Ouço essa frase pelo menos uma vez por mês, dita em uníssono por três vozes diferentes: “ainda bem que vocês vieram para Brasília”. As vozes são dos meus três filhos. O plural revela que a frase é direcionada a duas pessoas: minha mulher e eu, que largamos tudo em São Paulo, ainda por volta dos vinte anos, para construir uma nova vida aqui. Ainda bem.
Muita gente, à época, não entendeu nada. Tínhamos bons empregos — aliás, dois bons empregos cada um. Nossas famílias estavam todas em São Paulo e não reagiram bem à notícia — pelo menos no início. Com o tempo, tudo mudou: passaram a adorar as visitas à nova capital. Até os amigos embarcaram nessa, e as visitas se tornaram frequentes.
A mudança não foi movida por um espírito aventureiro. Foi uma decisão prática: as oportunidades eram maiores e a qualidade de vida, imensamente melhor. Minha mulher encontrou o emprego perfeito — daqueles que parecem feitos sob medida. E de fato era: em pouco tempo, ela já ocupava os principais cargos da empresa e se tornava referência na área. Eu, por minha vez, aceitei uma proposta do Jornal do Brasil, que vivia então seu auge. Sem exagero, estava entre os melhores veículos jornalísticos do país. A sucursal era comandada por uma figura única, Walder de Goes, e os editores da redação no Rio fariam parte de qualquer seleção nacional de talentos. Ainda tive o privilégio de trabalhar ao lado da sala de Carlos Castello Branco, o Castelinho — e mais: era eu quem lia sua coluna antes de enviá-la à sede.
Se ainda restasse alguma dúvida quanto à decisão de ter vindo, ela se dissipou três semanas depois da minha chegada. Como chefe de reportagem, fui um dos coordenadores da cobertura de um dos episódios mais marcantes da época: a demissão do ministro do Exército, Sylvio Frota, pelo presidente Geisel — uma ação decisiva para a abertura política, ainda que, como se dizia, “lenta e gradual”. Foi um dia eletrizante, com direito até a uma “batalha” de carros verde-oliva no aeroporto, disputando o destino dos generais de quatro estrelas: Planalto ou Quartel-General do Exército? Hoje todos conhecem o desfecho, mas a emoção daquele dia foi o que de melhor o jornalismo podia oferecer.
Seria impossível listar tudo o que vivemos — aquela equipe brilhante, da qual eu era o mais novo, atravessou marcos como a eleição de Tancredo. E ainda testemunharíamos muito mais, de trágico e de glorioso: a Constituinte, o confisco de Collor, o nascimento do Plano Real. Estávamos ali, ainda que pequenos, bem no centro daqueles acontecimentos. Pode-se argumentar que isso é coisa de jornalista romântico, que acha que faz parte da história enquanto os protagonistas são outros. Talvez. Mas difícil não se empolgar com tudo aquilo.
E é justamente aí que vem o melhor. Nós, brasilienses — jornalistas ou não — temos o privilégio de viver cercados de arte. Nem todos estão lado a lado com os painéis de Athos Bulcão, com o relógio centenário jogado ao chão por um cretino, com o plenário iluminado do Supremo, as obras do Itamaraty ou esculturas únicas no mundo. Mas todos moram, vivem e trabalham em uma cidade desenhada por Lúcio Costa. Basta virar a cabeça e lá estão os traços de Niemeyer. Em poucos passos, chega-se a um gramado. Você pode se deslumbrar com as obras de arte da Europa, da Ásia ou de qualquer outro continente — mas em Brasília, você está o tempo todo dentro de um patrimônio da humanidade.
Por tudo isso, não é à toa que meus filhos ainda hoje se encantam com a cidade onde nasceram, vivem e criam seus próprios filhos. Brasília é uma maravilha que não se esgota — seja no trabalho, no lazer ou simplesmente ao olhar em volta.