Marçal: as redes sociais têm um limite

(Imagem de MrJayW por Pixabay)

Talvez em nenhum outro lugar as redes sociais tenham sido utilizadas de uma maneira tão intensa e com resultados tão evidentes como na campanha eleitoral para a eleição do prefeito de São Paulo. Porém, ao mesmo tempo, ficou evidente que, apesar dos resultados surpreendentes, o controle da maioria do fluxo de redes sociais não é garantia de se impor o produto, no caso, o candidato.

Isso tem um significado bastante positivo em termos de não existir ainda uma maneira de se impor à maioria da população um produto ou um tipo de comportamento voluntário tendo como base apenas um certo tipo de indução. Ou seja, o pesadelo de um mundo unificado, tipo 1984, sem o emprego paralelo da persuasão coercitiva e da punição ainda não é um risco fatal e definitivo. O teste a seguir será o do emprego da inteligência artificial, mas isso ainda vai levar algum tempo.

A campanha eleitoral paulistana online, nas redes sociais, nos canais do YouTube, acabou se transformando num grande teste real ou ao vivo, em termos de sociologia, comportamento humano, controle coletivo, testes de indução, do qual vão também se beneficiar as empresas de publicidade nas campanhas de lançamento de novos produtos. Campanhas de produtos com condições de aplicar milhões na invasão das redes sociais com os chamados cortes, que podem ser frases, ilustrações, fotos, vídeos ou filmes.

Países com vocações ditatoriais também poderão se inspirar nos resultados obtidos por Pablo Marçal com suas redes sociais, sabendo que poderão conquistar o apoio do equivalente a um terço de uma população. É claro, as redes sociais são importantes, mas não passam de um meio de utilização fácil para atingir milhões de pessoas. Elas só funcionam para quem tiver a mensagem, no caso a mensagem populista conservadora, inspiradora de segurança.

Mas só isso não basta. É preciso o carisma, a sedução, o magnetismo, o fascínio possuído por certos líderes políticos ou religiosos, que atraem seguidores. Foi o caso de Hitler, que arrastou os alemães para a guerra; do líder islâmico Khomeini, que derrubou o Xá Reza Pahlevi; do fenômeno social também surgido em São Paulo, Jânio Quadros, todos eles sem contarem com redes sociais.

E chegamos, então, ao novo líder surgido em São Paulo, Pablo Marçal, eliminado das eleições para prefeito, mas que se declara pronto para se lançar candidato à presidência ou à sucessão de Tarcísio de Freitas no governo de São Paulo.

A CNN convidou um especialista, Renato Dolci, especialista em ciência de dados e transformação digital para explicar o método aplicado por Marçal nas redes sociais, considerado como algo novo. Esse método fez com que Marçal tivesse 600 milhões de visualizações, enquanto todos seus concorrentes juntos não passavam de 80 milhões.

O método inovador permitiu também a Marçal testar discursos para saber qual o formato a ser utilizado diante do público. Foi assim que percebeu serem seus discursos agressivos bem recebidos pelo eleitorado mais idoso e seus discursos centrados na prosperidade serem mais bem recebidos pelos mais jovens, principalmente na periferia.

Mas nem tudo foi um sucesso nesse formato criado por Marçal na propaganda digital, porque o sentimento negativo com relação ao candidato era maior que o positivo. Restou também a impressão de que a novidade Pablo Marçal surgida do nada, de repente, no começo da campanha, entrou numa fase de desgaste no decorrer dela. Assim, foi perdendo força até cair para o terceiro lugar nas votações e ser eliminado.

Mas sua derrota, que recolocou a campanha eleitoral entre Boulos e Nunes nos moldes tradicionais, não significa seu desaparecimento. Mais inteligente, mais preparado e mais ágil de linguagem que Bolsonaro, Marçal quebrou o monolitismo da extrema direita e limitou a presença evangélica nos seus discursos, provocando a ira do líder pastor Silas Malafaia. Se Marçal se mantiver e crescer como líder desse setor da direita e extrema direita, isso irá resultar numa perda da presença e influência política dos pastores evangélicos. O populismo evangélico bolsonarista, que dominou as redes sociais durante anos, não tem a mesma velocidade digital do populismo de Marçal.

Roberto Dolci na CNN –
https://www.facebook.com/watch/?v=1233966221075784

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.

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