Chefe de paramilitares do Sudão anuncia governo rival após dois anos de guerra

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GABRIEL BARNABÉ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O chefe do grupo paramilitar sudanês Forças de Apoio Rápido (RSF), o general Mohamed Hamdan Dagalo -conhecido como Hemeti-, declarou nesta terça-feira (15) a formação de um governo rival, dois anos após o início do conflito entre seu grupo e o Exército estatal.

O Sudão está mergulhado em uma guerra civil que eclodiu há dois anos, em abril de 2023, entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF), lideradas pelo general e atual líder do país Abdel Fattah al-Burhan, e os paramilitares das RSF comandados por Hemeti -que antes fora subordinado de Burhan.

No comunicado publicado em sua conta do aplicativo Telegram, Hemeti afirma que ele e seus aliados civis escolhem, nesse momento, um “caminho que reflete a diversidade do Sudão como sua maior força, não sua maior ameaça”.

“Declaramos provisoriamente o estabelecimento do Governo da Paz e da Unidade, uma ampla coalizão civil que reflete a verdadeira força do Sudão. Juntamente com todas as forças civis e políticas sudanesas, a Frente Revolucionária Sudanesa, a sociedade civil, organizações de mulheres, movimentos da juventude e comitês de resistência, assinamos uma constituição histórica de transição, um roteiro para um novo Sudão”, declarou.

O documento lista uma série de áreas que, segundo Hemeti, estarão contempladas e garantidas neste novo governo: educação, sistema de saúde e justiça. Ressalta, ainda, que “esse não é um estado de comandantes da guerra, é um governo do povo”, e lista diretrizes que seriam adotadas por um possível novo governo.

Ainda não está claro o que Hemeti e as RSF devem fazer para colocar em prática o que o general anunciou. O atual líder do país, Burhan, ainda não se pronunciou sobre o marco dos dois anos de guerra ou sobre as declarações do rival.

A declaração de Hemeti se dá no dia em que completam-se dois anos de conflito direto entre os generais. A disputa de poder já deixou quase 40 mil mortos, além de 49% da população em situação de insegurança alimentar, e outros 14 milhões deslocados.

Desde a eclosão do conflito entre Burhan e Hemeti, a maioria das mortes foi causada por confrontos entre as duas forças, SAF e RSF, além de ataques com alvo em áreas civis, incursões aéreas (inclusive com drones) e combates nas tomadas e retomadas de territórios pelo país.

Em Darfur do Norte, as RSF assumiram no último domingo (13) o controle do campo de Zamzam -que abriga deslocados internos- após quatro dias de conflito no local. De acordo com dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas, até 400 mil pessoas foram deslocadas, e só entre sexta-feira (11) e sábado (12) mais de 300 civis foram mortos.

O anseio pelo domínio sobre o país e, consequentemente, sobre o território e as riquezas do Sudão é produto de uma equação iniciada há décadas. Tanto Burhan quanto Hemeti comandaram juntos, como líder e vice, o Conselho Soberano. O órgão foi criado para mediar a transição entre militares e civis após a queda de Omar al-Bashir, que capitaneou uma ditadura militar no país e só foi deposto quase 30 anos depois de seu golpe, em abril de 2019.

A incursão democrática sudanesa -com pouco mais de dois anos de caminhada-, no entanto, foi derrubada por um novo golpe. O primeiro-ministro, Abdalla Hamdok, até então respaldado pelo Conselho Soberano, foi preso pelos generais Burhan e Hemeti com a justificativa de que precisavam corrigir o rumo da transição e evitar uma guerra civil.

Ironicamente, ambos os líderes passaram a disputar o controle efetivo do Estado. A incorporação das RSF ao Exército -fator central do plano de transição democrática negociado anteriormente- foi o principal ponto de tensão, já que Hemeti evitou a subordinação imediata. O estresse político e institucional com Burhan explodiu no conflito interno que ambos diziam tentar evitar.

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