudeau, que permaneceu cerca de dez anos no posto e passava por longo período de desgaste.
Foi Trudeau, no entanto, que pode ter dado o empurrão necessário para que Carney tivesse sucesso no pleito. Pouco antes de deixar a liderança do partido e o cargo nacional, ele fez um duro discurso em defesa do Canadá em meio à guerra de tarifas implementada pelo presidente americano, Donald Trump.
O discurso, amplamente visto como um dos melhores de Trudeau no cargo, catapultou as intenções de voto no Partido Liberal: até ali com pouco mais de 20% em pesquisas eleitorais, o menor nível em anos, a legenda saltou em poucas semanas para mais de 40%, ultrapassando o até então ascendente Partido Conservador, que por sua vez passou a cair.
Parte considerável da campanha de Carney, não por acaso, foi em tom de resistência às tarifas de Trump. A medida implementada pelo presidente americano atingiu o Canadá, um aliado histórico, como poucos países no mundo.
Antes do pleito, no entanto, esse posicionamento do liberal chegou a balançar, o que acabou dando força a Poilievre e adicionando dúvidas na reta final da disputa.
Após conversar com o presidente americano, no fim de março, Carney afirmou que Trump havia respeitado a soberania do Canadá durante a conversa. Uma reportagem da Radio-Canada, porém, revelou na semana anterior à eleição que o republicano repetiu na ligação o desejo de que o Canadá se torne um estado americano, detalhe omitido por Carney. A revelação estremeceu a imagem do primeiro-ministro como um líder forte que enfrentará o vizinho ao sul.
“Mark Carney foi pego em uma mentira”, disse Poilievre em um evento de campanha na semana passada, aproveitando a vulnerabilidade do adversário. “Se ele mentiu sobre isso, pode ter certeza que ele está mentindo sobre a inflação, o aumento de impostos e a crise habitacional. Não podemos confiar em nada do que ele diz.”
Mas a retórica não foi suficiente, e o Partido Liberal conquistou o quarto mandato consecutivo no país, segundo as projeções.
O recém-eleito primeiro-ministro afirmou nesta terça que seu país não deve “jamais esquecer as lições” da “traição” americana. “Venceremos esta guerra comercial”, declarou a uma multidão entusiasmada em Ottawa, onde advertiu sobre os dias “desafiadores” pela frente devido às tarifas e às ameaças de anexação de Trump. “Já superamos o choque da traição americana, mas nunca devemos esquecer as lições”, acrescentou.
Em comunicado divulgado nesta terça (29), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parabenizou Carney e disse que o Brasil tem interesse em “avançar nas negociações de um acordo comercial entre o Mercosul e o Canadá”.
Carney diz que não fará alianças com o partido Bloc Québécois (BC), sigla formada por separatistas de Québec, a província de língua francesa no leste do país. O BC busca um referendo de independência como condição para sustentar qualquer governo no Parlamento.
Uma opção é o Novo Partido Democrático, de Jagmeet Singh, que por anos sustentou margem próxima de 20% dos votos e contribuiu com o governo de Trudeau. Recentemente, no entanto, houve um distanciamento entre as legendas em meio à crise liberal antes da renúncia do ex-premiê -e as intenções de voto no Novo Partido Democrático também caíram, para um nível próximo de 10%.
Carney tem mais de uma década de experiência à frente dos bancos centrais do Canadá e do Reino Unido -o canadense se tornou o primeiro não-britânico da história a conduzir a política monetária do país europeu quando trabalhou como governador do Banco da Inglaterra de 2013 a 2020, lidando com o brexit e com o início da pandemia de Covid-19.