MARIANNA HOLANDA E CATIA SEABRA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O Palácio do Planalto acionou ministros de partidos da base aliada para que eles tentem reverter, junto às suas bancadas na Câmara dos Deputados, apoio ao requerimento de urgência do projeto de lei que prevê anistia a presos nos ataques golpistas de 8 de janeiro e pode se estender a outros envolvidos na trama golpista.
Segundo relatos, o próprio presidente Lula (PT) e a ministra Gleisi Hoffmann (PT), chefe da Secretaria de Relações Institucionais, ligaram para integrantes do primeiro escalão. Aos ministros, ela entregou a lista de correligionários que assinaram o requerimento.
Os ministros têm, no entanto, admitido dificuldades para dissuadi-los. Dizendo-se sob pressão dos bolsonaristas, esses deputados alegam que a retirada de assinatura contrariará sua base eleitoral.
O documento, protocolado pelo PL de Jair Bolsonaro na segunda-feira (14), dá a possibilidade de o projeto ser discutido diretamente no plenário. Mais da metade das assinaturas foi de congressistas dos partidos da base do governo -União Brasil, Republicanos, PP, PSD e MDB. Juntos, essas legendas têm 10 ministérios.
Segundo relatos, Lula e Gleisi ligaram para ministros nesta semana pedindo para atuarem junto às suas bancadas estaduais ou partidárias. O cálculo é para conseguir que 20 deputados desistam de apoiar a urgência -um ministro disse, reservadamente, já ter conseguido cinco.
O requerimento teve 262 assinaturas, sendo 257 o número mínimo. O PL mudou de estratégia no início da semana, diante da pressão do governo para impedir o apoio de deputados da base.
O movimento do Planalto, contudo, é classificado como tardio e inócuo, de acordo com lideranças partidárias. A avaliação de caciques do centrão é que o governo deveria ter se antecipado e agora busca um gesto que será mais político.
Como não é possível, regimentalmente, a retirada de assinaturas, a estratégia do governo é de apresentar uma lista de arrependidos na reunião do colégio de líderes que debaterá o requerimento.
Isso, na leitura de congressistas alinhados do Planalto, daria argumentos políticos para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), segurar o projeto -cabe a ele a palavra final sobre levar o texto ao plenário.
Motta tem resistido a dar seguimento ao projeto de lei, mas está numa saia justa. A pressão contrária vem, além do governo, do STF (Supremo Tribunal Federal), que vê a iniciativa como uma afronta à corte.
Lula deve se reunir na próxima semana com Motta e líderes de partidos na Câmara. O encontro já estava previsto antes da obtenção do número de assinaturas para o requerimento de urgência. Agora, ocorrerá num ambiente tomado por essa pauta.
Em outra frente, bolsonaristas alegam acordo firmado por Hugo Motta durante sua eleição à presidência da Casa, em que ele teria se comprometido a pautar o projeto, caso fosse da vontade da maioria da Câmara.
Aliados de Motta já esperavam que o Planalto intensificasse sua atuação pela retirada de apoio de deputados da base governista à proposta. Ao falar nesta semana que não decidirá sozinho e que deve levar a proposta para discussão no colégio de líderes, o presidente da Casa busca dividir responsabilidade e cobrar atuação do governo.
O seu entorno avalia que agora a bola está com o Planalto, e que ele fez o que pôde para tentar evitar o avanço do projeto na Casa.
“Democracia é discutir com o Colégio de Líderes as pautas que devem avançar. Em uma democracia, ninguém tem o direito de decidir nada sozinho. É preciso também ter responsabilidade com o cargo que ocupamos, pensando no que cada pauta significa para as instituições e para toda a população brasileira”, afirmou no X, antigo Twitter.
Normalmente, um requerimento de urgência leva a assinatura dos líderes, representando o número de deputados das suas bancadas. Desta vez, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), teve de coletar as assinaturas no varejo, o que tornou o processo mais demorado.
O regimento diz que para retirar as assinaturas seria necessário um novo requerimento, assinado por metade mais um dos deputados que apoiaram o primeiro. O que, até para governistas, é visto como improvável.
Uma liderança do centrão disse, reservadamente, que o esforço do governo não vai conseguir impedir o avanço do projeto de lei. E que agora deve ser debatido um texto que seja mais palatável ao Congresso, ou seja, que não foque em anistia para as lideranças, como Bolsonaro.
O PL já está elaborando um novo texto, como mostrou a Folha de S.Paulo, por determinação do próprio ex-presidente após encontro com Motta. Segundo relatos, a ideia é que seja um projeto mais enxuto, mas ainda não há detalhes sobre quem deve ser contemplado.
Integrantes do centrão, no geral, defendem a possibilidade de penas mais brandas para os que estiveram presencialmente nos ataques golpistas, não contemplando Bolsonaro e os outros acusados de liderar a trama golpista. Publicamente, o ex-presidente diz que o texto não é para beneficiá-lo.
Toda a movimentação do governo e da oposição ocorre numa semana de esvaziamento na Câmara. Por causa do feriado, muitos líderes e o próprio Motta viajaram e a pauta foi de projetos de menor relevância e sem polêmicas.
A ministra Gleisi criticou na semana passada deputados que assinaram o requerimento de urgência, classificando-os como “desavisados”.
Na mesma publicação, contudo, admitiu que deve ser realizada uma discussão para concessão de anistia ou redução de pena para os envolvidos nos atentados.
A fala gerou ruído com ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Então, ela voltou às redes para dizer que cabe ao Judiciário a decisão sobre os ataques promovidos pelos apoiadores do Bolsonaro.
“Quero deixar claro que eventuais revisões de pena aos réus do 8 de Janeiro cabem única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, que conduz os processos. Entendo sim que esse debate pode e deve ser feito na sociedade, inclusive no Congresso, como já vem acontecendo de fato, mas sem interferir na autonomia do Poder Judiciário”, publicou.