
Walber Aguiar*
Como as plantas, a amizade não deve ser muito nem pouco regada.
Drummond
Era tarde da noite. Hora das reflexões, do sono, da oração silenciosa. Momento da comunhão, da solidão, da brincadeira que ficou na lembrança e na poeira do subconsciente. Tempo de levantar, encher o peito de alegria e saltar na direção de Deus
Não do Deus carrancudo e ortodoxo, circunspecto e com cara de são Benedito. Mas de um Deus do cotidiano, que ouve o lamento e a gargalhada, que se importa com a lágrima e com a pacificação da alma.
Seu nome, Samuel, sua vocação a vontade de viver. Coisa de amizade, de querer que esteja perto, com o pastel quente e a coca gelada. Um profeta do riso, da inocência, do desejo de servir.
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Meu coração de poeta atravessou as paredes do quarto e foi encontrá-lo no sussurro das canções do Maranata, Tempo em que as estrelas serviam de cobertor ao frio da cruviana e do igarapé que enchia o peito de grandeza e de conhecimento. Tempo das piadas do velho Eugênio, da alegria de Arão, o “anjo das pernas tortas”. Samuel continua sendo uma prova de que pode haver amizade na fé, o olho no olho, o pastelzinho quente das cinco da tarde.
Depois de atravessar o concreto armado da distância e do tempo, meu coração aquietou-se no Hermon, no monte da transfiguração. Ali, na geografia do afeto e da proximidade, tendas foram armadas. Comemos peixe e pastel no silêncio do sobrenatural, enquanto os dias passavam apressados e cheios de mesmice.
Encurralado e surpreso pela alegria, À semelhança de C.S. Lewis, Samuel entendeu que precisava se render. Contagiado pela “sarça” , pelo gozo da misteriosa presença divina, tratou de espalhar essa síndrome do salmo 117.
Era tarde da noite. O galo cantava. Lembrei de Pedro e da fobia das labaredas. Nadei sozinho no Maranata da fé, do amor e da amizade. Chorei a lembrança, sorri de mim mesmo, sonhei que a comunhão continuava naquele Hermon macuxi. Samuel mergulhou no poção das cobras; quanto a mim, dormi, acordei, matei a saudade, voltei a viver…
*Poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras
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