Cidade Livre: a terra dos primeiros candangos nos dias de hoje

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Mais antiga que a própria capital federal, a região do Núcleo Bandeirante completa 68 anos em 2024. Berço dos pioneiros que ergueram Brasília, a área foi inicialmente batizada de Cidade Livre e ainda hoje mantém viva a memória dos candangos. Entre seus principais pontos turísticos estão a Casa do Pioneiro, a estação ferroviária Bernardo Sayão, a Paróquia Dom Bosco e o Museu Vivo da Memória Candanga. Em celebração aos 65 anos de Brasília, o Jornal de Brasília revisita a importância do Núcleo Bandeirante conversando com o administrador regional e um dos fundadores da cidade.

Uma das figuras emblemáticas dessa história é João Cândido da Silva, de 84 anos. Ele chegou ao Planalto Central em 1960, aos 20 anos, vindo de Umarizal (RN), e se emociona ao lembrar de sua participação no curta-metragem Cidade Livre, dirigido por Fabrício César. Em 2023, foi homenageado durante uma sessão do filme. “Foi um reconhecimento para os pioneiros da cidade, e eu me arrepio só de lembrar da primeira exibição. Foi um grande reconhecimento da história que vivi e ainda vivo”, conta.

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O pioneiro do Núcleo Bandairante, João Cândido da Silva mostra itens que contam a história dele e da cidade. – Foto: Amanda Karolyne /Jornal de Brasília

João chegou direto à igreja do Padre Roque, o primeiro a celebrar missa em Brasília, responsável por inaugurar a Ermida Dom Bosco. Como uma verdadeira enciclopédia viva, ele também recorda que o religioso foi um dos fundadores da Universidade Católica de Brasília (UCB), onde se formou o primeiro ministro da nova capital, José Neris da Silveira, que ocupou o cargo de ministro de Estado da Administração durante o governo de Juscelino Kubitschek.

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Praça onde fica a igreja São João Bosco, primeira igreja do Núcleo Bandeirante fundada pelo Padre Roque. – Foto: Amanda Karolyne /Jornal de Brasília

Entre as muitas memórias, João destaca o nome de Bernardo Sayão como sinônimo de pioneirismo e dedicação. “Brasília estava sendo programada por um grande construtor, que infelizmente foi levado cedo de forma trágica”, afirma, lembrando do papel essencial do engenheiro agrônomo na construção da infraestrutura básica da cidade.

Mas nem tudo foi fácil. “Dormíamos em barracas improvisadas com madeira e cobertas com teias de asfalto. A cama era de campanha, fechada durante o dia e aberta à noite”, relata João, sobre o cotidiano dos primeiros tempos. A Cidade Livre se formava aos poucos, acolhendo os recém-chegados. João lembra da Rádio Difusora de Brasília e de seu espaço de ‘Achados e Perdidos’, usado como ponto de reencontro de pessoas.

Com o tempo, os pioneiros se organizaram para conquistar seus direitos. Ele se emociona ao lembrar da sanção da Lei nº 4.020, que formalizou a região. “Naquele dia, dissemos ao presidente que o Núcleo Bandeirante era a cidade pioneira, a cidade mãe de Brasília”, destaca, mencionando os comerciantes da época, apelidados de ‘pinhões’.

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 Mapa original da cidade. – Foto: Amanda Karolyne /Jornal de Brasília

João guarda com orgulho memórias e objetos que contam a história da cidade e da sua própria vida. “Vi nascer cada um dos ministérios”, afirma, nostálgico. Entre suas relíquias, uma imagem reúne fotos de figuras importantes, como o presidente Juscelino Kubitschek e Dona Filomena, a primeira professora a chegar à região.

Artista nas horas vagas, João costumava levar seu violão aos bares da cidade, tocando músicas de Nelson Gonçalves, e também integrou a banda da Paróquia São João Bosco, que se apresentou até para o governo federal. Com tantas contribuições, foi homenageado com a medalha Mérito Líder Comunitário pelo governador Ibaneis Rocha. “Recebi essa honraria pelo meu serviço prestado à capital e ao Núcleo Bandeirante”, diz.

Berço da construção de Brasília

O atual administrador do Núcleo Bandeirante, José de Assis Silva, afirma que a cidade foi essencial para o nascimento de Brasília. “Era tudo barraco, feito de madeira. Não tinha nada de cimento”, lembra. Na época, a informalidade era marca registrada da região, o que originou o nome Cidade Livre — os moradores não pagavam impostos.

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O administrador do Núcleo Bandeirante, José de Assis Silva. – Foto: Amanda Karolyne /Jornal de Brasília

Hoje, o Núcleo Bandeirante tem cerca de 36 mil habitantes e uma infraestrutura consolidada, mas sem perder a identidade. “O Bandeirante foi o ponto de chegada dos primeiros trabalhadores, e muitos nunca mais saíram daqui”, diz. Segundo ele, isso explica a grande presença de idosos na região: “Vieram jovens, formaram famílias e continuaram por aqui”.

Assis enxerga a região como um pilar da capital federal. “Brasília deve muito ao Núcleo Bandeirante. Foi onde tudo começou e continua sendo uma base importante”, afirma. Ele compartilha ainda uma coincidência curiosa: assim como a capital, ele também completa 65 anos em 2024. “Tenho acompanhado Brasília desde a juventude.”

O administrador destaca pontos históricos que merecem ser mais conhecidos pelos brasilienses, como o Mercadão, herdeiro do antigo mercado Diamantina, e o Museu Vivo da Memória Candanga. “Cheguei aqui em 1977, quando ainda havia muitos barracos. Eu tinha 16 anos”, relembra. “É um orgulho hoje estar à frente da administração regional.”

A cultura local também se mantém forte. A Casa da Cultura promove atividades como dança e capoeira, e a tradicional festa junina ainda movimenta a praça da cidade com quadrilhas e comidas típicas. A feira permanente, recentemente reformada, é um dos principais pontos de encontro da comunidade. “Quando cheguei aqui, domingo só era completo se passássemos pela feira”, conta.

Presente e futuro

Com 68 anos de existência, o Núcleo Bandeirante continua em desenvolvimento. Assis reconhece os avanços, mas diz que ainda há espaço para melhorias. “Uma cidade nunca está completa. Mas já temos uma boa estrutura, com rede bancária e comércio forte.”

Entre os projetos em andamento, ele cita a modernização da Avenida Central, principal via da cidade. “Estamos reformando calçadas e melhorando a acessibilidade, principalmente pensando nos idosos”, afirma. O objetivo é preservar a história da cidade enquanto se investe no conforto da população.

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Única casa de madeira que ainda resiste ao tempo no Setor dos Engenheiros no Núcleo Bandeirante. – Foto: Amanda Karolyne /Jornal de Brasília

Curiosidade

No Setor dos Engenheiros, onde moravam os profissionais que ajudaram a construir Brasília, ainda existe uma casa feita de madeira, erguida em 1962. É a única residência desse tipo ainda de pé — uma testemunha silenciosa da origem da capital.

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