DOUGLAS GAVRAS
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)
“Tenho 70 anos e já vi esse filme tantas vezes, a última foi com [o ex-presidente Mauricio] Macri e o ator principal já era o ministro [da Economia] Luis Caputo. Eles liberam a compra de dólares, se desesperam e proíbem de novo, até o ministro é o mesmo”, lembra o aposentado Agnardo Lemotte, ao sair para comprar dólares em uma agência bancária.
O primeiro dia útil desde 2019 em que os argentinos não tiveram restrição para compra da moeda americana por pessoas físicas parecia uma segunda-feira qualquer, sem filas nem correrias nas agências bancárias.
As expectativas eram altas desde a noite da última sexta-feira (11), quando o governo anunciou que chegava ao fim o limite de compra de US$ 200 por mês, pela via oficial, após o país selar um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), desta vez de US$ 20 bilhões.
“Bom, se o presidente Javier Milei repetia o discurso de liberdade econômica, não fazia sentido manter a restrição de comprar dólares”, avalia o vendedor Luis Osarte, 33, em frente a uma agência bancária no centro de Buenos Aires. “O problema é que as pessoas não têm pesos para comprar dólares.”
A liberação do chamado “cepo cambiário” era uma das exigências do FMI. No primeiro dia sem a restrição, o governo afirmou que não há uma preocupação com os efeitos das medidas anunciadas pelo ministro da Economia, no fim da semana passada.
Além de levantar o “cepo”, o governo anunciou que o dólar oficial passa a flutuar entre bandas de 1.000 a 1.400 pesos argentinos -ou seja, sempre que a moeda estiver fora desse intervalo, o banco central argentino vai intervir vendendo ou comprando dólares.
Na estreia do regime cambial, a moeda estava cotada a 1.230 pesos argentinos no meio da tarde, sem ter tocado o limite das bandas de flutuação. Na prática, isso representa uma desvalorização de 12,1% ante os 1.097 pesos cotados na sexta-feira.
Ao mesmo tempo, o dólar blue (paralelo) era cotado a 1.280 pesos, reduzindo a chamada “brecha cambiária”. A distância entre a cotação oficial e a paralela era uma das principais críticas apontadas pelos economistas contrários ao ajuste do governo Milei.
As ações das empresas argentinas no exterior subiram com força, assim como os títulos do Tesouro do país, depois que o governo suspendeu a maior parte dos controles cambiais.
O destaque foi para os papéis da petroleira YPF na Bolsa de Nova York, com alta de 14%, e os do Mercado Libre (+4%). O índice S&P Merval, que reúne ações de empresas argentinas, subia 2,3% em peso e 10% em dólar.
No começo da manhã, a maior dificuldade enfrentada pelos correntistas foi para acessar suas contas em aplicativos. Nas primeiras horas de operação, quando tentavam acessar os serviços do Banco de la Nación para comprar dólares, se deparavam com uma mensagem de sistema fora do ar.
O BCRA (Banco Central da República Argentina) anunciou no fim de semana que há um limite de compra com dinheiro vivo de US$ 100 por mês, o que pegou parte dos argentinos de surpresa. Os correntistas podem comprar sem limite usando suas contas em dólares e depois sacar o valor no caixa, mas não é possível levar um bolo de pesos argentinos ao banco e trocá-lo por mais de US$ 100.
ECONOMISTAS CRITICAM SAÍDA PARCIAL
Os economistas críticos ao governo estão apontando que foi uma saída parcial do cepo que não liberou a compra de dólares pelas empresas, que ainda precisam esperar o fim do exercício de 2025 para operar livremente no mercado de câmbio.
Milei deu uma entrevista mais cedo prometendo que a inflação não vai disparar, e voltou a comemorar a confirmação do novo acordo do país com o FMI.
Segundo o governo, desses US$ 20 bilhões, o desembolso inicial do FMI sob o novo acordo de dívida será de US$ 12 bilhões (R$ 70,5 bilhões). Além desse montante, será feita uma transferência de US$ 2 bilhões (R$ 11,7 bilhões) em junho e de US$ 1 bilhão (R$ 5,9 bilhões) para o segundo semestre.
Milei também anunciou que as retenções nas exportações agrícolas aumentarão novamente em julho, após a redução transitória ordenada em janeiro. Dessa forma, a soja, por exemplo, voltaria a uma alíquota de 33%, após ter sido reduzida para 26% por decreto.
No início da tarde, o presidente se reuniu na Casa Rosada com o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, que faz um viagem relâmpago a Buenos Aires.
Segundo o gabinete de Bessent, durante a reunião, o secretário reafirmou o total apoio dos Estados Unidos às “ousadas reformas econômicas do presidente Milei” e o elogiou pela ação imediata de seu governo para reduzir as barreiras ao comércio recíproco com os Estados Unidos.