Entenda a crise entre os Estados Unidos e o Irã

IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Negociadores americanos e iranianos foram a Omã neste sábado (12) para tentar reavivar as negociações visando evitar que Teerã desenvolva a bomba atômica. As conversas são indiretas, por meio de mediadores, com cada delegação numa sala diferente.

É a primeira tentativa de retomar o diálogo de fato desde que Donald Trump abandonou, em seu primeiro mandato, o acordo fechado em 2015 que trocava o fim de sanções ocidentais ao Irã pelo abandono dos objetivos militares de seu avançado programa nuclear.

Agora, o pessimismo impera a tentativa de Trump de chegar a um acordo, não menos porque o americano colocou suas forças de ataque em prontidão para ir às vias de fato contra os iranianos caso as conversas não avancem. A seguir, um resumo de como a crise chegou ao ponto agudo em que está.

DESCONFIANÇA VEM DE LONGE

A relação de desconfiança entre Irã e EUA remonta a 1953, quando Washington e Londres patrocinaram a derrubada do governo que havia nacionalizado uma empresa petrolífera britânica. O golpe colocou no poder o xá Reza Pahlevi, altamente impopular.

Em 1979, religiosos fundamentalistas liderados pelo então exilado aiatolá Ruhollah Khomeini tomaram o poder e o xá foge parra os EUA, fundando a República Islâmica. A crise dos reféns na embaixada americana em Teerã, prego no caixão do governo de Jimmy Carter, acabou de vez com as relações diplomáticas entre os ex-aliados.

CONFLITOS PAUTAM A AGENDA

De 1980 a 1988, o Irã travou uma sangrenta guerra com o Iraque, cujo ditador Saddam Hussein recebia apoio dos EUA que depois o matariam. A política de expansão iraniana por meio de prepostos como o Hezbollah libanês floresceu, com choques como o atentado que matou 241 fuzileiros americanos em Beirute em 1984. Quatro anos depois, os EUA matam 290 iranianos ao derrubar por engano um jato comercial no golfo Pérsico.

COMEÇA A TENSÃO NUCLEAR

Após a primeira Guerra do Golfo (1991), os EUA buscam conter a proliferação de armas de destruição em massa na região. Isso leva a um embargo total à venda de petróleo e gás pelos iranianos. Teerã tinha um programa nuclear assistido pela ONU desde os anos 1950, mas nos anos 1980 a suspeita de que ele servia para disfarçar a busca pela bomba cresceu. Agora, viraria tema constante na agenda internacional.

APROXIMAÇÃO E O EIXO DO MAL

Após dois períodos breves de tentativa de negociação, no fim do governo Bill Clinton em 2000 e quando Washington e o Irã tinham um inimigo comum no Talibã afegão, George W. Bush colocou o país persa ao lado de Coreia do Norte e Iraque no chamado “eixo do mal”, em 2002. Quatro anos depois, o presidente Mahmoud Ahmadinejad acelera a produção de urânio enriquecido, enquanto faz uma abertura a Bush numa carta inédita. Não dá certo, e o iraniano denuncia Israel e a direita americana pelo fracasso.

O CAMINHO DO ACORDO

Em 2013, Barack Obama inicia a negociação com o moderado Hassan Rouhani, chamando à mesa seus aliados europeus, a Rússia e a China. O resultado veio dois anos depois, com o JCPA (sigla inglesa para Plano de Ação Global Conjunto), em que Teerã submeteu seu programa a um regime de inspeção e renunciou à busca pela bomba na prática, em troca do fim de sanções ocidentais e a liberação de US$ 100 bilhões congelados.

TRUMP ZERA O JOGO

Presidente, Trump fez os EUA saírem do JCPA em 2018, afirmando que os iranianos apenas ganhavam tempo rumo à bomba. Passou à fase de coerção militar, pressionando Teerã a negociar sob a ameaça de ataques às instalações do programa. Trump manda matar o principal general do país, e depois uma operação israelense assassinou um cientista central para o programa nuclear.

O IRÃ ACELERA NOVAMENTE

Pressionada, a teocracia acelera a produção de material físsil, que é enriquecido em ultracentrífugas. A agência da ONU diz que as “linhas vermelhas” estão rompidas e que a bomba está à mão do Irã em questão de meses. A última estimativa fala em matéria-prima para de quatro a seis bombas rudimentares.

O país assina um pacto estratégico e militar com a Rússia neste ano, que muitos temem embutir cláusulas secretas para ajudar na montagem de uma ogiva em mísseis balísticos.

MAS A TEOCRACIA ESTÁ ENFRAQUECIDA

Isso tudo ocorre em momento de fraqueza do regime. Primeiro, problemas econômicos e sociais levaram a protestos inéditos em 2022. Depois, a guerra disparada pelo aliado Hamas contra Israel levou à destruição de boa parte da defesa primária de Teerã, na forma de grupos como o terrorista palestino ou o Hezbollah libanês.

Irã e Israel trocam fogo inédito à distância, com o Estado judeu sinalizando que pode atacar as instalações nucleares. Os aliados iranianos no Iêmen se envolvem na guerra e são objeto de pressão. Para piorar, o presidente radical Ebrahim Raisi morreu em 2024 em uma estranha queda de helicóptero.

TRUMP VOLTA À CARGA

Depois de ordenar ataques mais intensos aos houthis do Iêmen, Trump envia carta ao líder supremo do Irã, Ali Khamenei, dando um prazo até 1º de maio para aceitar negociar. Enquanto isso, concentra uma força de ataque aéreo com bombardeiros furtivos ao radar na base de Diego Garcia e dois grupos de porta-aviões no Oriente Médio, dizendo que irá à guerra se Teerã não conversar. Após negar agir sob pressão, o Irã aceitou conversas indiretas por meio de mediadores no Omã, que começaram neste sábado (12).

PESSIMISMO DOMINA O AMBIENTE

O problema das negociações é que o governo Trump já deixou claro que quer uma “saída Gaddafi” para a crise, aludindo ao fim do programa nuclear líbio pelo ditador em 2003, em troca do fim de sanções. Muammar Gaddafi acabou morto na sarjeta em 2011, lembram os iranianos. A Rússia tentou agir como mediadora, sem muito sucesso, e a Casa Branca renovou sanções contra o país persa. Além disso, Trump é conhecido por ofertas heterodoxas, usualmente reversíveis, o que deixa o cenário incerto.

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