Tesouro no Quadrado: conheça a artista que espalha poesia por Brasília

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Por Isabele Azenha

Aline Sugai, artista do Distrito Federal, bailarina, professora e criadora, transforma a cidade em uma galeria a céu aberto.

Com adesivos, cartas e flores, ela espalha poesia pelos espaços públicos de Brasília — uma forma de intervenção urbana que não agride o espaço, mas o transforma. O projeto dela, intitulado Tesouro no Quadrado, quebra a rotina de quem passa apressado pelas ruas e convida o olhar para o inesperado.

“Essa ação, Tesouro no Quadrado, é uma brincadeira, uma tentativa de me lembrar que eu sou humana atrás da tela e que eu tenho necessidade pelo encantamento, pelo envolvimento, pela poesia que espanca o cotidiano”, diz Aline.

Desde o início do ano, a artista já deixou seus “tesouros” em diferentes pontos da cidade: estações do metrô, banheiros públicos, Rodoviária do Plano Piloto, entre outros espaços.

Intervenção

A ação de espalhar arte pela cidade pode parecer sutil, mas carrega potência. A professora de arquitetura e urbanismo Maria Fernanda Derntl, da Universidade de Brasília (UnB), afirma que “não existe um significado único para o que chamamos de intervenção urbana. A intervenção artística é uma delas. Pode ser uma maneira de vivenciar a cidade e transformá-la sem grandes obras”.

Para ela, intervenções como o “Tesouro no Quadrado” funcionam como micro-revoluções cotidianas.

“Você não precisa mudar a cidade radicalmente. São pequenas transformações que quebram o fluxo automático do dia a dia e convidam à experiência.”

Segundo Derntl, ações como essas também tensionam a fronteira entre o que é público e privado, arte e vandalismo, ordem e expressão.

Aline espalha adesivos, bilhetes e flores em lugares por onde milhares passam apressadamente. Ela chama de “caça ao tesouro” essa possibilidade de transformar um trajeto rotineiro em um momento de encanto.

“É a intenção de achar e fazer do cotidiano da cidade um tesouro mesmo. Tornar o ordinário extraordinário”, define.

Além dessas forma de arte, a bailarina também já fez ações em que oferecia danças para os transeuntes da cidade.

Inspirada por experiências pessoais e também por ações coletivas com o Essedois Núcleo Criativo, Aline intervém não só em locais públicos, mas às vezes em situações mais íntimas, deixando cartas em portas de carros ou entregando flores diretamente a desconhecidos.

“É o desejo de devolver o corpo para as pessoas. Fazer elas sentirem, estarem presentes”, diz.

Foto: Marina Moraes/Divulgação

Cartão-postal e risco

No aniversário de Brasília, Aline costuma realizar uma ações especiais: distribui arte e até mesmo seus próprios poemas no centro da cidade.

Entre os que encontraram os “tesouros”, uma cena marcou: um casal de mulheres e uma criança lendo juntas a poesia recém-descoberta. “A menina estava empolgada, como se aquilo fosse parte de uma grande brincadeira. Isso me emocionou muito”, lembra Aline.

Mas nem todas as reações são positivas. Ela relembra quando ofereceu uma dança a um senhor pipoqueiro, que recusou.

“Estou trabalhando, essa arte não é para mim”. Para Aline, esse episódio mostrou o quanto ainda se associa a arte urbana a algo elitizado — ou, no caso de mulheres artistas, até erotizado.

“Oferecer dança é me colocar em risco. É estar vulnerável na cidade. Mas também é isso que torna a ação potente.”

A artista oferece fones de ouvido para quem aceita a experiência da performance de dança. Foto: Arquivo pessoal

 

 

Arte ou Vandalismo?

A linha entre intervenção urbana e vandalismo é subjetiva. “A gente ainda tem uma cultura de higienização, principalmente no Plano Piloto”, diz Aline.

“Essa cidade limpa, branca, dificulta a relação com o que é real — que às vezes é caos, é sobreposição, é múltiplo.” Ela lembra que artistas que colam lambe-lambes ou fazem grafites podem ser abordados pela polícia, mesmo que estejam oferecendo poesia.

A professora Maria Fernanda Derntl também comenta que a lei pode considerar vandalismo, mas o olhar popular distingue.

“No dia a dia, as pessoas tendem a achar que algumas coisas são artísticas e outras não.”

Em Brasília, os grafiteiros e artistas de rua podem ser abordados pela polícia.

“Toda vez que eu vou pra rua, principalmente quando eu envolvo meu núcleo criativo, eu fico com uma pulguinha atrás da orelha. Penso se aquele vai ser o dia em que a gente vai ter que conversar com os policiais e lidar com esse risco.”

Porém, a artista afirma que não vê suas intervenções como forma de vandalismo e por isso não vai deixar de fazê-las. Ela diz que, na verdade, quando a arte sai dos palcos e museus, ela está suscetível ao risco, mas que essa é também uma das próprias virtudes de seu projeto.

Arte como ato político

Aline Sugai diz que o “Tesouro no Quadrado” não começou como um projeto.

“Era só o que sobrava de mim, uma vontade de viver. E por si só, isso já é muito. Ocupar a cidade com um corpo feminino é, sim, um ato político.”

O projeto hoje cresce nas redes, mas permanece íntimo. “Quando eu danço ou deixo uma carta, não é pra crescer na internet. É para quem encontrar.”

Ela também destaca a força das regiões periféricas no cenário artístico do DF.

“Ceilândia, Taguatinga, Sobradinho… sempre foram polos artísticos. O Plano Piloto é onde a gente se encontra, mas não é onde explode a arte.”

Aline Sugai faz intervenções urbanas por meio de adesivos. Foto: Arquivo pessoal

As intervenções não pedem permissão. “Não é sobre gosto. É sobre ter a chance de viver uma experiência”, afirma Aline. Seja lendo uma carta no metrô ou sendo convidado a dançar por uma artista desconhecida, o objetivo é romper o automatismo. “Sentir virou urgente.”

Em uma cidade que muitas vezes parece desenhada para o distanciamento, talvez o verdadeiro presente de aniversário de Brasília esteja em quem insiste em se aproximar.

Assista aos Reels de Aline Sugai no Instagram e acompanhe de perto as intervenções que estão transformando o DF em um mapa de tesouros urbanos:

https://www.instagram.com/reel/DFEQBR2MNko/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

Assista Tesouro no Quadrado – Especial 65 anos de Brasília:

https://www.instagram.com/reel/DIuGziOvNVH/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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