Vinhos de Brasília brindam os 65 anos da capital

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Brasília nasceu do sonho moderno de erguer uma capital no coração do país e, aos 65 anos, continua a surpreender com sua vocação inovadora. Para celebrar esse aniversário, resgatamos a história de um projeto visionário: a produção de vinhos no Planalto Central. Uma iniciativa que transformou o cerrado em território de rótulos premiados e de alta qualidade.

Sim, Brasília também é terra de uvas e vinhos. E não estamos falando de promessas futuras, mas de realidade consolidada. Com alta tecnologia, conhecimento técnico e um terroir singular, a região já se destaca no cenário nacional. Parte essencial dessa transformação veio da união de produtores locais que fundaram a Vinícola Brasília — entre eles, Rodrigo Sucena, sócio da Ercoara Cordeiro e Vinho, e um dos entusiastas dessa nova fronteira da vitivinicultura brasileira.

Do mercado de luxo à viticultura

Antes de ingressar no mundo do vinho, Rodrigo trabalhou por 16 anos no mercado de luxo, sendo sete deles como gerente da Montblanc. Foi em 2011, ainda nesse cargo, que teve seu primeiro contato com os vinhos de colheita de inverno da Vinícola Guaspari e se impressionou com a qualidade. O interesse amadureceu e, em 2017, ele aceitou o convite de Erbert Correia Araújo, o Bebeto — médico veterinário e fundador da Ercoara — para dar início a um projeto de produção de uvas e vinhos no Cerrado.

O ponto de virada veio com a descoberta da técnica da dupla poda, desenvolvida pela Epamig, em Minas Gerais. A metodologia permite transferir a maturação das uvas do verão chuvoso para o inverno seco, criando as condições ideais para o cultivo no clima de Brasília. Foi nesse período que Rodrigo conheceu Ronaldo Triacca, da Vinícola Triacca. “Conversamos sobre a técnica, explicamos que estávamos iniciando o projeto e manifestamos o desejo de reunir outros produtores com o mesmo propósito, para juntos montarmos uma vinícola”, relembra. Na sequência, os primeiros dois hectares da variedade Syrah foram plantados na Ercoara.

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Foto: Divulgação

Nascia ali a Vinícola Brasília, formada por dez produtores rurais da região. Com ampla experiência agrícola, especialmente no cultivo de grãos, o grupo decidiu aplicar seu conhecimento técnico e espírito cooperativo à vitivinicultura. Hoje, compartilham uma estrutura moderna de vinificação, contam com equipe técnica especializada e elaboram vinhos que vêm ganhando reconhecimento nacional.

Dupla poda: o segredo do vinho brasiliense

Segundo Rodrigo, a produção de uvas viníferas no Cerrado só foi possível graças à técnica da dupla poda, que modifica o ciclo da videira. Em setembro, no início das chuvas, a planta é podada. Em fevereiro, uma nova poda reinicia o ciclo, permitindo que a frutificação ocorra no período seco do inverno. A maturação das uvas acontece entre maio e agosto, justamente quando Brasília apresenta dias ensolarados, baixa umidade e noites frias, com temperaturas que chegam a 3 °C.

Essas condições favorecem uma maturação lenta e completa, resultando em uvas ricas em compostos fenólicos como taninos, antocianinas e resveratrol. Os vinhos produzidos são estruturados, frescos e complexos. Estudos recentes, que em breve serão publicados pela Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), apontam que os vinhos brasilienses apresentam índices de polifenóis totais e resveratrol superiores aos de muitas regiões tradicionais do mundo.

Um terroir autêntico

Na Ercoara, o solo é argilo-pedregoso, com presença de “tapiocanga” — rocha rica em ferro e argila, típica do Cerrado. Essa composição mineral influencia diretamente a identidade dos vinhos da região, que se destacam pela cor intensa, taninos marcantes, acidez natural e equilíbrio.

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Foto: Divulgação

“Nossos vinhos têm muita estrutura e elegância. Os brancos são vibrantes, com acidez firme. Os tintos têm força, mas também frescor. E mesmo com graduação alcoólica entre 13% e 15%, o álcool se apresenta macio, graças ao glicerol, que confere textura e uma sensação sutil de doçura”, explica Rodrigo.

As uvas do Planalto

A Syrah foi a variedade pioneira nos vinhedos da região, mas outras uvas vêm demonstrando excelente adaptação ao terroir do Planalto Central. A Cabernet Franc se destaca pela produtividade e sofisticação. Tempranillo, Marselan e Pinot Noir também apresentam ótimos resultados. Entre as brancas, Rodrigo ressalta a Viognier, considerada uma joia rara: aromática, estruturada e elegante, apesar de exigir manejo cuidadoso.

Um futuro com projeção global

Às vésperas da quinta safra, com vinhedos em plena produção, Brasília já se consolida como protagonista da viticultura de inverno no Brasil. A expectativa, segundo Rodrigo, é de que o reconhecimento internacional não tarde a chegar. “A técnica da dupla poda casou perfeitamente com nosso clima. Os produtores estão comprometidos com a qualidade. Temos união, expertise e identidade. Brasília tem tudo para se firmar no mapa mundial do vinho.”

E assim, no aniversário da capital, celebramos não só seu passado visionário e arquitetura única, mas também o sabor que nasce de sua terra, de seu povo e da capacidade de reinventar o impossível. Um brinde a Brasília — e aos vinhos que traduzem, em cada taça, o espírito do Cerrado.

 

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