Nos primeiros dois meses de Hugo Motta (Republicanos-PB) como presidente da Câmara dos Deputados, o plenário e as comissões votaram menos proposições legislativas em comparação com o mesmo período do primeiro ano de seu antecessor no cargo, Arthur Lira (PP-AL).
Foram 197 propostas votadas no plenário e 257 em colegiados neste ano, número inferior ao registrado sob o comando de Lira (290 em plenário e 581 em comissões) entre fevereiro e abril de 2021. O dado representa uma queda de cerca de 48% no volume de votações.
O cálculo considera todas as deliberações realizadas no plenário e exclui apenas os requerimentos (mecanismo que pode ser usado como meio de desacelerar votações) nas comissões, usando como base tudo o que aconteceu entre os meses de fevereiro até o dia 17 de abril no primeiro ano de gestão dos dois últimos presidentes da Câmara.
A lentidão afeta especialmente o governo, que vê suas principais propostas para o ano ainda empacadas — como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que sequer teve os trabalhos iniciados em comissão especial. Também seguem parados projetos considerados prioritários pelo Planalto, como a regulação das redes sociais e a proposta que revisa os supersalários no serviço público.
Até o momento, apenas o projeto de lei sobre reciprocidade econômica, em resposta às tarifas do governo dos Estados Unidos, conseguiu tramitar com facilidade.
O Orçamento de 2025 foi aprovado no Congresso só no final de março. Parte da lentidão para votar uma matéria que geralmente é definida no ano anterior se deveu ao bloqueio de emendas imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no final de 2024, e à indefinição sobre a reforma ministerial, que deve reacomodar espaços para o Centrão.
Parlamentares e cientistas políticos ouvidos pelo Estadão apontam diferentes fatores para a queda de produtividade da Câmara. Entre eles, o atraso na aprovação do Orçamento de 2024, o perfil mais cauteloso de Hugo Motta na condução dos trabalhos, a pressão da oposição pela aprovação do PL da Anistia aos presos do 8 de Janeiro e até o número elevado de feriados no período.
Para o cientista político Lucio Rennó, decano do Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), esses fatores estão diretamente ligados ao desempenho mais baixo da Câmara. Ele destaca, em especial, o impacto do projeto de anistia, que tem concentrado os esforços da articulação política e dificultado o avanço de outras matérias. “O PL da Anistia tem consumido a articulação política e deslocado a atenção de outras pautas relevantes”, afirma.
A avaliação é compartilhada por Marco Antonio Carvalho, professor e coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo. Para ele, o tema monopolizou o debate legislativo e acabou ofuscando outras discussões importantes. “A anistia acabou, parece, virando a grande bola da vez, e a discussão do projeto de retaliação aos Estados Unidos acabou passando muito rapidamente porque havia consenso”, diz.
Carvalho ressalta que o contexto atual é menos pressionado institucionalmente do que em 2021, quando a pandemia e a necessidade de aprovar o auxílio emergencial exigiam respostas urgentes do Congresso. “O período Motta, a urgência não é tão grande e o tempo não é tão premente como se coloca. Não por acaso, o grande imbróglio é o PL da Anistia”, afirma.
Rennó acrescenta que o próprio estilo de liderança de Motta também ajuda a explicar o novo ritmo da Câmara. Ao contrário de Arthur Lira, que costumava impor votações mesmo diante de resistências internas, Motta tem adotado uma postura mais negociadora e menos impositiva, evitando confrontos e priorizando a construção de consensos. Para o cientista político, essa mudança de abordagem pode trazer efeitos positivos, já que o número absoluto de votações não é, por si só, sinônimo de eficiência legislativa. “Há ganhos quando se tem mais debate, mais escuta e menos atropelo. A qualidade da deliberação importa tanto quanto o volume”, afirma.
Desde que assumiu o cargo, Motta se ausentou de votações duas vezes para viagens ao exterior: a primeira ao Japão e ao Vietnã com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a segunda no feriado da Páscoa, em viagem particular com a família. A última ausência coincidiu com o aumento da pressão da oposição pela votação do PL da Anistia.
Além dessas duas semanas de ausência do presidente, a Câmara não funcionou durante o carnaval, no começo de março, teve os trabalhos prejudicados em razão de uma obstrução (procedimento adotado para atrasar votações) movida pela oposição em função da anistia, e deverá ter mais uma semana sem deliberações relevantes.
Na próxima semana, a Casa terá trabalho reduzido já que a discussão entre os líderes sobre a pauta foi esvaziada em razão do atual feriado. Daqui a duas semanas, o fluxo deverá ser novamente reduzido em razão do feriado do Dia do Trabalhador. Há também expectativa de pouco movimento na semana do dia 13 de maio, por causa do LIDE Brazil Investment Forum 2025, evento que reunirá empresários e autoridades brasileiras em Nova York.
Menos urgência, mais previsibilidade: a virada no comando da Câmara
Governistas atribuem a queda no número de votações a um processo natural. Lira aproveitou a oportunidade durante a mudança de trabalhos imposta pela pandemia de Covid-19 para votar mais requerimentos de urgência.
Esses requerimentos aceleram a tramitação de propostas legislativas, trazendo os projetos direto para o plenário, escapando da discussão em comissões e esvaziando a discussão pela melhoria dessas matérias. Durante a campanha, Motta prometeu reduzir o número de votação de requerimentos de urgência.
“Vamos ter uma redução de votações natural, mas vai ganhar na qualidade. Não é achar que votou urgência, que vai tocar tudo a toque de caixa que vai ter qualidade”, diz o deputado Zé Neto (PT-BA). ”Se a gente tiver melhor participação da sociedade, melhor funcionamento das comissões e perder um pouco em termos números, isso tem ganho.”
O petista aponta a votação tardia do Orçamento como um fator que contribuiu para o começo mais lento dos trabalhos na Câmara. “A questão das emendas parou tudo”, afirma. “Com a sanção do Orçamento, aí as coisas tendem a funcionar. Há muita insatisfação na base, coisa que tem que ser tratada.”
Ao assumir a presidência da Câmara, Motta fez um acordo do ritmo de trabalhos no plenário da Câmara. Foi estabelecida maior previsibilidade na pauta, divulgada na semana anterior, menor votação de requerimentos de urgência e sessões presenciais na quarta-feira, das 16h até 20h.
Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), Lira e Motta fazem parte “da mesma corte política”, mas não são a mesma coisa. “O Motta desafina menos, do ponto de vista democrático, que o Lira – até agora”, pondera. “Eu diria que Hugo Motta faz parte da mesma corte política que Arthur Lira, mas, até agora, tem se mostrado menos imperial.”
O deputado analisa que a anistia também é um fator que prejudicou os trabalhos da Casa. “O boicote do partido com a maior bancada na Casa às votações, é claro que tem prejudicado o trabalho lá, contra os interesses públicos em geral”, diz.
No final de março até o começo do mês de abril, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conduziram uma obstrução pedindo que o PL da Anistia fosse pautado no plenário. A postura durou apenas uma semana (enquanto Motta esteve com Lula na Ásia), mas interrompeu a sessão de comissões e desacelerou a votação mesmo de matérias irrelevantes, como o que institui o Dia Nacional do Congado – uma manifestação cultural e religiosa afro-brasileira.
Entre a oposição, a sensação é de que o governo “enfraquecido” prejudica a capacidade dele pautar a agenda do Congresso. “Acho que está bem lento mesmo (o ritmo de trabalho da Câmara). O governo está enfraquecido, parado, e a articulação interna está muito difícil”, afirma Adriana Ventura (SP), líder do Novo na Câmara.
O deputado Mendonça Filho (União-PE) entende que parte das ações de Hugo Motta ajudaram a enriquecer o debate legislativo e a produzir projetos de lei de maior qualidade. No começo de abril, o presidente da Câmara determinou a criação de comissões especiais para discutir, entre outras coisas, a inteligência artificial, a isenção do imposto de renda e o novo Plano Nacional de Educação.
“Nesse aspecto, Hugo percorre um caminho correto, no sentido de que a pressa aniquila o verso. Mais dedicação ao processo legislativo implicará numa melhor qualidade legislativa”, diz.
Estadão Conteúdo