O pavilhão que Brasília não viu: o sonho inacabado de Oscar Niemeyer

prateleira 6 croquis de projetos de oscar niemayer (6) foto arquivo pessoal do arquivo publico do df

Na vastidão de concreto, vidro e céu que moldam Brasília, cidade erguida como símbolo do futuro em pleno Planalto Central, existem obras que nunca saíram do papel — mas que carregam em si o mesmo peso simbólico das que se tornaram realidade. O Jornal de Brasília revela uma delas em primeira mão, o Pavilhão de Exposições idealizado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, cuja existência, até então quase invisível ao olhar público, ressurge como uma joia oculta na comemoração dos 65 anos da capital.

 

A revelação do projeto inédito ocorre graças ao trabalho contínuo do Arquivo Público do Distrito Federal (ArPDF), guardião da memória oficial da cidade. A instituição é responsável pela posse do acervo onde repousa o croqui original, rabiscado à mão pelo próprio Niemeyer. Este material integra um conjunto de documentos que só agora começa a ser amplamente revelado, mostrando que nem tudo que Niemeyer sonhou foi construído — mas muito permanece vivo no papel, à espera de olhos atentos.

 

Segundo Adalberto Scigliano, superintendente do Arquivo Público DF, a exibição do projeto é um presente à cidade.“Um projeto nunca construído, mas que mostra toda a genialidade e simplicidade de Niemeyer. A carta manuscrita que o acompanha é uma rara oportunidade de entender como ele pensava a cidade”, declara Adalberto com grande sorriso sobre a descoberta das plantas.

 

A proposta do Pavilhão de Exposição, descrita pelo próprio arquiteto em uma carta escrita à mão, era simples e ousada: um espaço amplo, envidraçado, onde exposições culturais pudessem ser montadas livremente. A estrutura principal seria sustentada por uma grande viga de concreto armado, que permitiria a montagem de painéis pré-fabricados de ferro e vidro em apenas cinco meses. O projeto ainda menciona outros elementos complementares — como as salas previstas na planta, o restaurante e a churrasqueira. “Como ficaria bonito em Brasília esse pavilhão envidraçado”, escreveu ele na planta, encantado com a própria criação.

 

Traço que ficou no papel

 

Embora nascido como um marco da modernidade brasileira, Brasília também guarda cicatrizes de ideias interrompidas. O pavilhão de exposições é uma delas. O croqui foi encontrado em meio a documentos antigos da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil do Distrito Federal (Novacap) — órgão responsável pela construção da capital — quando Oscar ainda era funcionário ativo. À época, ele tinha liberdade criativa para idealizar obras que complementassem a visão cultural e urbanística da cidade. O arquivista Hélio Júnior do (ArPDF), que trabalha diretamente na conservação desses documentos, fala com entusiasmo sobre o valor simbólico do material. “São projetos belíssimos que ajudam a entender a mente de Niemeyer. Ele parecia funcionar 24 horas por dia, sempre imaginando monumentos que transformassem Brasília numa verdadeira obra de arte a céu aberto”, afirma.

 

O trabalho de preservação no (ArPDF) é meticuloso. Documentos antigos, muitos desenhados sobre papel vegetal — extremamente frágil —, passam por processos de restauração, controle de umidade, temperatura e digitalização. A ideia é democratizar o acesso, oferecendo ao público não só as obras que vemos diariamente ao caminhar por Brasília, mas também as que apenas flertaram com a realidade.

 

Hélio explica que, ao revisitar os documentos para uma descrição mais detalhada, encontrou a carta de Niemeyer com observações carinhosas sobre o projeto: “Ele dizia que ficaria bonito em Brasília esse pavilhão. Seria uma volta aos antigos pavilhões de vidros que encontramos ainda hoje pela Europa e tanto nos entusiasmamos. E sua arquitetura é correta e diferente como deveriam ser todas as obras da nova capital”, aponta o trecho emocionante do projeto. “Esse tipo de informação só é possível ao ter o cuidado de preservar esses materiais. É um detalhe que humaniza o arquiteto e mostra o quanto ele acreditava naquela ideia”, completa  o arquivista.

 

A cidade que poderia ter sido

 

Criado apenas em 1985, 25 anos após a inauguração da capital, o Arquivo Público ainda lida com os efeitos do tempo sobre documentos que, por muito tempo, ficaram dispersos. O resgate de projetos como o do pavilhão mostra não só o que Brasília é, mas também o que ela poderia ter sido. E talvez ainda possa ser.

 

Para os profissionais do (ArPDF), a missão é dupla: conservar a memória construída e dar visibilidade à memória esquecida. Em uma cidade cujo nascimento foi meticulosamente documentado, cada novo achado é como redescobrir um pedaço da própria identidade. “Esses documentos têm um valor histórico incalculável. Eles preservam a identidade cultural do cidadão brasiliense e mostram o quanto ainda temos a conhecer sobre nossa própria origem”, diz Hélio. O arquivista aponta que “certamente o pavilhão serviria como mais um centro de visitação turística, de identidade cultural para o cidadão brasiliense e brasileiro. Além da função primordial de centro de exposições, ele poderia também abrigar documentos do próprio Arquivo Público, que vem divulgando seu acervo documental”.

 

A história desse pavilhão é, em parte, a história de muitos sonhos interrompidos — ou adiados. E também uma homenagem à criatividade infindável de Niemeyer, cuja arquitetura parecia brotar de uma fonte inesgotável de invenção. Mesmo os projetos que não se tornaram edifícios concretos, como esse pavilhão de vidro, são, por si só, monumentos da imaginação.  O Arquivo Público do DF segue investigando as plantas encontradas para obter mais detalhes.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.